quarta-feira, 8 de março de 2017

‘Não temos 1 Supremo, mas 11’'


Para Joaquim Falcão, da FGV, há na Corte um excesso de protagonismo dos ministros
O excessivo protagonismo dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), e não da Corte em si, foi criticado ontem por participantes do Fórum Estadão, que debateu os reflexos, na economia, da muitas vezes tensa relação entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. “Não temos um Supremo, mas 11 Supremos”, resumiu o diretor da FGV Direito Rio, Joaquim Falcão, cuja declaração provocou o primeiro momento de aplausos da plateia presente ao evento, ontem, em São Paulo. Falcão lembrou que 90% das decisões na Corte são monocráticas e que cada ministro tem o próprio tempo para proferir decisões. “É como se fosse uma primeira instância”, disse.
Coordenador do Supremo em Pauta, projeto da FGV que tabula dados da mais alta Corte do País, Falcão afirmou que, apesar de a lei estabelecer que um pedido de vista deve ser devolvido ao plenário em, no máximo, 30 dias, a média de devolução de um ministro do STF é de um ano. “Nós, como sociedade, gostaríamos que o Supremo respeitasse os prazos”, disse. Ele sugeriu que no STF fosse adotada a regra usada no Superior Tribunal de Justiça (STJ). No STJ, quando o pedido de vista chega ao 30.º dia, o presidente, obrigatoriamente, o coloca em plenário para votação.
A sugestão recebeu apoio do ex-ministro da Corte Carlos Ayres Britto, também debatedor do fórum. Ayres Britto ponderou afirmando que o protagonismo no Supremo não lhe impressiona se isso significar “coragem de tomar decisões sob ponto de vista próprio e independência”. “Num país de subserviência, sobretudo em face do Poder Executivo, o ministro precisa de muita coragem para assumir a própria independência.” Ayres Britto observou que é melhor, do ponto de vista democrático, que cada ministro converse um pouco com os outros para evitar o que chamou de “ditadura do colegiado”. “Já pensou todos os 11 ministros pensando com a mesma cabeça? Nenhum saindo da caixa e combinando decisões nos bastidores?”
Para o ex-ministro, o grande problema enfrentado no Supremo ainda é o excessivo número de processos sobre os quais os ministros são obrigados a se debruçar. “Enquanto houver esse número de processos tão avassalador, que cada ministro estude seu processo, leve para o pleno e dê seu ponto de vista. São 11 ilhas, sim, contanto que cada um seja independente.” Trabalho. Outros setores do Judiciário também foram criticados, principalmente por atrapalhar o crescimento econômico, segundo debatedores. Para o economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo José Sarney, se, de um lado o Judiciário contribui para sanear o sistema político brasileiro, como no caso da Operação Lava Jato, de outro “continua a ser fonte de distorções e incertezas, o que inibe a expansão do potencial de crescimento”.
O economista sugeriu a inclusão de disciplinas de Economia nos cursos de Direito, para que juízes tenham noção das consequências econômicas de suas decisões. “O Judiciário tem muito a contribuir para o desenvolvimento da economia, na criação de emprego e renda. Não pode ficar parado no tempo.” / MÁRCIA DE CHIARA, FRANCISCO CARLOS DE ASSIS, THAÍS BARCELLOS E VALMAR HUPSEL FILHO
EMBATES
Pacote anticorrupção
Em dezembro passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux determinou a devolução do projeto anticorrupção à Câmara. Fux falou em “desfiguração” das propostas pelos deputados. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse que houve “intromissão indevida”.
Abuso de autoridade
Na aprovação do pacote anticorrupção na Câmara, foi incluída a previsão de crime de abuso de autoridade para magistrados e integrantes do Ministério Público. A proposta foi chamada de “Lei da Intimidação” por procuradores da Lava Jato.
‘Juizeco’
Após operação que prendeu agentes da Polícia Legislativa suspeitos de agirem em benefício de senadores, em dezembro, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), chamou o juiz que autorizou a ação, Vallisney de Souza Oliveira, de “juizeco”. O Supremo reagiu. l
Afastamento de Renan
O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, determinou o afastamento de Renan da presidência do Senado em dezembro. A Mesa Diretora da Casa, porém, publicou entendimento contrário à liminar e Renan aguardou no cargo decisão do plenário da Corte.
Lei Geral das Telecomunicações
O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso determinou, em fevereiro deste ano, o retorno do projeto para o Senado. A Casa, no entanto, descumpriu a determinação da Corte e despachou o projeto para o Executivo.
Foro privilegiado
Em meio às discussões sobre possível restrição ao alcance da prerrogativa por ministros do Supremo Tribunal Federal, pelo menos 12 Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que tratam do fim do foro privilegiado estão paradas no Congresso.
Judiciário ocupa ‘vácuo’ deixado por Legislativo ruim, avalia Loyola
Para economista, há um espaço que foi ocupado por juízes, que passaram a decidir políticas públicas
O excesso de poder do Executivo e a ineficaz atuação do Legislativo, principalmente na criação de leis “confusas, genéricas e utópicas”, foram alvo de críticas dos participantes do Fórum Estadão ontem. O principal foco das reclama- ções do participantes foram os reflexos dessas características no andamento da economia. Para a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, o excesso de poder do Executivo criou situações “excêntricas”, como aprovações de créditos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sem o devido controle social, a aprovação da Medida Provisória do setor elétrico e a desonera- ção da folha de pagamento.
“A própria criação da Medida Provisória é um exemplo disso”, afirmou a economista. Pedaladas fiscais. De acordo com Zeina, se o Executivo não tivesse tanto poder concentrado e houvesse um funcionamento a contento das instituições brasileiras, a presidente cassada Dilma Rousseff (PT) nem sequer teria tomado posse após vencer as eleições presidenciais em 2014 por causa das informações que o Tribunal de Contas da União (TCU) já possuía sobre as chamadas “pedaladas fiscais” – operações de crédito com bancos públicos para aliviar a situação fiscal do governo federal.
“Houve tantas arbitrariedades no Executivo que não foram limitadas pela Constituição. Se as instituições funcionassem, Dilma não teria nem sido diplomada porque, em 2014, a questão das pedaladas já estava bem avançada”, disse a economista da XP. Segundo Zeina, a diferença entre os governos de Michel Temer e de sua antecessora está na disposição em dialogar com o Congresso. “A eleição do expresidente da Câmara e hoje deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi uma consequência da incapacidade do governo Dilma de dialogar com o Legislativo”, disse. Expresidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria Integrada, o economista Gustavo Loyola criticou o trabalho do Legislativo. Ele creditou o atual protagonismo do Judiciário à má qualidade do Legislativo. Preocupação.
Na opinião do economista, os magistrados estão ocupando um “vácuo” deixado pelo processo Legislativo. “Nosso problema não é o Judiciário, mas o Legislativo, que é muito ruim. O Judiciário passou a decidir por políticas públicas, o que deveria cair sobre o Legislativo e Executivo”, observou o ex-presidente do Banco Central. Loyola manifestou, contudo, preocupação com as consequências dessa judicialização para as contas públicas. “Eu me preocupo com a crise estrutural das contas públicas. Como o Judiciário vai conciliar a prestação de serviços sociais e a restrição orçamentária?”, questionou.
“É o Judiciário, de fato, que tem de limitar esses direitos sociais”, concluiu. Ameaça. Sobre os desdobramentos econômicos, Loyola afirmou que, no curto e médio prazos, a imprevisibilidade das políticas públicas, que, inevitavelmente, passarão pelo crivo da Justiça, prejudica os investimentos e o crescimento da economia. Já no longo prazo, avaliou o economista, o “apequenamento da política ameaça a própria democracia”.

O Estado de São Paulo

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