O teatro brasileiro por séculos se comportou como mero reprodutor do teatro europeu e posteriormente, do norte americano. Vejamos como a história registra esta estreita relação.
Tão logo os missionários católicos chegaram ao Brasil, deram início a um processo de conhecimento sobre a vida e o comportamento dos autóctones. Era a premissa básica para proceder a catequização.
O caráter libertário dos indígenas, expresso nas mais variadas de suas manifestações, como a dança, o canto, as festas e ritos, despertou nos missionários a utilização do teatro enquanto instrumento de aculturação e dominação.
José de Anchieta, no século XVI, através de alguns autos, transforma-se na mais proeminente figura deste tipo de teatro. O cerne da proposta dessa manifestação consistia, resumidamente, em impor a “salvação” dos indígenas para Deus, o que se daria a partir da assimilação dos valores cristãos. Era, portanto, um teatro de propaganda religiosa. Os textos estruturalmente simples representavam sempre o índio sendo vítima das investidas de Deus e do diabo, culminando com a vitória do primeiro sobre o segundo.
No afã da Companhia de Jesus transformar os “selvagens” em “civilizados”, os “perdidos” em “salvos”; ignoraram por inteiro a cultura, a identidade, a liberdade e a independência dos indígenas. Foi um brutal ato de selvageria como de resto são os processos de colonização.
O caráter festivo dos indígenas aliado ao fato de ser o ritual católico extremamente estilizado deu ao jesuíta o ingrediente formal para um inesgotável trabalho projeção dramática.
A estruturação desta dramaturgia de catequese é bastante incipiente. O ciclo é fechado invariavelmente no erro (pecado), na constatação dele (expiação), desfechando na redenção (perdão).
Para sedimentar o dualismo (bem X mal), o diabo era representado com o nome das tribos inimigas, conduzindo para o campo real, o imaginário coletivo. Além deste recurso, muitos outros foram utilizados. Anchieta chegou a escrever autos inteiramente na língua tupi, como forma de buscar uma identificação mais profunda com sua “platéia”.
As apresentações tinham caráter festivo, mobilizando toda a aldeia para a apreciação do evento. Dos autos que José de Anchieta escreveu, alguns merecem um destaque especial. “Auto da Pregação Universal”, “Dia de Assunção”, “Quando, no Espírito Santo, se Recebe uma Relíquia das Onze Mil Virgens” e “Na Festa de São Lourenço”. Esta última escrita conjuntamente com o padre Manoel do Couto.
Posteriormente o teatro deixa de ser unicamente instrumento de catequese dos indígenas. O universo se amplia. Passa também a ser utilizado na educação de colonos brancos, mamelucos, caboclos...
No período colonial há o registro, por parte dos historiadores, de um hiato de cerca de dois séculos, em que nossa produção teatral fica estagnada. As razões do interregno talvez se expliquem pelas guerras decorrentes das invasões holandesa e francesa. Mas sem dúvida, as modificações de ordem política verificadas no país contribuíram para a existência do buraco negro.
Há registro, porém da dramaturgia de Manoel Botelho de Oliveira (1637-1711). O comediógrafo nasceu no Brasil, mas a estreita ligação mantida com a Europa interferiu acentuadamente em sua produção artística. O processo de colonização cultural desconheceu limites. Botelho de Oliveira escreveu somente em espanhol, imitando os autores daquele país.
Após esta passagem, apenas o século XVII vai registrar a presença do teatro, com um luso-brasileiro: Antônio José da Silva - o judeu. Apesar de ter nascido no Rio de Janeiro, em 1705 - veio a falecer em 1739 - a vida e obra deste escritor estão umbilicalmente vinculadas a Portugal. Naturalmente isto o distancia dos problemas brasileiros e o teatro resultante sofre fortes influências dos teatros francês e italiano.
A vida deste dramaturgo é marcada por um suceder de acontecimentos sinistros. Quando tinha apenas oito anos, sua mãe é acusada de judaísmo, o que motiva a transferência de toda a família para o exterior. Todavia, o episódio não foi suficiente para aplacar a perseguição da Igreja. Aos trinta e quatro anos de idade, o próprio Judeu perde a vida, queimado pelo fogo “santo e purificador” da Inquisição.
Na segunda metade do século XIX, mais precisamente em 4 de outubro de 1838, a companhia de teatro de João Caetano estréia “O juiz de Paz na Roça”, de Martins Pena. Estrondoso sucesso. O fato de escrever sobre o cotidiano, retratando os personagens típicos do povo, de provocar o riso fácil e despretensioso, foram os ingredientes utilizados por Martins Pena para conquistar o sucesso.
Nascido em 1815, Martins Pena escreveu dos 22 aos 33 anos - quando morreu - vinte comédias e seis dramas. É uma produção surpreendente onde se destacam “O Cigano”, “O Usuário” – uma critica as Câmaras Municipais, “Comédia sem Título”, “O Caixeiro da Taverna” - abordando a carestia e “Os Três Médicos” - onde critica vigorosamente a classe médica.
A técnica empregada nas comédias de Martins Pena passa invariavelmente pela utilização em abundância do dramalhão. A estrutura das obras se utiliza sempre de recursos fáceis e triviais, primários e ingênuos. Uma outra característica de relevo é que seus textos ignoram por completo o cenário político-social decorrente da estrutura colonialista então vigente. Deixava-se conduzir por abordagens simplistas, gracejos triviais como é característico do teatro de costumes.
Em 1808, as investidas napoleônicas forçam a transferência da corte para o Rio de Janeiro. O Imperador franqueia os portos e o livre comércio é estabelecido. Os ingleses exultam e agradecem. Novos direitos políticos são conquistados e com o crescimento da economia, se verifica também o desenvolvimento da cultura e da intelectualidade. Jornais passam a circular, museus, escolas superiores e bibliotecas são criadas. A vida lateja e pulsa no seio das elites.
Nessa época, é freqüente a presença de companhias teatrais portuguesas no Brasil. Procurando fugir aos esquemas dessas companhias, João Caetano cria em 1833 uma companhia brasileira.
João Caetano - ator e posteriormente produtor - mereceu respeito e consideração de seus contemporâneos. Até mesmo os desafetos lhe reconheciam talento. Em 1861, pouco tempo antes de morrer, edita “Lições Dramáticas”, onde esquematiza seus estudos, experiências e concepções teatrais. Aqui, João Caetano aborda um tipo de preocupação, que deve ser extensiva a todos os atores, no sentido de exercer pleno domínio sobre a emoção. Chega a descrever um episódio inusitado: na apresentação de um espetáculo, enforca uma atriz levando-a a asfixia. Segundo seu relato foi necessária a intervenção da platéia e também dos demais atores, que acorreram em auxílio à atriz.
Este dilema entre a emoção e a razão permeia toda a história do teatro.
Há também em João Caetano uma preocupação no sentido de delinear psicologicamente suas personagens. Na peça “Gargalhada”, interpretando o papel de André, construiu a personagem através de vários estudos e laboratórios que envolveram reiteradas visitas a hospitais psiquiátricos para uma observação mais acurada dos enfermos.
O pequeno público existente então, não possibilitava que os espetáculos permanecessem por muito tempo em cartaz. Cada trabalho era apresentado no máximo quatro vezes.
Os artistas começam a reivindicar do governo auxílio na propagação da atividade cênica. A preocupação em disseminar o teatro e os diversos obstáculos que se colocavam à frente, não raro, gerava proposições inusitadas, algumas estapafúrdias. Uma delas solicitava a terminante proibição de apresentações circenses - com animais selvagens ou domesticados, nos dias em que houvesse alguma apresentação de teatro. Uma outra solicitava a proibição de apresentações das cias. estrangeiras enquanto estivesse em cartaz um espetáculo da Cia. Dramática Nacional.
Pelas sugestões percebe-se que as dificuldades enfrentadas atualmente pelos produtores de cultura vêm de longa data.
A primeira tragédia abordando questão nacional deve-se a Gonçalves de Magalhães. Baseando-se na vida do Judeu, escreve “Antônio José” ou “O Poeta e a Inquisição”. O espetáculo foi montado pela companhia de João Caetano.
Em 1875, desgostoso com a falta de oportunidades para os dramaturgos brasileiros, José de Alencar faz um enérgico protesto: “Na alta roda ouve-se a moda de Paris, e como em Paris não se representam dramas nem comédias brasileiras, eles, ces messieurs, não sabem que significa teatro nacional”.
O desabafo foi feito logo após o fracasso da estréia de sua peça “O Jesuíta”.
A crítica de José de Alencar não perdeu a atualidade, e nos remete ao já consagrado santo de casa não faz milagre. Nas regiões menos desenvolvidas do país este quadro se agrava, e os artistas só adquirem certo respeito, quando obtém alguma ressonância no eixo Rio-São Paulo, culturalmente “mais avançado”. É o velho conflito ‘colonizado X colonizador’ triunfando sob um novo ângulo.
João Caetano falece em 1863. Na pobreza. Como de resto ocorre com a esmagadora maioria dos artistas da terra tupiniquim. Gonçalves Magalhães desaparece no naufrágio do navio em que viajava, em 1864. E como também é próprio da terra brasilis, só obtém consagração após sua morte.
A Semana de Arte Moderna de 1922 ressalta o trabalho de Oswald de Andrade e as décadas de quarenta e cinqüenta consolidam bons autores. “Deus lhe Pague” de Joracy Camargo oferece a perspectiva da produção de um teatro de cunho social.
Em 1938, Paschoal Carlos Magno funda o Teatro do Estudante do Brasil.
Posteriormente aparece a troupe “Os Comediantes”, também constituída de atores amadores. Por um curto período “Os Comediantes” experimenta o profissionalismo. O fracasso financeiro faz o Grupo recuar à posição inicial.
O objetivo básico do teatro deste período é reformar a estética do espetáculo, desenvolver um trabalho grandioso, no estilo das companhias profissionais. É esta obsessão pela forma perfeita que dá origem à especificação das tarefas. Surgem os diferentes agentes do espetáculo: o iluminador, o cenógrafo...
Para fazer frente à produção européia e norte americana, o industrial italiano Franco Zampari cria em 1948, o TBC - Teatro Brasileiro de Comédia.
Inicialmente constituído por amadores, o TBC logo se profissionaliza e dá início a uma trajetória promissora.
A consolidação do parque industrial de São Paulo exigia também a estruturação de uma industria cultural. O TBC se propõe a enfrentar este desafio partindo do marco zero, ignorando a produção existente até então. Para isto a direção dos espetáculos fica nas mãos dos estrangeiros.
A Companhia não tinha maior preocupação com o político e social. Estes aspectos, quando abordados se restringiam ao espectro do humanismo universal.
Em contraposição, surge em São Paulo um movimento nacionalista expresso no ARENA com “Eles não Usam Black-Tie”, de Guarniere, que por um ano permanece em cartaz.
A forma e o gesto do teatro pelo teatro - postulados do TBC, agora encontra uma resistência à altura. Surge um teatro proletário que referencia as lutas sociais com um enfoque jamais ousado.
Também o OFICINA surge com uma proposta inovadora. Procurou trabalhar para um público composto basicamente por estudantes e setores da classe média. Alcança uma determinada fase da produção em que o teatro é denominado assembléia, com o grupo se colocando - socialmente - no mesmo ângulo de visão do espectador. Foi uma experiência de extrema importância, em que pese seu caráter pretensioso e autoritário, haja vista que o público não dispõe de mecanismos para desenvolver uma atuação que o aproxime tecnicamente do ator: não ensaia, não realiza oficinas, mantém-se ao largo dos exercícios e laboratórios...
O OFICINA conclui este ciclo de sua existência com uma proposta revolucionária: sair das salas e ganhar as ruas. Posteriormente as atividades do grupo se disseminaram para alcançar outras manifestações artísticas.
Antônio Carlos dos Santos
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