quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Arte da capital da República


Juntos, os acervos dos palácios do Planalto e do Alvorada devem contabilizar pouco mais de 300 obras. Antônio Lessa, responsável pela Diretoria de Documentação Histórica da Presidência da República, não sabe ao certo porque um inventário preciso, segundo ele, nunca foi feito pela própria Presidência. Em 2009, no entanto, um levantamento foi realizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan. O trabalho, coordenado, na época, pelo curador Rogério Carvalho, é tido pela atual diretoria como inexato. Carvalho diz que foi um inventário exaustivo com fotos e catalogação das obras dos dois palácios.
'O Tribunal de Contas da União nos pediu uma grande auditoria do patrimônio e isso está sendo feito agora', explica Lessa. 'A atual comissão de inventário tomará inclusive informações do primeiro inventário do Iphan.' Nessa auditoria, no entanto, deve entrar todo o patrimônio da presidência, e não apenas as obras de arte. Parte das obras que decoram os dois palácios sempre puderam ser apreciadas pelo público em visitas guiadas, mas, desde março de 2016, a visitação ao Alvorada foi suspensa por causa das manifestações durante o impeachment de Dilma Rousseff. O Planalto recebe, aos domingos, grupos de até 250 pessoas. Lessa diz que trabalha pela volta do programa de visitas públicas no Palácio do Alvorada.
Lá estão obras que pertencem ao Estado brasileiro e, portanto, a você, leitor, e visitá-las é uma forma de fiscalizar se estão sendo bem tratadas. O Correio esteve nos dois palácios, que recentemente foram alvos de polêmica quando o Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (MNBA) solicitou de volta um lote de 48 obras que integravam a ambientação dos locais. Boa parte delas estavam ali desde os anos 1960 e foram escolhidas por Anna Maria Niemeyer e Oscar Niemeyer. Eram, portanto, um patrimônio cultural brasiliense, da capital da República.
O MNBA alegou que precisavam de restauro, embora um laudo técnico do próprio museu, datado de 2014, constate que algumas das obras, como Paisagem: revoada de pombos, de Eliseu Visconti, esteja em 'bom estado de conservação'.
O laudo técnico da pintura Trecho do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, de Alberto da Veiga Guignard, e de uma tela de Arcângelo Ianelli, ambas devolvidas ao museu carioca, fala em 'abrasão e pequenas perdas', aponta o curador Rogério Carvalho. 'O laudo técnico diz que as obras estão em bom estado de conservação. Isso não pode ser mexido. É um laudo de uma técnica do museu. (Não ter restaurador) é uma falha da presidência, sim, mas não é justificativa pra lá e pegar tudo. Há centenas na reserva técnica do MNBA com o mesmo problema, por isso não estão expostos. É normal.'
Boa parte das obras de arte e do mobiliário que estão nos palácios chegou à presidência cedida por instituições como o MNBA e o Museu do Banco Central, mas também há doações e compras.
Palácio do Alvorada
Em um vão contínuo que se divide em vários salões, de frente para a piscina à beira da qual repousam as Iaras, de Alfredo Ceschiatti; e Rito dos ritmos, de Maria Martins, estão as obras mais interessantes do acervo da Presidência da República. As condições ambientais não são as melhores — o sol incide durante todo o dia, a luminosidade é alta, o calor, intenso, e a variação de umidade, constante —, o que levou algumas obras a sofrerem com a exposição.

No Salão Nobre, repousam duas pinturas de Cândido Portinari da série Cenas brasileiras. Jangadas do Nordeste e Os seringueiros foram pintadas em 1954 e cedidas ao palácio pelo Banco Central, depositário das obras. As duas telas já apresentam sinais de deterioração por causa das condições climáticas, e Antonio Lessa cogita substituí-las por réplicas para que possam ser restauradas. As réplicas, ele garante, já existem e foram feitas para substituir as duas pinturas do Alvorada em uma exposição que comemorou o centenário do artista, em 2003.
Nesta área também estão Morena e Saindo do banho, de Victor Brecheret, esculturas que pertenciam ao Ministério da Cultura. As esculturas Outono e Inverno, de Alfredo Ceschiatti, também integram o ambiente. Os sofás em cor telha escolhidos por Anna Maria Niemeyer nos anos 1960 foram substituídos por móveis brancos na gestão do presidente Michel Temer. Para Rogério Carvalho, a troca descaracteriza a ambientação.
Antes de entrar na biblioteca, a tapeçaria Múmias, de Emiliano Di Cavalcanti, dá as boas vindas em uma composição modernista. A obra está amarelada por conta do sol que incide na parede. As cores vibrantes escolhidas por Di empalideceram e Lessa teme que a retirada leve a tapeçaria a se partir em pedaços. “Estamos pesquisando restauradores”, garante.
Na biblioteca montada por Carlos Drummond de Andrade, Antonio Houaiss e Manuel Bandeira, outra tapeçaria de Di Cavalcanti, Músicos, aparenta bom estado de conservação. No Salão de Estado fica Fachada oval, de Alfredo Volpi, e outra bela tapeçaria, Flora e fauna da Bahia, de Kennedy Bahia, homenagem do engenheiro chileno que se encantou com o Brasil e foi pioneiro da tapeçaria moderna.
Na Sala de Banquete, o destaque são as duas tapeçarias de Concessa Colaço, uma delas intitulada Árvore da vida. Concessa é filha de Madeleine Colaço, uma marroquina que aprendeu a fazer tapeçaria no Marrocos, casou com um português, veio para o Brasil em pleno modernismo e inventou o “ponto brasileiro”, uma mistura de técnicas marroquinas com o arraiolo.
O mobiliário do Alvorada também é um espetáculo à parte. Duas poltronas marquesas de Oscar Niemeyer fazem parte da ambientação. Uma delas foi retirada e aguarda o restauro da palhinha, que está rasgada. Cadeiras de Mies Van Der Rohe, como a barcelona, e de Charles Eames também compõem o mobiliário, além de tapetes orientais e vasos marajoaras. Antonio Lessa explica que algumas das barcelonas do Alvorada são falsas e teriam sido adquiridas durante a presidência de Fernando Collor de Mello, mas somente o inventário poderá confirmar a suspeita.
Palácio do Planalto
O Planalto reúne alguns dos melhores nomes da arte e do mobiliário brasileiros e boa parte desse acervo pode ser visto durante as visitas semanais que têm início pelo térreo e se encerram no terceiro andar. Logo à entrada do salão do terceiro andar há um relógio com máquina de Balthazar Martinot e ebanesteria de Charles Boulle, dois franceses que circularam pela corte de Luis 14 e trabalharam para o Rei Sol.
Antonio Lessa não sabe dizer como a peça chegou ao acervo da Presidência. “Mas imagino que tenha vindo com a Família Real porque tem um gêmeo dele em Versailles”, garante. No centro da peça, o desenho de um sol remete ao rei francês. Ao lado está Vênus, de Milton Dacosta, que substituiu uma pintura de Arcângelo Ianelli, devolvida ao MNBA. No lugar de Trecho do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, de Alberto da Veiga Guignard, ficou uma pintura de Alfredo Volpi.
Duas ânforas japonesas do século 19 compõem a ambientação próxima à janela e no salão estão móveis de Sérgio Rodrigues e Joaquim Tenreiro. Um vaso cuja origem Lessa acredita ser chinesa, do século 15 ou 16, marca o ambiente com uma pintura das cerejeiras em flor que lembram a azulejaria portuguesa.
Uma pintura do brasiliense Taigo Meireles intitulada Altar e inspirada no barroco brasileiro também está no salão, que tem ainda As mulatas, de Di Cavalcanti. O quadro de 1962 é, segundo Lessa, emblemático da obra do pintor.
No gabinete presidencial, que não é aberto à visitação, fica um painel de Djanira da Mota e Silva. Interior do Brasil (1962) mostra colhedores de banana e pescadores, temas populares comuns na pintura naif da artista. O quarto andar, também fechado ao público, tem uma galeria de artistas ilustres com obras de nomes como Samico, Clóvis Graciano, Athos Bulcão, Maria Bonomi e Fayga Ostrower.
No segundo andar, no Salão Oeste, fica o famoso painel de Burle Marx. “É um dos que está em melhor estado de conservação”, avisa Lessa. Mesmo assim, é inevitável que o painel tome o sol da manhã. A sala costuma ser usada para eventos.
Outra pintura de Djanira, Orixás (1962), pode ser vista pelos visitantes no segundo andar. Lá também estão duas pinturas sobre papel do espanhol Joan Miró. Elas ficam longe da vista do público, no hall da Sala do Conselho Supremo, e não se sabe ao certo como chegaram ao acervo da Presidência. Provavelmente, foram presentes de chefes de estado durante visitas oficiais.

Nahima Maciel, no Correio Braziliense