(...)
Humilhas, avanças, provocas, agrides, espancas, torturas, aprisionas indefesos – e quem bate e violenta é a tropa de choque?
Te tornaste carne, sexo e prostituta de incubo de Saturno –
e ensandecidamente acusas o outro de estupro? (...)
Leia o poema Uma oração para canalhas clicando aqui.
_____________________________________
Trânsito: os senhores da guerra
A questão do trânsito é um problema grave em qualquer lugar do mundo. Mas no Brasil este limite já foi superado há muito tempo, e a questão de grave passou a vergonhosa, acintosa, de toda inaceitável.
No Brasil, o número oficial de mortos vítimas de acidentes de trânsito gravita em torno de 35.000 por ano. Mas todos sabem que é um número de mentirinha, daqueles para inglês ver, para dar lustre aos relatórios gerenciais. Um dado para escamotear a escandalosa incompetência e inoperância das autoridades responsáveis pelo setor.
E como é repugnante ver uma autoridade do trânsito falando sobre o assunto. Estão onipresentes, em todos os lugares, em todos os momentos. Adoram luzes, holofotes, se necessário vãos às vias de fato em busca de um banquinho para discursar. Passam-se por sumidades, doutores e especialistas no assunto, municiam-se de dados e estatísticas, carregam sempre sob os braços pastas e relatórios para emprestar confiabilidade às suas intervenções, assumem ar professoral, estampam na face uma expressão sebastianista, e arrotam projetos, e propostas, e ações, e iniciativas, e parcerias, e convênios... E a população, completamente abandonada, continua exposta à sangrenta guerra civil imposta pela violência que explode em nossas cidades e estradas.
Leonel Brizola costumava fazer chacota dos dados e estatística do país. Contava, lá à sua peculiar maneira, que o cidadão havia morrido numa lagoa cuja profundidade média não passava de um palmo. Para o bom entendedor, meia palavra basta. Os dados e informações estatísticas no Brasil sempre foram conformados aos interesses de ocasião. Por isto podem nos conduzir a um universo de oportunidades, à um precipício de ameaças ou, simplesmente, a lugar algum. Infelizmente, o precipício de ameaças tem sido nosso lugar comum.
Trinta e cinco mil brasileiros mortos por acidentes de trânsito no Brasil? Nem mesmo o governo acredita nesses números. Pura maquiagem, fantasia, artifício para mascarar a chacina que diuturnamente aniquila o país, avermelhando nossas vias, estradas e avenidas com o sangue de inocentes. A patifaria e canalhice das autoridades é tamanha que desenvolveram um conjunto de estratégias para manter o teatrinho, para manter inalterável o status quo, de modo que continuem mantendo seus empreguinhos de luxo... Às custas do suplício das famílias brasileiras e das perdas econômicas da nação.
As estratégias para manter a ópera bufa das estatísticas oficiais sobre o trânsito parecem ter sido orquestradas no quadrante mais profundo do Tártaro. O roteiro é bizarro e demoníaco: a demora proposital para proceder a compilação dos dados; a forma (orquestrada) de notificação; estados e municípios mantendo metodologias e procedimentos diferentes; o fato do indicador se restringir tão somente aos que perdem a vida no local do acidente, não havendo (providencialmente) acompanhamento para verificar os óbitos ocorridos depois, no hospital ou em casa, em decorrência do desastre ou sinistro. O procedimento é tão vigarista que, ainda que a vítima venha a óbito dentro da ambulância, já a caminho do hospital, ela não será contabilizada.
Por conta destes disparates, não são poucos os que acreditam que o número de mortos no Brasil vítimas de acidentes de trânsito supere a casa dos 60.000.
É um número vergonhoso, que remete o Brasil a uma verdadeira guerra civil, uma hecatombe sem precedentes.
Em 15 anos de guerra, os Estados Unidos lançaram sobre o Vietnã mais toneladas de bombas que as lançadas em todo o decorrer da 2ª Guerra mundial. Além dos armamentos convencionais, os EUA experimentaram armas químicas e biológicas, destruíram quase 70% de todos as vilas e cidades do norte e gastaram, no conflito, mais de 150 bilhões de dólares. Em 15 anos de guerra intensa, o número de americanos mortos foi de 58.193. Menos dos que morrem, no Brasil, por ano, em acidentes de trânsito.
Já na Guerra do Iraque, em cinco anos de conflito, completados em 23 de março, o número de soldados americanos mortos não chegou aos 4.000. Portanto, cinco anos de guerra e 4.000 soldados mortos. No Brasil, a cada ano de guerra civil, a cada ano da insana tragédia do trânsito, 35.000 mortos (segundo dados oficiais); em torno de 60.000, segundo os estudiosos e especialistas “não dependentes” do governo seja pelo emprego que (neste caso) amesquinha, seja pelos interesses que avilta.
A guerra que envergonha e humilha o Brasil é uma guerra orquestrada por patifes, promovida por patifes, mantida por patifes. De seus gabinetes refrigerados assistem, sonolentos, impávidos e indiferentes, à hecatombe que martiriza nossas famílias, que ceifa nossos entes mais queridos.
Aqui talvez valha a antiga expressão latina “quidquid delirant reges, plectuntur Achivi” - quando os reis deliram, os gregos são açoitados. O povo pagando pelos desvarios dos governantes, dos executivos, dos burocratas, dos que têm algum tipo de autoridade institucional sobre o trânsito. São os deuses da morte, os senhores da hedionda guerra civil brasileira.