quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Escritório do governador de Brasília tem condenação por desvio do Fundeb e é ligado a campeão de honorários indevidos

 


Firma do governador do DF, que é advogado, foi sentenciada em 1ª instância a devolver R$ 3,3 milhões de dinheiro da educação básica

 

O escritório de advocacia do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), político com uma das maiores fortunas do país, foi condenado em primeira instância a devolver R$ 3,3 milhões aos cofres da Prefeitura de Jacobina, cidade de 80 mil habitantes no interior da Bahia, em decorrência do desvio de verbas do antigo Fundef, hoje Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica).

Conforme a Folha revelou nesta segunda-feira (14), pelo menos R$ 332 milhões de verba do fundo -a maior fonte de financiamento da educação básica de cidades pobres do país- foram usados para pagar honorários de advogados.

Em consonância com posicionamento do Ministério Público e de tribunais do país, o TCU (Tribunal de Contas da União) concluiu em outubro uma mega-auditoria em mais de 300 cidades do país em que concluiu que esses pagamentos representam desvio " ilegal, imoral e inconstitucional " e abriu mais de 100 tomadas de conta especiais para tentar reaver os recursos para a educação.

Além da condenação em Jacobina, o Ibaneis Advocacia e Consultoria, firma do governador do DF, atuou em outras ações ligadas às bilionárias verbas do Fundeb e é um dos principais parceiros do escritório João Azêdo e Brasileiro Sociedade de Advogados, líder em contratos para abocanhar fatias do fundo.

O escritório João Azêdo e Brasileiro é sediado em Teresina. O sócio fundador, João Ulisses Azêdo, tem forte atuação no Piauí, Maranhão, Ceará e Brasília. "Há 20 anos conheço Ibaneis. Desde menino', diz Azêdo.

O governador tem família e negócios no Piauí, onde passou a infância. Em 2018, quando venceu a disputa para o governo do DF, Ibaneis declarou fortuna de R$ 94 milhões, o que incluía imóveis, embarcações e diversos objetos de arte.

O sócio do escritório João Azedo diz ser parceiro da banca tocada por Ibaneis há duas décadas. Com eleição do emedebista ao governo do DF, a parceria se dá com um sócio do governador que segue à frente dos trabalhos, segundo o advogado. 'Todos os meus processos são com eles', afirma o sócio do escritório do Piauí.

O João Azêdo e Brasileiro é o principal beneficiário de recursos que deveriam ser empregados em educação básica, dentre escritórios e advogados que atuaram para destravar o dinheiro do Fundeb. Parte das tomadas de contas especiais do TCU mira os honorários da banca piauiense.

Ao todo, o TCU identificou R$ 254,6 milhões em pagamentos indevidos a escritórios de advocacia até 2018. Esses pagamentos prosseguiram em 2019 e em 2020, como a Folha constatou no painel de informações alimentado pelo TCU, com base no compilado de decisões judiciais feito pelo CJF (Conselho da Justiça Federal). Foram mais R$ 77 milhões em honorários.

Tanto as auditorias do TCU quanto a base de dados do CJF e do tribunal mostram pagamentos ao escritório João Azêdo e Brasileiro. Os honorários somam R$ 188 milhões entre 2016 e 2020. Azêdo afirma que não recebeu esse dinheiro e que os precatórios foram expedidos, mas não pagos.

O caso do uso de dinheiro do Fundeb para a educação teve início no final dos anos 90, quando o Ministério Público Federal moveu ação apontando erro de cáclulo do repasse das verbas do Fundef a estados e municípios, o que levou à condenação definitiva da União em 2015, gerando um passivo a ser distribuído de ao menos R$ 95 bilhões.

Mesmo antes da condenação da União, municípios do Norte e Nordeste, principalmente, firmaram contratos sem licitação com escritórios de advocacia para mover ações paralelas à do Ministério Público, embora baseadas nela, com vistas a receber a sua fatia. Na maioria foi estabelecido como honorários advocatícios uma taxa de sucesso em torno de 20% do valor a ser recebido.

Em uma das procurações dadas pelo escritório de João Azedo a Ibaneis e seus sócios, em junho de 2017, a principal atribuição do escritório do hoje governador era a de "impetrar mandado de segurança contra atos praticados pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão".

O Maranhão é um caso simbólico. Foi com base em uma ação movida pelos órgãos de controle do estado que o TCU firmou, em 2017, o entendimento de que verbas do Fundeb não podem ser usadas para outros fins, como pagamento de honorários.

Ibaneis figura como advogado da João Azêdo e Brasileiro Sociedade de Advogados, por exemplo, na Suspensão de Segurança -instrumento jurídico para proteger os interesses públicos- movida no STF (Supremo Tribunal Federal) pelo Tribunal de Contas do Maranhão para tentar derrubar uma decisão da Justiça local que permitiria o pagamento de honorários ao escritório João Azêdo e Brasileiro relativos a 104 ações movidas em nome de prefeituras maranhenses.

Nesse caso, a ministra Cármen Lúcia reproduziu relatório da Controladoria-Geral da União no Maranhão apontando estimativa de que o escritório João Azêdo poderia receber R$ 680 milhões de honorários das prefeituras, várias delas figurando no grupo das mais pobres do país.

Cármen suspendeu a decisão da Justiça local até que o Tribunal de Contas do estado conclua a análise da regularidade dos contratos.

No caso de Jacobina, a condenação é de outubro de 2019 e foi dada com base em ação movida pelo Ministério Público. O escritório de Ibaneis recebeu R$ 3,3 milhões para atuar apenas na liberação dos recursos obtidos em ação movida por outro escritório em nome da prefeitura. A firma de Ibaneis recorreu e o caso está em tramitação.?

A Folha procurou o governador Ibaneis Rocha, por meio de sua assessoria, desde a última sexta-feira (11). Além dos telefonemas, enviou perguntas específicas sobre os pontos abordados nesta reportagem. Não houve manifestação do governador.

O Fundeb foi renovado neste ano por meio de uma emenda constitucional que ampliou a previsão de recurso. O fundo reúne parcelas de impostos e recebe uma complementação da União. Hoje a complementação é de 10% e vai chegar, de modo escalonado, até 23%. A regulamentação já foi aprovada na Câmara e foi votada na terça-feira (15) no Senado.

Por Ranier Bragon, na Folha Online  


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