A operação que expôs o balcão de sentenças montado no TJ da Bahia e o avanço da investigação sobre a família de Asfor Rocha, ex-presidente do STJ, mostram que, sim, é possível combater a corrupção no Judiciário
Por muito tempo, desde o surgimento das
grandes operações de combate a desvios de dinheiro público e corrupção na primeira década dos anos 2000,
o Judiciário foi o único poder a manter-se intocável. Com raras exceções,
quando uma investigação avançava sobre possíveis crimes praticados por
magistrados, em especial aqueles envolvendo cortes superiores e tribunais de
Justiça estaduais, o caso era direcionado para alguma gaveta ou crivado pela
anulação. Mas esse cenário aparenta passar por uma mudança. Nas últimas
semanas, ao menos duas operações da Polícia
Federal, a Appius e a Faroeste, investiram contra possíveis crimes
praticados por servidores públicos que, em tese, deveriam ser os defensores da
lei. A Appius, em São Paulo, promoveu busca nos imóveis do ex-presidente do
Superior Tribunal de Justiça César Asfor Rocha, suspeito de receber 5 milhões
de dólares para paralisar a Operação Castelo de Areia, em 2010. Já a Faroeste
afastou quatro desembargadores baianos, incluindo o presidente do Tribunal de
Justiça da Bahia, e dois juízes suspeitos de venderem sentenças de interesse de
um grupo de grileiros de terras.
Mais do que essas investidas já realizadas, assombra alguns gabinetes de magistrados de renome os desdobramentos da Lava Jato no Rio de Janeiro. Como mostrou Crusoé, a delação de Lélis Teixeira, ex-presidente de dois dos principais sindicatos de ônibus do estado, cita a atuação de escritórios de advocacia na intermediação de compra de decisões judiciais e denuncia um caso concreto em que um desembargador teria recebido 6 milhões de reais para sentenciar de acordo com os interesses dos empresários de ônibus. Uma das consequências das revelações de Teixeira é a pressão para que eles revelem o alcance da corrupção no Judiciário praticada por eles. Para se ter uma ideia, um desses donos de frota de ônibus, José Carlos Lavouras, negocia uma delação em que estariam detalhados práticas ilícitas de quase uma dezena de magistrados fluminenses. Não bastasse, o ex-presidente da Fecomércio, Orlando Diniz, outro alvo da filial da Lava Jato no Rio, também almeja revelar seus crimes e o motivo de ter gastado mais de 180 milhões de reais com escritórios de advocacia, entre eles, alguns ligados a ministros do STJ e, também, a integrantes de tribunais federais.
Em todos os casos o modus operandi é parecido. Sempre há um empresário interessado em decisões favoráveis, um juiz disposto a assiná-las e escritórios de advocacia, muitas vezes ligados a parentes dos magistrados, envolvidos na intermediação entre as duas partes. Nas recentes operações da PF, outra característica fica evidente: a atuação de integrantes da cúpula de tribunais na indicação de magistrados aliados para julgar processos em que haja a negociação ilícita de sentença. Na Operação Faroeste, o alvo da PF são grileiros interessados em comprar decisões favoráveis numa disputa de terra que se arrasta desde a década de 80. Durante a investigação, a PF descobriu que os criminosos pagaram propina por sentenças de magistrados da 1ª e 2ª instâncias estaduais que concluíam que o dono de uma propriedade de 366 mil hectares no oeste baiano seria o borracheiro José Valter Dias e não os agricultores que ocupam a terra há anos. Para obter êxito, diz a PF, o grupo corrompeu quatro desembargadores e dois juízes. Entre eles, o atual chefe do Tribunal de Justiça, Gesivaldo Britto, e sua antecessora, a desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago.
De acordo com a PF, os dois, além de venderem sentenças próprias, atuaram para viabilizar o sucesso dos empresários corruptos. Britto teria indicado ao menos dois juízes suspeitos para comarcas na região das terras em litígio. Sempre segundo a PF, as nomeações impulsionaram o esquema. Da mesma forma, Maria do Socorro, enquanto comandou o tribunal baiano, designou um juiz para a cidade de Formosa do Rio Preto, onde fica a propriedade em disputa, com o propósito, diz a PF, de cumprir o cancelamento de todas as matrículas dos proprietários de terra da região e beneficiar os criminosos. Para se ter uma ideia do tamanho do esquema, a quebra de sigilo dos investigados mostra que os quatro desembargadores citados como integrantes do esquema – e afastados dos cargos pelo STJ – movimentaram em seis anos cerca de 77 milhões de reais. No caso do presidente do TJ-BA, o inquérito mostra que a prática de venda de decisões pode ter ido muito além do episódio dos grileiros. Em interceptação telefônica, o magistrado aparece em conversa com um deputado estadual da Bahia falando sobre a nomeação de um juiz no Tribunal Regional Eleitoral baiano. Depois de falarem sobre a necessidade de indicar o juiz, Britto encerra a conversa com a seguinte frase: “Mas no que depender da gente aqui, já viu, né? Pode mandar brasa”.
Em São Paulo, a Operação Appius avançou sobre dois influentes juristas do país. Além do ex-presidente do STJ César Asfor Rocha, o ex-ministro da Justiça de Lula Márcio Thomaz Bastos (morto em 2014), com direito à quebra de sigilo bancário e fiscal de contas pessoais e dos respectivos escritórios, entre março de 2009 e dezembro de 2011. Baseada na delação do também ex-ministro petista Antonio Palocci, a ação apura se Asfor recebeu 5 milhões de dólares de propina da Camargo Corrêa, depositados numa conta na Suíça por meio do filho Caio César Rocha, para paralisar e depois sepultar a Operação Castelo de Areia, que apurava pagamentos ilícitos da empreiteira a diversos políticos de diferentes partidos, em troca de contratos públicos. O próprio Palocci admitiu ter recebido 1,5 milhão de reais de propina por meio de Thomaz Bastos para fazer lobby junto a Asfor pela anulação da operação. O plano inicial era “suborná-lo” com uma nomeação ao STF, na vaga deixada por Eros Grau, mas Dilma Rousseff acabou indicando Luiz Fux em fevereiro de 2011. Nessa operação, o ex-ministro da Justiça teria recebido 40 milhões, sendo 15 milhões em honorários. Em uma variação do que teria ocorrido na Bahia, a PF suspeita que o ex-presidente do STJ tenha usado sua influência na corte para manipular o julgamento, indicando ministros substitutos alinhados a sua conveniências.
Ele paralisou a Castelo de Areia no dia 14 de janeiro de 2010, em pleno recesso forense, concedendo uma liminar inédita a pedido da defesa da Camargo Corrêa, coordenada por Thomaz Bastos. O argumento foi não ser possível autorizar grampos telefônicos em uma investigação baseada apenas em uma denúncia anônima. Quinze dias depois, ele indeferiu um pedido semelhante feito por advogados de funcionários do Incra e despachantes do Mato Grosso acusados de corrupção. Sobre o julgamento dessa liminar que resultou na anulação da operação, em abril de 2011, reside a segunda suspeita da PF. Isso porque dois dos quatro ministros que analisaram o caso haviam sido convocados por Asfor para assumir uma cadeira no STJ. Quando há uma vacância temporária, o presidente da corte tem a prerrogativa de fazer esse movimento. Um deles foi Celso Luiz Limongi, ex-presidente do TJ paulista, que assumiu em fevereiro de 2009, um mês antes da operação, o lugar da desembargadora mineira Jane Ribeiro Silva. Dois anos antes, Limongi já havia criticado publicamente o uso de grampos telefônicos em fase inicial de investigação. Ele morreu em setembro do ano passado. Outro a quem Asfor recorreu foi Francisco Haroldo Rodrigues de Albuquerque, do TJ do Ceará, seu conterrâneo. Em delação, Palocci afirma que se encontrou em 2010 com Limongi, com quem mantinha relação pessoal, para falar sobre a necessidade de paralisar a Castelo de Areia. Segundo o delator, o magistrado disse que, como havia sido convocado por Asfor, iria votar conforme o interesse do então presidente do STJ.
Asfor era o decano do STJ quando surpreendeu parte do mundo jurídico ao antecipar em seis anos sua aposentadoria, para voltar a atuar na advocacia, em setembro de 2012. Em duas décadas, sua atuação discreta foi permeada por estreitas relações com empresários renomados, como Alexandre Grendene e Carlos Jereissati, e caciques políticos, como Fernando Collor, responsável por sua nomeação em 1992, José Sarney e Renan Calheiros. Dono da fabricante de calçados que leva seu sobrenome, Grendene já emprestou seu jatinho para o ex-ministro fazer turismo no Uruguai. No Carnaval do ano passado, Asfor e a mulher Magda foram recebidos pelo bilionário gaúcho em sua mansão em Punta del Este, para comemorar o 13º aniversário de Kate, a cadela bichon frisé de quem o jurista cearense é considerado padrinho. Atualmente, Asfor defende a empresa Grendene em processos no STJ. Ele afirma que “Palocci é um delinquente condenado que está usando o instituto jurídico da delação para manter milhões roubados dos cofres públicos”.
A pedido do ex-ministro, foi o empresário gaúcho quem fez a ponte com o cartola Fábio Koff, com quem integrava o conselho deliberativo do Grêmio, para que o então presidente do Clube dos 13 indicasse o filho Caio Rocha a uma vaga de auditor do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, o STJD, reduto marcado pelo histórico de filhotismo, em 2006. O perfil político herdado do pai o levou à presidência da corte que julga os processos do futebol brasileiro, em 2014, por indicação do ex-presidente da CBF Marco Polo Del Nero, banido pela Fifa por corrupção. Em julho do ano seguinte, conversas encontradas pela PF no celular do advogado Tiago Cedraz, filho do ministro Aroldo Cedraz, do Tribunal de Contas da União, mostram o advogado Flávio Horta Jardim, dirigente do Volta Redonda e enteado do ex-governador do Rio Luiz Fernando Pezão, pedindo a Cedraz ajuda para falar com Caio Rocha, a fim de obter um “efeito suspensivo” no STJD, que é quando um auditor suspende uma punição dada a um clube ou jogador. As mensagens não indicam algo de ilícito, mas revelam a proximidade dele com Tiago Cedraz, suspeito de praticar tráfico de influência nos tribunais e desviar recursos do Ministério do Trabalho. A Crusoé, Caio Rocha disse que foi indicado ao STJD por um professor que conheceu em seu mestrado, em 2004, e que nunca recebeu nenhum dos citados para tratar de efeito suspensivo.
Ao mesmo tempo em que construía uma carreira independente no mundo desportivo, Caio Rocha acumulava clientes no escritório que montou em sociedade com um ex-procurador e ex-juiz do Ceará em 2002, logo após se formar em Direito. Só na corte presidida por Asfor, ele figurava em quase 3 mil processos defendendo os interesses de empresas como Bradesco, Oi, Arena Castelão e a Rodopetro Distribuidora de Petróleo, implicada na Lava Jato por integrar o esquema de corrupção da Petrobras. Outra cliente de Caio Rocha é a construtora Marquise, que hospedou como cortesia os convidados do casamento do advogado em um hotel em Fortaleza. Em 2010, a empresa foi citada em uma operação da Polícia Federal contra sonegação fiscal e corrupção, que prendeu o cunhado de Asfor, o também advogado Armando Campos Junior. Ele foi solto e nenhuma denúncia foi oferecida até agora. No TCU, um consórcio formado por Andrade Gutierrez, Odebrecht e Queiroz Galvão, todos elas devassadas e denunciadas pela Lava Jato, também figura entre os clientes de Caio Rocha, que hoje conta com nove filiais pelo país. A Lava Jato paulista suspeita que Rocha tenha sido o operador do pai enquanto Asfor esteve no STJ. O filho é sócio de oito das nove empresas da família que tiveram o sigilo bancário e fiscal quebrado pela Justiça Federal, conforme revelou Crusoé. Uma delas, a CCVR Participações, foi aberta em dezembro de 2010, para administrar imóveis da família e hoje acumula capital de 26,9 milhões de reais. Da sociedade também consta a mulher Tatiana, filha do empresário do setor de transportes Francisco Feitosa e sobrinha da mulher do ministro Gilmar Mendes. Advogada atuante nos tribunais superiores de Brasília, Guiomar teria ficado incomodada com o uso da influência política de Asfor no Judiciário para angariar clientes e, segundo pessoas próximas, chegou a enviar uma mensagem a ele reclamando da prática.
Feitosa é sócio de Jacob Barata, empresário conhecido como o “Rei do ônibus” no Rio e acusado de corrupção na Lava Jato. Ao menos duas empresas de Barata são defendidas pela família Rocha no Ceará. Em 2017, Feitosa filiou o genro Caio Rocha ao DEM, com o intuito de lançá-lo candidato ao governo do Ceará. O plano contava com o apoio do amigo e presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, mas não evoluiu porque o partido decidiu se aliar ao grupo do governador Camilo Santana, do PT, e dos irmãos Ciro e Cid Gomes, do PDT. No mesmo período, o filho do ministro tentou ampliar seus negócios se associando à desconhecida empresa BRfoot Mídia, para abocanhar um contrato de 550 milhões de reais junto a CBF e ter exclusividade nos direitos de transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro no exterior por quatro anos. Ele chegou a ser o avalista do aporte de 150 milhões de reais que uma holding americana faria na empresa vencedora, mas o contrato não foi adiante porque, segundo um ex-funcionário, a exclusividade não foi garantida pela CBF.
Embora Caio Rocha tenha processado uma terceira empresa envolvida na transação, cobrando uma dívida de cerca de 1,2 milhão de reais, o fracasso da empreitada não arranhou seu patrimônio. Em fevereiro deste ano, ele comprou um apartamento de 720 mil dólares no distrito de Sunny Isles Beach, em Miami. Teria sido este o destino da última viagem que a família Asfor Rocha fez à Flórida, no início deste mês, na véspera da operação de busca e apreensão da PF nos imóveis de São Paulo, Brasília e Fortaleza. As Operações Faroeste e Appius mostram que é possível investigar os desvios dos togados e que a blindagem aos magistrados pode estar com os dias contados. Trata-se de um bom aperitivo para a Lava Toga.
Mais do que essas investidas já realizadas, assombra alguns gabinetes de magistrados de renome os desdobramentos da Lava Jato no Rio de Janeiro. Como mostrou Crusoé, a delação de Lélis Teixeira, ex-presidente de dois dos principais sindicatos de ônibus do estado, cita a atuação de escritórios de advocacia na intermediação de compra de decisões judiciais e denuncia um caso concreto em que um desembargador teria recebido 6 milhões de reais para sentenciar de acordo com os interesses dos empresários de ônibus. Uma das consequências das revelações de Teixeira é a pressão para que eles revelem o alcance da corrupção no Judiciário praticada por eles. Para se ter uma ideia, um desses donos de frota de ônibus, José Carlos Lavouras, negocia uma delação em que estariam detalhados práticas ilícitas de quase uma dezena de magistrados fluminenses. Não bastasse, o ex-presidente da Fecomércio, Orlando Diniz, outro alvo da filial da Lava Jato no Rio, também almeja revelar seus crimes e o motivo de ter gastado mais de 180 milhões de reais com escritórios de advocacia, entre eles, alguns ligados a ministros do STJ e, também, a integrantes de tribunais federais.
Em todos os casos o modus operandi é parecido. Sempre há um empresário interessado em decisões favoráveis, um juiz disposto a assiná-las e escritórios de advocacia, muitas vezes ligados a parentes dos magistrados, envolvidos na intermediação entre as duas partes. Nas recentes operações da PF, outra característica fica evidente: a atuação de integrantes da cúpula de tribunais na indicação de magistrados aliados para julgar processos em que haja a negociação ilícita de sentença. Na Operação Faroeste, o alvo da PF são grileiros interessados em comprar decisões favoráveis numa disputa de terra que se arrasta desde a década de 80. Durante a investigação, a PF descobriu que os criminosos pagaram propina por sentenças de magistrados da 1ª e 2ª instâncias estaduais que concluíam que o dono de uma propriedade de 366 mil hectares no oeste baiano seria o borracheiro José Valter Dias e não os agricultores que ocupam a terra há anos. Para obter êxito, diz a PF, o grupo corrompeu quatro desembargadores e dois juízes. Entre eles, o atual chefe do Tribunal de Justiça, Gesivaldo Britto, e sua antecessora, a desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago.
De acordo com a PF, os dois, além de venderem sentenças próprias, atuaram para viabilizar o sucesso dos empresários corruptos. Britto teria indicado ao menos dois juízes suspeitos para comarcas na região das terras em litígio. Sempre segundo a PF, as nomeações impulsionaram o esquema. Da mesma forma, Maria do Socorro, enquanto comandou o tribunal baiano, designou um juiz para a cidade de Formosa do Rio Preto, onde fica a propriedade em disputa, com o propósito, diz a PF, de cumprir o cancelamento de todas as matrículas dos proprietários de terra da região e beneficiar os criminosos. Para se ter uma ideia do tamanho do esquema, a quebra de sigilo dos investigados mostra que os quatro desembargadores citados como integrantes do esquema – e afastados dos cargos pelo STJ – movimentaram em seis anos cerca de 77 milhões de reais. No caso do presidente do TJ-BA, o inquérito mostra que a prática de venda de decisões pode ter ido muito além do episódio dos grileiros. Em interceptação telefônica, o magistrado aparece em conversa com um deputado estadual da Bahia falando sobre a nomeação de um juiz no Tribunal Regional Eleitoral baiano. Depois de falarem sobre a necessidade de indicar o juiz, Britto encerra a conversa com a seguinte frase: “Mas no que depender da gente aqui, já viu, né? Pode mandar brasa”.
Em São Paulo, a Operação Appius avançou sobre dois influentes juristas do país. Além do ex-presidente do STJ César Asfor Rocha, o ex-ministro da Justiça de Lula Márcio Thomaz Bastos (morto em 2014), com direito à quebra de sigilo bancário e fiscal de contas pessoais e dos respectivos escritórios, entre março de 2009 e dezembro de 2011. Baseada na delação do também ex-ministro petista Antonio Palocci, a ação apura se Asfor recebeu 5 milhões de dólares de propina da Camargo Corrêa, depositados numa conta na Suíça por meio do filho Caio César Rocha, para paralisar e depois sepultar a Operação Castelo de Areia, que apurava pagamentos ilícitos da empreiteira a diversos políticos de diferentes partidos, em troca de contratos públicos. O próprio Palocci admitiu ter recebido 1,5 milhão de reais de propina por meio de Thomaz Bastos para fazer lobby junto a Asfor pela anulação da operação. O plano inicial era “suborná-lo” com uma nomeação ao STF, na vaga deixada por Eros Grau, mas Dilma Rousseff acabou indicando Luiz Fux em fevereiro de 2011. Nessa operação, o ex-ministro da Justiça teria recebido 40 milhões, sendo 15 milhões em honorários. Em uma variação do que teria ocorrido na Bahia, a PF suspeita que o ex-presidente do STJ tenha usado sua influência na corte para manipular o julgamento, indicando ministros substitutos alinhados a sua conveniências.
Ele paralisou a Castelo de Areia no dia 14 de janeiro de 2010, em pleno recesso forense, concedendo uma liminar inédita a pedido da defesa da Camargo Corrêa, coordenada por Thomaz Bastos. O argumento foi não ser possível autorizar grampos telefônicos em uma investigação baseada apenas em uma denúncia anônima. Quinze dias depois, ele indeferiu um pedido semelhante feito por advogados de funcionários do Incra e despachantes do Mato Grosso acusados de corrupção. Sobre o julgamento dessa liminar que resultou na anulação da operação, em abril de 2011, reside a segunda suspeita da PF. Isso porque dois dos quatro ministros que analisaram o caso haviam sido convocados por Asfor para assumir uma cadeira no STJ. Quando há uma vacância temporária, o presidente da corte tem a prerrogativa de fazer esse movimento. Um deles foi Celso Luiz Limongi, ex-presidente do TJ paulista, que assumiu em fevereiro de 2009, um mês antes da operação, o lugar da desembargadora mineira Jane Ribeiro Silva. Dois anos antes, Limongi já havia criticado publicamente o uso de grampos telefônicos em fase inicial de investigação. Ele morreu em setembro do ano passado. Outro a quem Asfor recorreu foi Francisco Haroldo Rodrigues de Albuquerque, do TJ do Ceará, seu conterrâneo. Em delação, Palocci afirma que se encontrou em 2010 com Limongi, com quem mantinha relação pessoal, para falar sobre a necessidade de paralisar a Castelo de Areia. Segundo o delator, o magistrado disse que, como havia sido convocado por Asfor, iria votar conforme o interesse do então presidente do STJ.
Asfor era o decano do STJ quando surpreendeu parte do mundo jurídico ao antecipar em seis anos sua aposentadoria, para voltar a atuar na advocacia, em setembro de 2012. Em duas décadas, sua atuação discreta foi permeada por estreitas relações com empresários renomados, como Alexandre Grendene e Carlos Jereissati, e caciques políticos, como Fernando Collor, responsável por sua nomeação em 1992, José Sarney e Renan Calheiros. Dono da fabricante de calçados que leva seu sobrenome, Grendene já emprestou seu jatinho para o ex-ministro fazer turismo no Uruguai. No Carnaval do ano passado, Asfor e a mulher Magda foram recebidos pelo bilionário gaúcho em sua mansão em Punta del Este, para comemorar o 13º aniversário de Kate, a cadela bichon frisé de quem o jurista cearense é considerado padrinho. Atualmente, Asfor defende a empresa Grendene em processos no STJ. Ele afirma que “Palocci é um delinquente condenado que está usando o instituto jurídico da delação para manter milhões roubados dos cofres públicos”.
A pedido do ex-ministro, foi o empresário gaúcho quem fez a ponte com o cartola Fábio Koff, com quem integrava o conselho deliberativo do Grêmio, para que o então presidente do Clube dos 13 indicasse o filho Caio Rocha a uma vaga de auditor do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, o STJD, reduto marcado pelo histórico de filhotismo, em 2006. O perfil político herdado do pai o levou à presidência da corte que julga os processos do futebol brasileiro, em 2014, por indicação do ex-presidente da CBF Marco Polo Del Nero, banido pela Fifa por corrupção. Em julho do ano seguinte, conversas encontradas pela PF no celular do advogado Tiago Cedraz, filho do ministro Aroldo Cedraz, do Tribunal de Contas da União, mostram o advogado Flávio Horta Jardim, dirigente do Volta Redonda e enteado do ex-governador do Rio Luiz Fernando Pezão, pedindo a Cedraz ajuda para falar com Caio Rocha, a fim de obter um “efeito suspensivo” no STJD, que é quando um auditor suspende uma punição dada a um clube ou jogador. As mensagens não indicam algo de ilícito, mas revelam a proximidade dele com Tiago Cedraz, suspeito de praticar tráfico de influência nos tribunais e desviar recursos do Ministério do Trabalho. A Crusoé, Caio Rocha disse que foi indicado ao STJD por um professor que conheceu em seu mestrado, em 2004, e que nunca recebeu nenhum dos citados para tratar de efeito suspensivo.
Ao mesmo tempo em que construía uma carreira independente no mundo desportivo, Caio Rocha acumulava clientes no escritório que montou em sociedade com um ex-procurador e ex-juiz do Ceará em 2002, logo após se formar em Direito. Só na corte presidida por Asfor, ele figurava em quase 3 mil processos defendendo os interesses de empresas como Bradesco, Oi, Arena Castelão e a Rodopetro Distribuidora de Petróleo, implicada na Lava Jato por integrar o esquema de corrupção da Petrobras. Outra cliente de Caio Rocha é a construtora Marquise, que hospedou como cortesia os convidados do casamento do advogado em um hotel em Fortaleza. Em 2010, a empresa foi citada em uma operação da Polícia Federal contra sonegação fiscal e corrupção, que prendeu o cunhado de Asfor, o também advogado Armando Campos Junior. Ele foi solto e nenhuma denúncia foi oferecida até agora. No TCU, um consórcio formado por Andrade Gutierrez, Odebrecht e Queiroz Galvão, todos elas devassadas e denunciadas pela Lava Jato, também figura entre os clientes de Caio Rocha, que hoje conta com nove filiais pelo país. A Lava Jato paulista suspeita que Rocha tenha sido o operador do pai enquanto Asfor esteve no STJ. O filho é sócio de oito das nove empresas da família que tiveram o sigilo bancário e fiscal quebrado pela Justiça Federal, conforme revelou Crusoé. Uma delas, a CCVR Participações, foi aberta em dezembro de 2010, para administrar imóveis da família e hoje acumula capital de 26,9 milhões de reais. Da sociedade também consta a mulher Tatiana, filha do empresário do setor de transportes Francisco Feitosa e sobrinha da mulher do ministro Gilmar Mendes. Advogada atuante nos tribunais superiores de Brasília, Guiomar teria ficado incomodada com o uso da influência política de Asfor no Judiciário para angariar clientes e, segundo pessoas próximas, chegou a enviar uma mensagem a ele reclamando da prática.
Feitosa é sócio de Jacob Barata, empresário conhecido como o “Rei do ônibus” no Rio e acusado de corrupção na Lava Jato. Ao menos duas empresas de Barata são defendidas pela família Rocha no Ceará. Em 2017, Feitosa filiou o genro Caio Rocha ao DEM, com o intuito de lançá-lo candidato ao governo do Ceará. O plano contava com o apoio do amigo e presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, mas não evoluiu porque o partido decidiu se aliar ao grupo do governador Camilo Santana, do PT, e dos irmãos Ciro e Cid Gomes, do PDT. No mesmo período, o filho do ministro tentou ampliar seus negócios se associando à desconhecida empresa BRfoot Mídia, para abocanhar um contrato de 550 milhões de reais junto a CBF e ter exclusividade nos direitos de transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro no exterior por quatro anos. Ele chegou a ser o avalista do aporte de 150 milhões de reais que uma holding americana faria na empresa vencedora, mas o contrato não foi adiante porque, segundo um ex-funcionário, a exclusividade não foi garantida pela CBF.
Embora Caio Rocha tenha processado uma terceira empresa envolvida na transação, cobrando uma dívida de cerca de 1,2 milhão de reais, o fracasso da empreitada não arranhou seu patrimônio. Em fevereiro deste ano, ele comprou um apartamento de 720 mil dólares no distrito de Sunny Isles Beach, em Miami. Teria sido este o destino da última viagem que a família Asfor Rocha fez à Flórida, no início deste mês, na véspera da operação de busca e apreensão da PF nos imóveis de São Paulo, Brasília e Fortaleza. As Operações Faroeste e Appius mostram que é possível investigar os desvios dos togados e que a blindagem aos magistrados pode estar com os dias contados. Trata-se de um bom aperitivo para a Lava Toga.
Por FABIO LEITE e FABIO SERAPIÃO, na Revista Crusoé