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Em 1999, país iniciou reforma profunda em educação |
No alto dos rankings
internacionais da educação,
perto de conhecidas "potências" da área como Finlândia, Cingapura,
Canadá e Coreia do Sul, está um país que tem avançado há relativamente pouco tempo,
mas com constância e velocidade surpreendentes: a Polônia.
Na
edição mais recente do Pisa, exame internacional que em 2018 avaliou 600 mil
estudantes de 15 anos em 79 países ou regiões (Brasil entre eles), a Polônia
ficou entre os dez melhores colocados do mundo nos exames de leitura,
matemática e ciências.
Para efeitos
comparativos, os estudantes poloneses fizeram, em média, quase 100 pontos a
mais que os brasileiros em leitura: 512 contra 413. E ficaram 129 pontos à
frente na avaliação de matemática. A prova, aplicada pela OCDE (Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), visa medir a habilidade de
alunos globais em compreender textos, captar informações-chave, entender e
aplicar conceitos matemáticos e científicos em seu dia a dia.
O
sucesso polonês — cujas pontuações superam, inclusive, as médias da própria
OCDE — chama a atenção por ocorrer em um país que, até poucas décadas atrás,
era inexpressivo na educação. E que tem um passado recente de destruição e
pobreza.
Mortes e destruição na
guerra
Ao fim
da Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando a Polônia passou da ocupação
nazista para a esfera comunista do Leste Europeu, estima-se que o saldo de
poloneses mortos no conflito tenha sido de 6 milhões de pessoas. Cidades como a
capital Varsóvia, Wróclaw e Gdansk estavam em ruínas.
Nos anos
durante e pós-comunismo, a situação do país tampouco era alentadora social e
economicamente, segundo relatos históricos.
"É
difícil descrever de maneira sucinta a desordem que assolou a Polônia no espaço
de meio século. Depois da derrocada do comunismo, em 1989, a hiperinflação
entrou em cena e dominou o país. As prateleiras dos supermercados ficaram
vazias, e as mães não conseguiam encontrar leite para seus filhos",
descreve a autora Amanda Ripley em As Crianças Mais Inteligentes do Mundo (ed. Três
Estrelas, 2013), livro que mergulha em experiências internacionais
bem-sucedidas de sistemas educacionais.
O panorama da
educação também era ruim, aponta a autora: somente metade dos adultos de áreas
rurais do país havia concluído o ensino fundamental.
Mesmo
em 2010, diz Ripley, quando a Polônia entrou para a União Europeia e depois de
reformas que promoveram o livre mercado no país, "aproximadamente uma em
cada seis crianças polonesas vivia na pobreza. (...) Em um estudo das Nações
Unidas sobre o bem-estar material infantil, a Polônia figurava na última
posição do mundo desenvolvido".
À essa
altura, porém, a Polônia já passava por intensas reformas, às quais muitos
analistas atribuem as altas taxas de crescimento econômico que persistem até
hoje, embora lado a lado com desafios políticos. Uma dessas reformas acontecia
na educação.
Valorização de
professores, autonomia e 'terapia de choque'
Essa
reforma, em 1999, é descrita por Ripley como uma espécie de "terapia de
choque": no decorrer de apenas um ano, a Polônia implementou um currículo
escolar mais rigoroso, mas com menos tópicos a serem abordados; as escolas
tiveram mais autonomia para escolher livros didáticos e entre centenas de
opções pré-aprovadas de didática e conteúdo a ser abordado.
"O
novo programa fornecia os objetivos fundamentais, mas deixaria os detalhes para
a escola. Ao mesmo tempo, o governo exigiria que um quarto dos professores
voltasse à faculdade para aperfeiçoar sua própria formação", explica
Amanda Ripley.
Isso
forçou um grande investimento em professores, tanto em capacitação quanto em
remuneração e bonificação, e também em avaliações, que permitissem mensurar o
desempenho ao final de cada ciclo e identificar quais alunos, escolas e
professores precisavam de mais ajuda do governo. Isso sinalizava, segundo a
autora, "que os professores já não eram trabalhadores de nível
inferior".
No que
diz respeito às avaliações, a ideia era "não apenas (fazer os alunos)
acertarem as alternativas corretas, mas sim queríamos que eles pensassem
estrategicamente e queríamos saber como eles entendiam os problemas",
disse à BBC, em 2015, Janusz Wolosz, conselheiro de educação da Embaixada da
Polônia no Reino Unido.
Antes da
reforma, quando chegavam aos 15 anos de idade, no ano equivalente ao primeiro
do ensino médio, os alunos poloneses eram encaminhados, com base em seu
desempenho, para cursos profissionalizantes/técnicos ou para o ensino regular/acadêmico.
Essa divisão — chamada de "categorização" — foi, com a reforma,
postergada em um ano. Ou seja, os alunos passaram a ter 12 meses a mais de
estudos na escola tradicional e só sair dela aos 16 anos. Só para acomodar esse
ano extra, foi necessário construir, rapidamente, 4 mil escolas a mais em todo
o país.
"A
diferença era de apenas 12 meses, mas teria consequências surpreendentes"
na educação, diz Ripley, citando outro ponto crucial: "aumentaram as
expectativas acerca de o que os estudantes seriam capazes de realizar".
"Em
outras palavras, o sistema exigia mais responsabilização por resultados, ao
mesmo tempo em que concedia mais autonomia de métodos. Essa mesma dinâmica
podia ser encontrada em todos os países que haviam melhorado de maneira
acentuada seus resultados, incluindo a Finlândia."
Resultados
Mesmo
antes da reforma, a Polônia partiu de um patamar acima do Brasil porque
conseguiu colocar todas as crianças na escola mais cedo do que nós, explica
Claudia Costin, que foi diretora global de educação do Banco Mundial e hoje
dirige o Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV Rio.
"Todos
os países da esfera soviética universalizaram o acesso à educação bem antes.
Essa educação podia ter uma série de problemas, mas não deixava as crianças
fora da escola", diz ela à BBC News Brasil.
Costin
explica que manter os alunos um ano a mais no ensino tradicional, entre 15 e 16
anos, foi um dos aspectos mais significativos da reforma polonesa, o que é
confirmado por dados: esses estudantes (que antes teriam sido transferidos para
escolas técnicas) fizeram, no primeiro exame Pisa, em 2000, mais de 100 pontos
a mais do que seus colegas que, àquela altura, já haviam sido transferidos.
A suspeita de
especialistas é de que, ao serem enviados para cursos técnicos com base em suas
notas, os alunos perdiam a motivação, e seu aprendizado desacelere.
Como
qualquer avaliação, o Pisa não é uma medição perfeita. Avalia apenas algumas
habilidades dentro de um determinado recorte. Mas, especificamente para a
Polônia, ele teve importância crucial, porque começou a ser implementado em
2000, justamente quando as reformas acima começaram a vigorar, dando um retrato
do antes e depois da educação.
"De
2000 a 2006, a nota média de leitura dos estudantes poloneses de 15 anos de
idade subiu 29 pontos no Pisa", reconta Ripley. "Era como se os
poloneses tivessem de alguma maneira enfiado dentro do cérebro quase três
quartos de um ano letivo de aprendizagem extra. Em menos de uma década, os
alunos tinham saltado de um desempenho abaixo da média do mundo desenvolvido
para uma nota acima da média." Na prova seguinte, em 2009, os poloneses
superaram outros países desenvolvidos e com investimentos muito superiores em
educação, como os EUA.
Essa
performance continuou avançando, segundo os dados do Pisa. Na edição mais
recente do exame, divulgada no início de dezembro, os estudantes poloneses
mantiveram suas médias acima dos demais países da OCDE (grupo chamado também de
"clube de países ricos") nas três esferas avaliadas: leitura,
matemática e ciências.
Uma
análise do Banco Mundial apontou que o aumento nas notas do país no Pisa foi
"maior e mais consistente do que qualquer outro país próximo".
A lições - e os
problemas - da Polônia
"É
muito impressionante: um país que foi destroçado pela guerra hoje mostra
resultados muito consistentes", diz à reportagem Mozart Neves Ramos, que é
diretor de inovação do Instituto Ayrton Senna e membro do Conselho Nacional de
Educação brasileiro. Ele conheceu o sistema polonês alguns anos atrás, em
visita quando era reitor da Universidade Federal de Pernambuco.
"Vi
neles uma visão sistêmica, de melhorar a educação tanto básica quanto no ensino
superior (sem priorizar um ou outro)", afirma. "Eles também estão
muito focados na formação de professores, assim como todos os países no topo
(do Pisa). Todos os estudos mostram que esse é o fator que mais faz diferença,
entre os fatores que impactam na educação."
Em seu livro,
Ripley avalia que o país foi bem-sucedido em mostrar que é possível avançar com
diligência e altas expectativas sobre si mesmos: quando os estudantes passaram
a corresponder às apostas que haviam sido feitas neles, e diretores das novas
escolas começaram a contar com professores mais talentosos e engajados, os
resultados positivos iniciais começaram a ganhar tração e a se retroalimentar.
Outra
questão-chave, apontam diferentes estudos, foi a incorporação da educação como
uma agenda essencial e estratégica para o país crescer e competir em patamar de
igualdade com o restante da força de trabalho da União Europeia. "Sem
melhoras na educação, os poloneses seriam relegados a subempregos não
qualificados e de remuneração muito baixa, fazendo o trabalho que outros
europeus não queriam fazer", explica Ripley.
Mas
isso não significa que as reformas resolveram os problemas educacionais — e
socioeconômicos — do país.
O
ministro responsável pelas mudanças na educação, Miroslaw Handke, renunciou no
ano seguinte à reforma, sem conseguir assegurar os recursos necessários para
aumentar, no nível prometido, o salário dos professores.
A OCDE
apontou, em relatório de 2015, que embora a autonomia sobre o currículo na
Polônia seja superior à da média dos demais países do grupo, a remuneração de
professores poloneses está abaixo da média não só da organização, mas também
inferior ao de outros profissionais poloneses de educação superior.
Apesar
de alguns aumentos recentes no salário docente, apenas 18% dos professores do
país acreditam que sua profissão é valorizada na sociedade.
Em
abril deste ano, esses professores fizeram uma greve histórica na Polônia,
paralisando mais da metade das escolas em grandes cidades.
Mas a
demanda por maiores salários acabou não sendo atendida pelo governo, comandado
pelo partido populista e nacionalista de extrema direita Lei e Justiça (PiS),
que foi reeleito no mês de outubro.
Essa
mesma eleição evidenciou também desafios políticos poloneses: o PiS é acusado
de interferir no funcionamento da imprensa e do Judiciário e de aumentar o
isolamento da Polônia da União Europeia, por ter atitudes consideradas
antidemocráticas.
"Durante
décadas, cientistas políticos enxergaram a Polônia como a grande história de
sucesso de transição do comunismo à democracia", escreveu o cientista
político alemão-americano Yascha Mounk em artigo para a Folha de S.Paulo, em
outubro. "Essa narrativa começou a ser posta em dúvida quando o PiS chegou
ao poder, em 2015. (...) O líder da legenda, Jaroslaw Kaczynski, começou
imediatamente a atacar o estado de direito e a limitar a independência de
instituições fundamentais, como a rede de rádio e TV pública do país."
Na
educação, o país avançou imensamente, mas não chegou ao nível de qualidade e
igualdade de referências como a Finlândia, aponta Ripley em seu livro.
"A
qualidade das faculdades de formação de professores variava tremendamente. Os
professores que conseguiam arranjar trabalho ainda não ganhavam salários
suficientemente bons. Enquanto não redobrasse o rigor e resolvesse o problema
da qualidade do ensino, a Polônia jamais seria a Finlândia", conclui ela.
"Ainda
assim, a Polônia tinha feito um avanço revolucionário e espetacular, mostrando
que mesmo países às voltas com transtornos e adversidades poderiam fazer o
melhor para seus educandos em questão de poucos anos. O rigor era algo que
podia ser cultivado. Não tinha de aparecer de maneira orgânica. Verdade seja
dita, não havia evidências de que tivesse surgido organicamente em país nenhum.
Era possível aumentar as expectativas. Gestores e dirigentes educacionais
ousados que não se considerassem sabichões poderiam ajudar a formar toda uma
geração de crianças mais inteligentes."
Da BBC
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