segunda-feira, 30 de novembro de 2015
Soterrada por cinzas vulcânicas, vila maia é a 'Pompeia das Américas'
Apelidada de “Pompeia do Novo Mundo”, vila coberta por cinzas surpreendeu arqueólogos não só pela ótima condição dos achados: a relação entre a elite e povo era bem atípica para uma sociedade maia
Avila maia mais bem preservada da América Latina é uma espécie de Pompeia das Américas. Além de ter sido preservada ao longo dos séculos por causa das cinzas resultantes da erupção de um vulcão, essa preciosidade arqueológica ganha ainda mais valor histórico com uma nova descoberta feita no início de novembro: lá a elite quase não exercia poder sobre o povo.
Descoberta em 1978 por Payson Sheets, da University of Colorado Boulder, dos EUA, o vilarejo de Ceren, em El Salvador, foi coberto por uma camada de cinzas com mais de 5 metros de espessura graças ao vulcão Loma Caldera, que entrou em erupção no ano de 660. Ao contrário do que ocorreu em Pompeia, em Ceren não foi encontrado nenhum corpo, já que os moradores devem ter sido alertados por alguma coisa – provavelmente um terremoto dias antes – e fugiram antes do vulcão entrar em atividade.
Até agora já foram 12 as estruturas escavadas – oficinas, armazéns, cozinhas, edifícios religiosos e até uma sauna comunitária estão na lista. A área encoberta pelas cinzas possui mais de 3 km², então é possível que ainda haja muito mais coisa a se descobrir por lá. Acredita-se que o vilarejo abrigava cerca de 200 pessoas e o que vem encantando os arqueólogos que por lá passam é o grau de preservação proporcionado pelas cinzas: é possível ver marcas de digitais em potes de cerâmicas ou pegadas humanas em jardins. Detalhes que se mantém vivos por mais de 1.400 anos, como os vestígios encontrados de uma colheita que rendeu 10 toneladas de mandioca poucos dias antes dos habitantes serem obrigados a abandonar suas casas.
Os arqueólogos notaram que o povo do vilarejo possuía uma liberdade superior ao que era comum de se ver em outras comunidades maias, conhecidas por serem fortemente hierarquizadas, com os membros da elite vivendo em palácios e cobrando impostos das camadas menos privilegiadas.
Segundo os pesquisadores, a elite de Ceren não impunha hábitos nem controlava a opção religiosa ou as plantações do cidadão comum. Na verdade, eles mal se relacionavam – a única interação provavelmente ocorria nos mercados, cujos itens mais cobiçados eram facas de obsidiana (um tipo de vidro vulcânico), machados de jade e potes multicoloridos de cerâmica.
Da revista Galileu - Via University of Colorado
domingo, 29 de novembro de 2015
'Paris É uma Festa', de Hemingway, retoma popularidade após atentados
Livro é um dos mais vendidos da seção de biografias
do site Amazon
O romance Paris É uma Festa, em que o escritor americano Ernest Hemingway relata sua temporada na capital francesa nos anos 1920, ganhou novo sopro de popularidade desde os atentados da última sexta-feira no país. O livro está voando das prateleiras das livrarias parisienses.
Paris É uma Festa era na quarta-feira, dia 18, o mais vendido da seção de biografias do site Amazon. O livro está atualmente em falta no estoque da gigante americana do e-commerce. Em livrarias físicas, o volume também está em alta. Em geral, os livreiros vendem dez exemplares da obra de Hemingway por dia. "Neste momento, são 500", contou David Ducreux, assessor de imprensa da editora Folio, que publica o romance. Enquanto 8.000 exemplares de Paris É uma Festa são vendidos em média anualmente, a editora previu uma reimpressão de 15.000 exemplares do livro.
Cópias do livro foram colocadas entre flores e velas diante da fachada atingida por balas de um dos bares atacados pelos terroristas e diante da casa de shows Bataclan, centro da chacina que deixou 129 mortos e mais de 350 feridos. Durante o minuto de silêncio em homenagem às vítimas na segunda-feira, inúmeras pessoas seguravam um exemplar da obra nas mãos.
O entusiasmo com o livro lembra o que foi gerado em torno do Tratado da Tolerância de Voltaire, em janeiro, após o ataque contra a revista francesa Charlie Hebdo. A editora teve que fazer uma reedição do livro do filósofo depois de vender 120.000 cópias.
Paris É uma Festa pode ser descrito como uma homenagem a uma cidade, aquela dos anos 1920, vibrante de cultura. É possível cruzar com artistas que frequentavam na época o bairro de Montparnasse, além de encontrar a colecionadora Gertrude Stein, o poeta Ezra Pound e o escritor James Joyce. "Essa era a Paris da nossa juventude, onde éramos muito pobres e muito felizes", escreve Hemingway. "Paris sempre vale a pena, e retribui tudo aquilo que você lhe dê."
Na revista Veja (Com agência France-Presse)
sábado, 28 de novembro de 2015
Um método preguiçoso (e eficaz) de combater a procrastinação
Procrastinação: basta seguir dois passos simples para evitá-la
São Paulo - Se você é um preguiçoso assumido e já tentou várias vezes - sem sucesso - combater a procrastinação, saiba que existe um método que pode forçá-lo de vez a cumprir com suas responsabilidades. E o melhor, ele envolve fazer aquilo de que você mais gosta.
Não se trata apenas de mais uma fórmula mágica, mas, sim, de um um estudofeito por pesquisadores da Wharton School da Universidade da Pensilvânia.
Tudo começou quando a professora Katherine Milkman, especialista em economia comportamental, percebeu que precisava de um "empurrãozinho" para se obrigar a frequentar a academia.
Ela decidiu que a partir de então só poderia fazer o seu passatempo preferido - ouvir audiolivros dos Hunger Games - durante seus treinos.
O resultado? Katherine passou a se exercitar cinco vezes por semana. Impressionada com o avanço, ela decidiu investigar se essa técnica funcionaria com outras pessoas.
ExperimentoA professora convidou para o experimento 230 alunos que tinham dificuldades de ir aos treinos e os dividiu em três equipes.
O primeiro grupo recebeu um iPod com audiolivros, mas só teria acesso a eles quando estivesse na academia. O segundo também recebeu os áudios, mas foi apenas “encorajado” a ouvi-los durante os treinos.
O terceiro grupo, sem receber iPods, ganharia apenas um atestado de presença nos dias em que se exercitasse.
O resultado não é difícil de imaginar. O grupo 1 teve desempenho 29% melhor do que o grupo 2 e 51% melhor do que o grupo 3. Mas, além de confirmar a expectativa da pesquisadora, o teste trouxe uma outra informação curiosa.
Para não cair na tentação de ouvir os áudios sem ir à academia, a maioria dos participantes (61%) disse que estaria disposta a pagar para que lhe tirassem o controle sobre o iPod. Só assim, não correriam o risco de trapacear por impulso.
Segundo a pesquisadora, a atitude mostra as limitações que temos em cumprir as regras que criamos para nós mesmos. Portanto, delegar esta fiscalização a terceiros pode ser mais efetivo - principalmente para quem é preguiçoso demais para fazer isso por conta própria.
O mecanismo de usar aquilo que gostamos como "isca" para a execução de uma tarefa necessária - mas não desejada - foi batizado pela pesquisadora detemptation bundling (algo como agrupar a tentação, na tradução livre).
Mas se você não é um grande fã de audiolivros, não se preocupe. O experimento descrito acima pode ser aplicado em diversas situações, como explicou o blog Barking Up The Wrong Tree. Basta seguir dois passos simples:
1. Coloque em jogo alguma coisa que você adora fazerPode ser algo simples, como um hábito alimentar ou um hobby. Você pode decidir, por exemplo, que só irá comer chocolate quando estiver estudando, ou que só ouvirá sua banda favorita enquanto escrever aquele relatório. A nova "regra" imposta por você, além de incentivá-lo a fazer o que precisa, vai trazer mais prazer durante a execução.
2. Não confie em si mesmo...Para não cair na tentação de fazer apenas o que você quer e deixar de lado o que você precisa, peça ajuda a um amigo. Dê a ele o controle sobre alguma coisa de que você gosta e peça que só lhe devolva quando você estiver cumprido a sua parte do trato. Assim, desejo e responsabilidade deixam de ser coisas dissociadas e trapacear para de ser uma opção.
Por Nicolas Gunkel, na EXAME.com
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
'Descendentes precisam saber que história da África é tão bonita quanto a da Grécia'
Quando começou a se interessar pela história da África, o poeta, diplomata e historiador Alberto da Costa e Silva ouviu: "Por que você, um diplomata, um homem tão letrado, não vai estudar a Grécia?"
Justamente porque todo mundo estudava a Grécia, explica, ele resolveu estudar a África. Hoje, é o principal africanólogo brasileiro, autor de clássicos como A Enxada e a Lança: a África antes dos Portugueses e A Manilha e o Libambo: a África e a Escravidão, de 1500 a 1700. E, aos 84 anos, prepara um novo livro para completar sua trilogia sobre história africana.
Formado em 1957 pelo Instituto Rio Branco, Costa e Silva serviu em vários países e foi embaixador na Nigéria. É membro da Academia Brasileira de Letras, autor e organizador de mais de 30 livros. Por sua obra, recebeu em 2014 o Prêmio Camões, o mais prestigiado da língua portuguesa.
Filho do poeta piauiense Antônio Francisco da Costa e Silva, nasceu em São Paulo e viveu no Ceará até aos 12 anos, quando mudou-se para o Rio de Janeiro. Cresceu entre livros e costuma dizer que, como no verso do poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867), seu berço "ao pé da biblioteca se estendia".
Foi entre livros, quadros e esculturas, no apartamento em que guarda lembranças de vários lugares do Brasil e do mundo, que ele recebeu a BBC Brasil às vésperas do Dia da Consciência Negra para falar da história do continente pelo qual se apaixonou.
BBC Brasil: Como o Brasil aprendeu a história da África?
Alberto da Costa e Silva: A história da África durante muito tempo foi uma espécie de capítulo de antropologia e etnografia do continente africano. Eram livros que árabes e europeus escreveram sobre suas viagens. Data do fim da Segunda Guerra Mundial a consolidação a história da África como disciplina à parte, semelhante à história da Idade Média europeia, ou à história da China.
Entre 1945 e 1960 seu estudo começa a ganhar grandes voos, tanto na África quanto na Europa, sobretudo Inglaterra e França. Curiosamente o Brasil esteve ausente disso. Os historiadores brasileiros sempre viam a história das relações Brasil-África com a África figurando como fornecedora de mão de obra escrava para o Brasil, como se o africano que era trazido à força nascesse num navio negreiro.
Era como se o negro surgisse no Brasil, como se fosse carente de história. Nenhum povo é carente de história. E a história da África é uma história extremamente rica e que teve grande importância na história do Brasil, da mesma maneira que a história europeia.
De maneira geral, quando se estuda a história do Brasil, o negro aparece como mão de obra cativa, com certas exceções de grandes figuras, mulatos ou negros que pontuam a nossa história. O negro não aparece como o que ele realmente foi, um criador, um povoador do Brasil, um introdutor de técnicas importantes de produção agrícola e de mineração do ouro.
BBC Brasil: O senhor poderia citar alguns exemplos?
Costa e Silva: Os primeiros fornos de mineração de ferro em Minas Gerais eram africanos. Fizemos uma história de escravidão que foi violentíssima, atroz, das mais violentas das Américas, uma grande ignomínia e motivo de remorso. Começamos agora a ter a noção do que devemos ao escravo como criador e civilizador do Brasil.
Quando o ouro é descoberto em Minas Gerais, o governador de Minas escreve uma carta pedindo que mandassem negros da Costa da Mina, na África, porque "esses negros têm muita sorte, descobrem ouro com facilidade". Os negros da Costa da Mina não tinham propriamente sorte: eles sabiam, tinham a tradição milenar de exploração de ouro, tanto do ouro de bateia dos rios quanto da escavação de minas e corredores subterrâneos. Boa parte da ourivesaria brasileira tem raízes africanas.
Temos de estudar o continente africano não como um capítulo à parte, um gueto. A história da África está incorporada à história do mundo, porque ela foi parte e é parte da história do mundo. Que a história do negro no Brasil não seja isolada, como se o negro tivesse sido um marginal. O negro foi essencial na formação do Brasil.
BBC Brasil: Qual a importância de um personagem como Zumbi?
Costa e Silva: Havia um suplemento juvenil do jornal A Noite, sobre grandes nomes da história, e eu me lembro perfeitamente de um caderno sobre Zumbi. Zumbi está aliado de tal maneira à ideia de liberdade que é difícil escrever sobre ele sem ser apaixonado.
Zumbi não é um nome, é um título da etnia ambundo, significa rei, chefe. Palmares era como um Estado africano recriado no Brasil. Na África era muito comum isso. Em torno de um núcleo de poder forte se aglomeravam vários povos e formavam um novo povo. Isso é uma hipótese.
BBC Brasil: O senhor vê um aumento do interesse dos brasileiros pela questão negra?
Costa e Silva: Tenho a impressão de que todos temos dentro de cada um de nós um africano. Podemos não ter consciência disso, mas é permanente. Há naturalmente hoje em dia uma percepção mais nítida do que é a África, a escola começa a dar uma visão mais clara.
Mas ainda apresenta visões distorcidas. Uma vez uma professora veio me dizer que era absurdo que apresentássemos Cleópatra como uma moça branca, quando ela era negra. É um equívoco isso. Cleópatra não era negra nem mulata. Era grega. Os Ptolomeus, uma dinastia grega, governavam o Egito e não se misturavam.
BBC Brasil: Na África também havia escravos, não?
Costa e Silva: Escravidão houve em todas as culturas no mundo. Todos nós somos descendentes de escravos. Houve escravidão em toda a Europa, na Indonésia, entre os índios americanos, na Inglaterra. Na África havia todos os tipos de escravidão, e até hoje em certas regiões africanas os descendentes de escravos são discriminados. Quase toda a África teve escravidão.
A escravidão transatlântica, da África para as Américas, a nossa, tem uma diferença básica: pela primeira vez era uma escravidão racial. Era um especial aspecto da perversidade dela. No início não, mas a partir de certo momento, passa a ser exclusivamente negra. Foi o maior deslocamento forçado de gente de uma área para outra que a história já conheceu, e o mais feroz.
Acho que tem de haver cota em tudo. Se você vai se candidatar a um cargo de atendente de hotel de primeira classe, se você for negro, você tem dificuldade.
O Brasil foi o último país das Américas e do Ocidente a abolir a escravidão. O último do mundo foi a Mauritânia (na África), em 1981.
BBC Brasil: Como analisa o racismo hoje no Brasil?
Costa e Silva: Existe racismo, e muitíssimo. No nosso racismo, não temos um partido racista, mas temos repetidas manifestações de racismo no seio da sociedade. É dificílimo, para um negro, ascender socialmente. A discriminação se exerce de forma muitas vezes dissimulada, mas que os marca muito. Mas está mudando. Sinto mudanças.
É importante que os descendentes de africanos saibam que eles têm uma história tão bonita quanto a história da Grécia. Que eles não eram bárbaros, que não são descendentes de escravos. São descendentes de africanos que foram escravizados.
Para mim o importante não é que haja cota na universidade. Acho que tem de haver cota em tudo. Se você vai se candidatar a um cargo de atendente de hotel de primeira classe, se você for negro, você tem dificuldade. O preconceito é discriminatório. Ele não impede você de usar o mesmo banheiro, o mesmo bebedouro, mas dificulta o acesso (do negro) às camadas das classes média e alta.
Por Fernanda da
Escóssia, na BBC
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quinta-feira, 26 de novembro de 2015
Lobão busca rigor e misericórdia em novo livro, que inclui capítulo em homenagem a Olavo de Carvalho
Lançamento
no Rio aconteceu na segunda, na Travessa do Shopping Leblon
O
cantor Lobão lançou na segunda-feira no Rio de Janeiro o livro “Em busca do
rigor e da misericórdia”, título colhido na leitura de um texto de Olavo de
Carvalho, a quem presta uma bela homenagem no capítulo 6.
“Dois
dos cacoetes frequentes entre os ruidosos detratores do Olavo são a invariável
fuga do debate com ele e a recusa peremptória em ler o que escreve.
Intelectuais de esquerda não leem autores que se oponham ao ideário
esquerdista, o que expõe o avançado processo de autofagia em que se encontram,
como o cachorro atrás de seu rabo, numa regurgitação sistemática de assertivas
sobre suas convicções, sem a menor possibilidade de visitação ao contraditório.
Todos agem naquele célebre formato: não li, não quero ler e tenho raiva de quem
leu. Daí essa atmosfera inalienável de masturbação impotente a que tanto me
refiro”, escreve Lobão.
Embora
os detratores do cantor certamente também prefiram não ler seu novo livro,
seguem abaixo o convite do lançamento e o texto editorial
da orelha para aqueles que, como Lobão, têm a coragem de buscar
conhecimento para embasar suas opiniões, aprimorar suas criações e
tornar-se uma pessoa melhor, sem deixarem de se divertir, é claro, durante todo
o processo.
É
sempre rigorosamente divertido, de fato, ler o misericordioso Lobão.
“O
homem está há pelos menos três anos exposto a um dos mais bárbaros processos de
simonalização da história do Brasil, enfrenta essa campanha criminosa com
coragem e espírito público, sobe nos carros de som para discursar contra o
autoritarismo para milhares de pessoas nas ruas, e, no entanto, chega em casa,
entra em seu estúdio e cria, compõe, anota, toca, escreve, lê, grava.
Sozinho com seus gatos.
Isto
é Lobão.
A
solidão é a chave deste livro, que narra, em tempo real, sem omitir fraquezas
nem minimizar o clima exterior pesadíssimo, o processo de materialização –
desde a concepção até a realização – de um projeto ambicioso e há muito
desenhado pelo artista escritor: o de compor, arranjar, tocar e gravar um disco
rigorosamente sozinho.
É
na exploração literária desse choque altamente produtivo entre atividade
pública e vida interior que está a grandeza sublime deste ‘Em busca do rigor e
da misericórdia’. Lobão é um coerente – ser raríssimo. As brigas que compra na
vida pública hoje – e que não faltam a este relato amoroso – são as mesmas de
trinta, quarenta anos atrás. Ele não mudou. É o mesmo cara de sempre,
inconformado, livre, incondicionalmente comprometido com o contraditório, com o
dissenso, indivíduo que não abre mão do humor e da linguagem muito peculiar –
que sofistica o desbocamento – através da qual explora a ironia, o deboche, a
provocação. A novidade – de que este livro é extraordinário fruto – talvez seja
o espaço maior que dá ao pensamento, à meditação, à reflexão profunda, razão
pela qual idealizou e montou para si, em seu estúdio caseiro (importante
personagem desta narrativa), um microcosmo de solidão criativa perfeita e
absoluta.
Neste
livro, marco da evolução de um artista completo, Lobão reflete sobre a
necessidade – o impulso – de trabalhar sozinho, de produzir sozinho, de estar
sozinho, e ao mesmo tempo sobre o ambiente mental, de maturidade mesmo, que o
levou valorizar, mais do que nunca, o convívio da família. A passagem na qual
aborda as condições em que construiu para (contra) si a carapaça de personagem
assustador e maldito, por meio da qual se pretendia proteger, é obra-prima
representativa dos altíssimos graus de honestidade, abstração e consciência
abrigados nestas páginas.
Das
mais baixas mentiras, das piores covardias e traições, das violências e ameaças
as mais inacreditáveis, de toda a carga de intimidação que lhe tentam pesar, de
toda essa pedreira Lobão extrai grande arte – grande música, grande livro. É
espantoso. Mas a leitura deste ‘Em busca do rigor e da misericórdia’ não deixa
mesmo dúvida: não importa a sordidez mobilizada contra si, tudo – ao menos em
Lobão – resulta em criação.”
Por
Felipe Moura Brasil, na revista Veja
quarta-feira, 25 de novembro de 2015
"Todo exílio é uma ferida", diz escritor sírio
Rafik Schami vive na Alemanha desde 1971, onde seus livros escritos em alemão têm tiragens milionárias. Em entrevista à DW, o autor fala sobre a terra natal e atual crise migratória que aflige a Europa.
O sírio Rafik Schami, de 69 anos, é um dos escritores em língua alemã de maior sucesso. Seus romances, ensaios e livros infantis têm tiragens milionárias e foram traduzidos em várias línguas.
Schami se exilou na Alemanha em 1971, após a tomada do poder pelo clã Assad. Em seu novo romance, Sophia oder Der Anfang aller Geschichten (Sophia ou o princípio de todas as histórias, em tradução livre), ele fala sobre o retorno à terra natal.
Em entrevista à Deutsche Welle, o escritor falou sobre o medo da volta à Síria, o poder dos clãs no Oriente Médio e a atual crise migratória que assola a Europa. A maioria dos refugiados chegando ao continente é de origem síria e fugiu do país para escapar da guerra civil.
Segundo o escritor, é preciso ressaltar que "ninguém deixa a própria casa voluntariamente". "Este não um capricho repentino das pessoas", afirma.
Deutsche Welle: Seu novo livro Sophia oder Der Anfang aller Geschichten é um romance sobre o retorno do exilado sírio Salman para Damasco, depois de 40 anos. Você escreve que Salman tem uma "ferida do exílio". O que quer dizer com isso?
Rafik Schami: O exílio se torna uma ferida quando se proíbem as coisas mais simples: enterrar a própria mãe ou assistir ao casamento do irmão. Visitar lugares da infância sem romantizá-los. A ferida permanece, e nenhuma conversa com um amigo ou uma amiga é capaz de consolar, o que ajuda é apenas a desilusão por meio da volta à terra natal, pois essa ferida faz com que se construa um idílio e se idealize o lugar de onde se vem.
Em seu romance, você fala sobre Damasco, sobre a coexistência das religiões e também sobre o poder dos clãs. Qual a importância deles ainda hoje na Síria?
O clã é mais que uma família. É um sistema econômico, político e cultural. Trata-se de uma invenção genial para se sobreviver no deserto. A coesão, a lealdade levou ao seu sucesso ou ao seu declínio.
Hoje, ele proporciona segurança, em detrimento da liberdade, da dignidade do indivíduo, da democracia. Dentro do clã, não há oposição, isso é considerado traição. É por isso que os governantes sírios e de todos os países árabes recorrem rapidamente à palavra "traidor". Se você é um oposicionista, vai acabar na prisão. Portanto, isso é um grande obstáculo no caminho para a democracia.
O senhor vive há 44 anos na Alemanha. Quão perto ainda lhe é a Síria, como mantém contato?
O contato com amigos e parentes sírios é muito intenso. Eu telefono diariamente, trocamos e-mails. Encontros são mais difíceis. Muitos dos exilados moram em Paris ou Londres. Mas nós nos completamos por meio da troca de informações.
Você é um dos escritores em língua alemã de maior sucesso. Os seus livros também foram traduzidos para o árabe?
Houve um grande avanço graças a um editor corajoso que está no Líbano. Atualmente, cinco dos meus livros foram publicados sem censura.
Como se diferenciam as reações do leitor árabe daquelas dos alemães?
Os leitores alemães admiram a língua alemã, a forma como eu escrevo. Eles admiram o conteúdo. Eles dizem: "Pegamos o seu romance, o levamos às ruas e tudo se encaixa." Os árabes não se tudo corresponde ou não à realidade. Eles se interessam pelos golpes que distribuo contra os costumes e tradições.
Voltando ao seu romance, a volta de Salman a Damasco também significa a realização de um dos seus desejos?
É um desejo repleto de medo. Eu prefiro deixar que Salman vá e caia na armadilha do que eu mesmo. Esta é a vantagem da literatura, os processos são executados com precisão, sem que haja risco para o próprio corpo e alma. Esta é a perversidade dos escritores. Eles se sentam à mesa e enviam seus heróis para a morte.
Você nunca teve a oportunidade de voltar à Síria?
Houve uma oferta três anos atrás. De repente, eu não era mais o traidor, mas o autor sírio mais conhecido no mundo. Eu teria achado macabro voltar, aparecer na TV e realizar palestras culturais, enquanto amigos meus estão na prisão. Eu não posso. Meu exílio teria sido em vão.
Diferentemente dos exilados e também dos atuais refugiados, você já sabe ou prevê que não vai retornar mais para a Síria. Você conversa sobre isso com outros exilados sírios?
Para mim, narrar significa: ter esperança. Se eu não a tivesse, nunca teria narrado. Sophia também não. Essa esperança permanece. Atualmente, ela é uma ilusão quando olho para a destruição. Apesar disso, sim, entendo. Estamos falando sobre quão difícil se tornou um retorno.
Mas, mesmo assim, isso não me apavora. Depois da volta, haveria uma abundância de tarefas. Eu tentaria prestar minha contribuição para a reconstrução, se houvesse certa segurança. Eu não sou um mártir, não sou um aventureiro. Eu também acredito que todos os exilados – não importa se são recém-chegados ou não – atravessam as mesmas fases de desespero profundo. E então se erguem novamente.
Como você vê a onda de refugiados da Síria que está vindo agora para a Europa?
A Europa está dividida, cada sociedade está dividida: o que vamos fazer com os refugiados? Primeiro de tudo, digo a todos de orientação de direita e a todos os populistas: ninguém deixa a própria casa voluntariamente, ninguém! Mesmo em pequenas cabanas, as pessoas preferem ficar no seu entorno, na sua região linguística. Quero dizer, este é um resultado de uma longa política, não um capricho repentino das pessoas.
Foi um grande infortúnio que expulsou as pessoas, ele se chama guerra civil, se chama ditadura, se chama hipocrisia europeia. Agora os alemães avançaram rápido demais e se isolaram. Isso vai ter consequências na sociedade. Depois que a euforia passar, vem a sóbria vida cotidiana e a desilusão do dia a dia é difícil.
Por Sabine Kieselbach, na Deutsche Welle
terça-feira, 24 de novembro de 2015
Em São Paulo, Tarantino fala de Os 8 Odiados e critica Spike Lee
Foto: Divulgação
Quentin Tarantino falou sobre Os 8 Odiados, oitavo filme de sua carreira, durante entrevista coletiva na tarde desta segunda-feira (23), no Grand Hyatt, zona sul de São Paulo. O cineasta de Kill Bill, Pulp Fiction e Django Livre veio à capital paulista ao lado do ator Tim Roth, seu parceiro de longa data nas telonas. Entre elogios ao elenco, o diretor confirmou que esse é seu antepenúltimo filme, disse que jamais trabalharia com Spike Leee revelou ainda que gostaria de dirigir Johnny Depp e Kate Winslet.
“Os oito odiados é meu oitavo filme. O próximo será o nono e o seguinte será o último. Vejo de forma mitológica a mim e à minha carreira”, disse Tarantino, que pretende se dedicar apenas ao trabalho como produtor.
Questionado se algum dia trabalharia com Spike Lee, afinal tem tratado de questões sobre racismo, Tarantino foi curto e grosso: “Nunca!”. Ao voltar à questão no fim do evento, após interrupção de outra jornalista, ele foi mais claro: “Tenho mais dois filmes para dirigir e não vou gastar um deles com esse filho da p***. Ele ficaria muito feliz no dia em que eu aceitasse trabalhar com ele. Mas isso não vai acontecer.”, respondeu, reacendendo uma rixa que remonta ao início dos anos 1990.
Os oito Odiados
Assistimos ao filme em sessão para a imprensa na manhã desta segunda, mas não podemos comentar nada a respeito até o dia 21 de dezembro. A preocupação era tanta, que celulares foram confiscados e todos os presentes foram revistados por seguranças munidos de detectores de metal. Por isso mesmo, Tarantino não falou muito sobre a trama, apenas explicou que um dos coadjuvantes, um cocheiro chamado O.B., é o único personagem que pode ser considerado “bom”, “os outros facilmente seriam vilões em outros filmes”, diz o diretor.
“Não existe um herói claro, afinal essa era uma das coisas que eu queria explorar. Não tem um mocinho nem alguém com senso de moral com quem o público pudesse se identificar facilmente. Eu gostava muito dos faroestes dos anos 60 na TV, cujos episódios sempre mostravam convidados especiais com passados obscuros e era impossível saber quem era quem até o final. Todos os personagens em Oito Odiados são questionáveis”, revela o cineasta.
O diretor ainda se mostrou muito animado com a parceria com Ennio Morricone, compositor que Tarantino admitiu ser seu favorito. “Nunca trabalhei com uma trilha original feita para um filme meu e é uma honra a primeira vez ser com Morricone, afinal, ele é o melhor. Diversas vezes falamos de trabalhar juntos, mas nunca deu certo e dessa vez parecia que não daria certo também, mas, no final, ele se empolgou com o roteiro, começou a sugerir músicas e depois decidiu fazer tudo.”, conta.
Tarantino disse ainda que não precisou dar direções ao mestre das músicas de clássicos do faroeste. “Conversamos, mas não precisei dar sugestões, ele apenas leu o roteiro e me entregou a trilha pronta a partir da história como um todo. Depois, assim como nos meus outros filmes, peguei aquela trilha completa e usei-a no filme conforme achei relevante”, explica.
Já Tim Roth aproveitou para comparar seu personagem Mr. Orange, de Cães de Aluguel, a Oswaldo Mobray. “Adoro meu personagem em Os Oito Odiados, mas também adoro Mr. Orange, a diferença é que em Cães de Aluguel eu era um ator britânico, fingindo ser um ator americano, fingindo ser um policial que fingia ser um ladrão e isso ferrou com minha cabeça. Mas em Oito Odiados, os diálogos são muito mais teatrais e profundos, então a experiência é muito diferente, apesar dos dois esconderem algo”, disse.
Carreira
Falando de seu primeiro filme, Tarantino relembrou sua primeira passagem pelo Brasil, em 1992, quando veio exibir Cães De Aluguel na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. “Aquele foi um ano muito importante para a minha carreira, porque fui a países em três continentes. As pessoas que não me conheciam viram o filme, gostaram e passaram a me conhecer. Quando a Miramax comprou os direitos de Pulp fiction, todo mundo nesses países já me conhecia e quis comprar o filme. Meus trabalhos costumam ter bons resultados nos Estados Unidos, mas vão um pouco melhor fora do país. Digo que não faço filmes para o público americano, faço filmes para o mundo”, afirmou.
O diretor afirmou que continuará voltado para o lado artístico de sua obra. “Tenho sorte de poder trabalhar pela arte. Não faço filmes para pagar as contas, não tenho família para sustentar ou uma segunda casa para pagar. Faço por prazer artístico, o resto é secundário. Quero manter o alto nível de expectativa para os meus filmes. Por isso, preciso parar eventualmente e no décimo parece um bom número”.
Ainda deu a entender que um dos próximos dois filmes antes da aposentadoria pode ser outro faroeste. “Voltei a fazer faroeste depois de entender como tratar o gênero em Django Livre e quis retornar a esse estilo que amo sabendo o que estava fazendo desde o início. Acho interessante mostrar a história com negros, afinal eles sempre foram ignorados no passado. Apesar disso, não posso me considerar um diretor de faroeste até fazer o terceiro western”, afirma, insinuando que veremos outro em sua filmografia.
Tarantino ainda comparou Os Oito Odiados ao filme A Coisa, de John Carpenter, pela situação dos personagens, mas fez questão de frisar a importância que dá para os diálogos de suas obras. “Desde Kill Bill me preocupo mais com os diálogos, quero criar algo mais poético, teatral, sempre sendo cuidadoso com as palavras. Até por isso, não é fácil um ator encarar meu texto, é preciso falar de certa maneira e ter senso de humor. Preciso achar atores capazes disso quando vou escalar o elenco, por isso gosto de trabalhar com quem conheço”, explica o diretor, que ainda elogia Jennifer Jason Leigh, que vive Daisy Domergue.
Em seguida, o diretor revelou que ainda gostaria de trabalhar com Johnny Depp e Kate Winslet. “Depp seria interessante, mas precisaria ter o personagem correto. E Kate é uma grande atriz, acho que interpretaria muito bem os meus diálogos”, afirma.
Os Oito Odiados estreia no Brasil em 7 de janeiro de 2016, um dia antes do lançamento oficial nos Estados Unidos. Segundo Marcos Oliveira, diretor da distribuidora Diamond, serão lançadas 450 cópias nos cinemas nacionais, mas apenas no formato scope, afinal a esperada versão 70 milímetros não chegará às salas brasileiras em razão de limitações técnicas.
Assista ao trailer:
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