À frente do curso mais
popular da Universidade Yale, a psicóloga Laurie Santos ensina como evitar as
armadilhas do cérebro para encontrar a felicidade
Mais de 60 ganhadores do prêmio Nobel já passaram pela Universidade Yale, nos Estados Unidos, em áreas como economia, física e química. O curso eletivo mais popular em mais de 300 anos de história, no entanto, não tem nada a ver com essas áreas. O curso Psychology and the Good Life (algo como “A psicologia e a boa vida”) ocupa a primeira posição, com mais de 1.200 alunos presenciais e outros 350.000 na versão online, desde sua criação no ano passado.
À frente do programa, com dez semanas de duração, está a psicóloga Laurie Santos, professora e pesquisadora da universidade. Ela se tornou um dos expoentes de uma nova geração de psicólogos que usam a ciência para explicar o comportamento humano e uma de suas maiores ambições: a felicidade. “Se entendermos como nossa mente funciona, podemos evitar algumas peças que nosso cérebro nos prega e adotar hábitos que realmente nos fazem felizes”, afirma Laurie. Em setembro, ela lançou a série de podcasts The Happiness Lab, que trata do assunto de uma forma menos acadêmica.
As pesquisas de Laurie e de outros estudiosos apontam para um descompasso entre a percepção da realidade e os sentimentos. A exposição excessiva a comparações sociais, um efeito colateral das redes sociais, piora a situação. Sem perceber, as pessoas se colocam em uma posição de sofrimento que não condiz com a própria realidade. É o que faz um multimilionário ser infeliz por não ter mais dinheiro. Por outro lado, um modesto faxineiro pode encontrar sentido no trabalho e ser feliz. O segredo da felicidade, segundo ela, está nas pequenas coisas da vida. De seu escritório em Yale, Laurie falou por telefone a EXAME.
O que a ciência já descobriu sobre o que leva as pessoas à felicidade?
Não é o que esperamos. Dinheiro, bens materiais ou, no caso dos meus alunos, melhores notas não funcionam como esperamos. Por outro lado, há uma série de coisas que nos fazem felizes, mas nas quais não prestamos tanta atenção, como visitar os amigos, fazer uma boa ação ou meditar. As pessoas mais felizes são as mais sociáveis, que passam mais tempo com parentes e amigos. Desenvolver conexões verdadeiras aumenta o bem-estar. Quem pensa mais nos outros também é mais feliz. Nos Estados Unidos temos essa ideia de “cuide-se”, ou seja, faça algo por você. As pesquisas, no entanto, mostram que fazer algo para outra pessoa, como um trabalho voluntário, é mais efetivo. Também temos uma noção errada de que precisamos preencher nosso tempo. Imaginamos que uma vida repleta de experiências é melhor. Mas a sensação de ter tempo livre nos deixa mais felizes.
Por que em geral temos uma noção equivocada do que traz felicidade?
O motivo é complexo e está relacionado à nossa evolução. Coisas que naturalmente nos trazem felicidade, como fazer parte de uma comunidade, estavam muito presentes em nossa vida no passado. Por esse motivo, nunca sentimos falta delas e não criamos um sistema motivacional para buscá-las. O resultado é que negligenciamos uma série de elementos que, naturalmente, nos fariam mais felizes. Por outro lado, buscamos coisas que nos fazem mal, como alimentos gordurosos, mas que não eram abundantes no passado. Nossas intuições sobre o que gera bem-estar estão erradas. Achamos que usar um aplicativo para pedir comida ou pagar as contas vai nos deixar felizes. Mas quando abrimos mão de pequenas interações, como uma conversa com o caixa do banco, deixamos de socializar, o que é ruim. Também acreditamos que é melhor ter milhões de escolhas, como no caso do Netflix. Só que acabamos nos sentindo exaustos com a sensação de nunca fazer a escolha certa. Por meio da ciência, nos conhecemos melhor e podemos evitar essas coisas estúpidas que nosso cérebro nos diz para fazer. No lugar delas, passar mais tempo com os filhos e os amigos.
A ansiedade tem se apresentado como um dos problemas da atualidade. O que estamos fazendo de errado?
Os níveis de ansiedade nas universidades americanas superaram os limites. Quase dois terços dos estudantes estão drasticamente ansiosos. Em grande parte, isso se deve ao fato de não nos concentrarmos no presente. Muitos dos meus alunos ficam ansiosos por se preocuparem demais com as notas no final do semestre ou com o emprego que terão ao deixar a faculdade. Eles não estão concentrados no agora e isso gera medo. Outro problema é que somos constantemente bombardeados com comparações e notícias negativas. Há sempre alguém com melhores notas, uma festa interessante para a qual não fui convidada e é só ligar meu computador para saber tudo sobre as mudanças climáticas ou as mortes por armas de fogo. São problemas reais que invadem nossa consciência o tempo todo. Claro que devo me preocupar com o aquecimento global, mas a exposição a essas questões gera ansiedade.
Gerações passadas, que não tinham tanta oferta de informações, têm mais facilidade de se proteger dessa superexposição?
Não sei dizer. De qualquer forma, para os millennials, entrar nas redes sociais é como escovar os dentes. É complicado porque vários estudos mostram que as redes sociais aumentam a ansiedade.
Existe conexão entre a proporção de pessoas com depressão e o avanço de novas tecnologias?
Em teoria, o efeito pode ser positivo. Eu posso me conectar com pessoas que estão distantes, o que é bom. Mas, normalmente, não usamos a tecnologia de uma maneira que promova a felicidade. Estabelecemos conexões sociais pouco profundas e nos distraímos.
A noção de equilíbrio entre mente, corpo e alma é um caminho para a felicidade?
Como uma cientista, é até difícil reconhecer que a religião descobriu isso muito tempo atrás. A maioria das tradições religiosas inclui reservar um tempo para socializar e fazer o bem para os outros. Tradições culturais não religiosas seguem a mesma linha. A siesta na cultura espanhola é um exemplo. Nós tínhamos essas instituições que nos protegiam, mas estamos perdendo.
Pessoas religiosas são mais felizes do que as não religiosas?
Sim, mas isso não tem relação com suas crenças, ou com o fato de acreditarem em Deus. Está relacionado com as práticas. Quem vai à missa adota rituais que nós, estudiosos do tema, indicamos para mentes seculares. Mas você não precisa acreditar em Deus para obter os mesmos resultados com, por exemplo, meditação.
É possível ser feliz sem gostar do trabalho?
Definitivamente, sim. Uma boa parte do que não gostamos no nosso trabalho está ligada à percepção que temos dele. Todos nós temos virtudes e força de caráter diferentes. Há quem seja mais sociável e bem-humorado, há quem goste de aprender e quem se identifique com atos de bravura etc. Se você enquadra sua atividade profissional de uma maneira que ressalte suas virtudes, vai se sentir mais satisfeito. Há um estudo consagrado sobre faxineiros, um trabalho que não é considerado dos mais prestigiosos, cuja conclusão é que os profissionais mais felizes eram aqueles que buscavam um sentido holístico para a atividade. Se você trabalha em um hospital, não está apenas limpando vasos sanitários, está ajudando a salvar a vida de crianças ao manter o local limpo. A maioria dos trabalhos tem esses elementos redentores.
O que fazer para aumentar a felicidade no ambiente de trabalho?
Quando se sentem valorizadas, as pessoas demonstram mais vontade. Na verdade, expressar gratidão tem um impacto maior na produtividade do que aumentar o salário. Não somos motivados apenas por dinheiro, mas, sim, pela ideia de causar algum impacto e de socializar. Dar um sentido ao trabalho vale mais do que um dinheirinho extra. O curso apresenta o conceito de “adaptação hedônica”, caracterizado pela tendência de se acostumar com ganhos materiais. Um carro novo gera bem-estar no momento da compra, mas logo passa a ser um item cotidiano. Na minha série de podcasts, eu converso com Clay Cockrell, um psicoterapeuta especializado em pessoas com um patrimônio mínimo de 50 milhões de dólares e que se sentem infelizes. Muita gente olha para um cara com esse dinheiro e se pergunta como ele pode não ser feliz. Mas poucos fazem uma reflexão sobre a própria vida.
Dinheiro, então, não traz felicidade?
Se você está abaixo da linha de pobreza, mais dinheiro vai ajudar. A maioria dos leitores desta revista, no entanto, não está nessa posição. O que nós desejamos, geralmente, não é um teto, é um teto um pouquinho mais espaçoso. Nessas condições, o dinheiro não vai impactar nossa vida como imaginamos.
Mais de 60 ganhadores do prêmio Nobel já passaram pela Universidade Yale, nos Estados Unidos, em áreas como economia, física e química. O curso eletivo mais popular em mais de 300 anos de história, no entanto, não tem nada a ver com essas áreas. O curso Psychology and the Good Life (algo como “A psicologia e a boa vida”) ocupa a primeira posição, com mais de 1.200 alunos presenciais e outros 350.000 na versão online, desde sua criação no ano passado.
À frente do programa, com dez semanas de duração, está a psicóloga Laurie Santos, professora e pesquisadora da universidade. Ela se tornou um dos expoentes de uma nova geração de psicólogos que usam a ciência para explicar o comportamento humano e uma de suas maiores ambições: a felicidade. “Se entendermos como nossa mente funciona, podemos evitar algumas peças que nosso cérebro nos prega e adotar hábitos que realmente nos fazem felizes”, afirma Laurie. Em setembro, ela lançou a série de podcasts The Happiness Lab, que trata do assunto de uma forma menos acadêmica.
As pesquisas de Laurie e de outros estudiosos apontam para um descompasso entre a percepção da realidade e os sentimentos. A exposição excessiva a comparações sociais, um efeito colateral das redes sociais, piora a situação. Sem perceber, as pessoas se colocam em uma posição de sofrimento que não condiz com a própria realidade. É o que faz um multimilionário ser infeliz por não ter mais dinheiro. Por outro lado, um modesto faxineiro pode encontrar sentido no trabalho e ser feliz. O segredo da felicidade, segundo ela, está nas pequenas coisas da vida. De seu escritório em Yale, Laurie falou por telefone a EXAME.
O que a ciência já descobriu sobre o que leva as pessoas à felicidade?
Não é o que esperamos. Dinheiro, bens materiais ou, no caso dos meus alunos, melhores notas não funcionam como esperamos. Por outro lado, há uma série de coisas que nos fazem felizes, mas nas quais não prestamos tanta atenção, como visitar os amigos, fazer uma boa ação ou meditar. As pessoas mais felizes são as mais sociáveis, que passam mais tempo com parentes e amigos. Desenvolver conexões verdadeiras aumenta o bem-estar. Quem pensa mais nos outros também é mais feliz. Nos Estados Unidos temos essa ideia de “cuide-se”, ou seja, faça algo por você. As pesquisas, no entanto, mostram que fazer algo para outra pessoa, como um trabalho voluntário, é mais efetivo. Também temos uma noção errada de que precisamos preencher nosso tempo. Imaginamos que uma vida repleta de experiências é melhor. Mas a sensação de ter tempo livre nos deixa mais felizes.
Por que em geral temos uma noção equivocada do que traz felicidade?
O motivo é complexo e está relacionado à nossa evolução. Coisas que naturalmente nos trazem felicidade, como fazer parte de uma comunidade, estavam muito presentes em nossa vida no passado. Por esse motivo, nunca sentimos falta delas e não criamos um sistema motivacional para buscá-las. O resultado é que negligenciamos uma série de elementos que, naturalmente, nos fariam mais felizes. Por outro lado, buscamos coisas que nos fazem mal, como alimentos gordurosos, mas que não eram abundantes no passado. Nossas intuições sobre o que gera bem-estar estão erradas. Achamos que usar um aplicativo para pedir comida ou pagar as contas vai nos deixar felizes. Mas quando abrimos mão de pequenas interações, como uma conversa com o caixa do banco, deixamos de socializar, o que é ruim. Também acreditamos que é melhor ter milhões de escolhas, como no caso do Netflix. Só que acabamos nos sentindo exaustos com a sensação de nunca fazer a escolha certa. Por meio da ciência, nos conhecemos melhor e podemos evitar essas coisas estúpidas que nosso cérebro nos diz para fazer. No lugar delas, passar mais tempo com os filhos e os amigos.
A ansiedade tem se apresentado como um dos problemas da atualidade. O que estamos fazendo de errado?
Os níveis de ansiedade nas universidades americanas superaram os limites. Quase dois terços dos estudantes estão drasticamente ansiosos. Em grande parte, isso se deve ao fato de não nos concentrarmos no presente. Muitos dos meus alunos ficam ansiosos por se preocuparem demais com as notas no final do semestre ou com o emprego que terão ao deixar a faculdade. Eles não estão concentrados no agora e isso gera medo. Outro problema é que somos constantemente bombardeados com comparações e notícias negativas. Há sempre alguém com melhores notas, uma festa interessante para a qual não fui convidada e é só ligar meu computador para saber tudo sobre as mudanças climáticas ou as mortes por armas de fogo. São problemas reais que invadem nossa consciência o tempo todo. Claro que devo me preocupar com o aquecimento global, mas a exposição a essas questões gera ansiedade.
Gerações passadas, que não tinham tanta oferta de informações, têm mais facilidade de se proteger dessa superexposição?
Não sei dizer. De qualquer forma, para os millennials, entrar nas redes sociais é como escovar os dentes. É complicado porque vários estudos mostram que as redes sociais aumentam a ansiedade.
Existe conexão entre a proporção de pessoas com depressão e o avanço de novas tecnologias?
Em teoria, o efeito pode ser positivo. Eu posso me conectar com pessoas que estão distantes, o que é bom. Mas, normalmente, não usamos a tecnologia de uma maneira que promova a felicidade. Estabelecemos conexões sociais pouco profundas e nos distraímos.
A noção de equilíbrio entre mente, corpo e alma é um caminho para a felicidade?
Como uma cientista, é até difícil reconhecer que a religião descobriu isso muito tempo atrás. A maioria das tradições religiosas inclui reservar um tempo para socializar e fazer o bem para os outros. Tradições culturais não religiosas seguem a mesma linha. A siesta na cultura espanhola é um exemplo. Nós tínhamos essas instituições que nos protegiam, mas estamos perdendo.
Pessoas religiosas são mais felizes do que as não religiosas?
Sim, mas isso não tem relação com suas crenças, ou com o fato de acreditarem em Deus. Está relacionado com as práticas. Quem vai à missa adota rituais que nós, estudiosos do tema, indicamos para mentes seculares. Mas você não precisa acreditar em Deus para obter os mesmos resultados com, por exemplo, meditação.
É possível ser feliz sem gostar do trabalho?
Definitivamente, sim. Uma boa parte do que não gostamos no nosso trabalho está ligada à percepção que temos dele. Todos nós temos virtudes e força de caráter diferentes. Há quem seja mais sociável e bem-humorado, há quem goste de aprender e quem se identifique com atos de bravura etc. Se você enquadra sua atividade profissional de uma maneira que ressalte suas virtudes, vai se sentir mais satisfeito. Há um estudo consagrado sobre faxineiros, um trabalho que não é considerado dos mais prestigiosos, cuja conclusão é que os profissionais mais felizes eram aqueles que buscavam um sentido holístico para a atividade. Se você trabalha em um hospital, não está apenas limpando vasos sanitários, está ajudando a salvar a vida de crianças ao manter o local limpo. A maioria dos trabalhos tem esses elementos redentores.
O que fazer para aumentar a felicidade no ambiente de trabalho?
Quando se sentem valorizadas, as pessoas demonstram mais vontade. Na verdade, expressar gratidão tem um impacto maior na produtividade do que aumentar o salário. Não somos motivados apenas por dinheiro, mas, sim, pela ideia de causar algum impacto e de socializar. Dar um sentido ao trabalho vale mais do que um dinheirinho extra. O curso apresenta o conceito de “adaptação hedônica”, caracterizado pela tendência de se acostumar com ganhos materiais. Um carro novo gera bem-estar no momento da compra, mas logo passa a ser um item cotidiano. Na minha série de podcasts, eu converso com Clay Cockrell, um psicoterapeuta especializado em pessoas com um patrimônio mínimo de 50 milhões de dólares e que se sentem infelizes. Muita gente olha para um cara com esse dinheiro e se pergunta como ele pode não ser feliz. Mas poucos fazem uma reflexão sobre a própria vida.
Dinheiro, então, não traz felicidade?
Se você está abaixo da linha de pobreza, mais dinheiro vai ajudar. A maioria dos leitores desta revista, no entanto, não está nessa posição. O que nós desejamos, geralmente, não é um teto, é um teto um pouquinho mais espaçoso. Nessas condições, o dinheiro não vai impactar nossa vida como imaginamos.
A desigualdade social influencia na felicidade dos que estão
situados no meio ou no topo da pirâmide?
Países mais desiguais são menos felizes. Isso está relacionado com as comparações sociais que fazemos. O que importa não é nossa riqueza objetiva, mas a riqueza comparada aos outros. Em países desenvolvidos, pessoas que assistem muito à TV, e se expõem a programas sobre a vida dos famosos, pensam que seu dinheiro vale menos do que vale, pois não conseguem ter o mesmo padrão de consumo.
Países mais desiguais são menos felizes. Isso está relacionado com as comparações sociais que fazemos. O que importa não é nossa riqueza objetiva, mas a riqueza comparada aos outros. Em países desenvolvidos, pessoas que assistem muito à TV, e se expõem a programas sobre a vida dos famosos, pensam que seu dinheiro vale menos do que vale, pois não conseguem ter o mesmo padrão de consumo.
Por Rodrigo Caetano, na Revista Exame
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