Faz alguns anos que a Terra está "perdendo brilho".
Isso quer dizer que nosso planeta está refletindo, ou devolvendo, menos luz do Sol para o espaço, segundo um novo estudo publicado na revista Geophysical Research Letters, da União Geofísica dos Estados Unidos, em setembro.
Os autores da pesquisa, dos EUA e da Espanha, chegaram a essa conclusão
depois de analisar dados da quantidade de luz que a Terra reflete na Lua,
reunidos durante os últimos 20 anos por satélites e pelo Observatório Solar Big
Bear, da Califórnia.
Os cientistas ainda esperam identificar com precisão as causas da redução
do brilho terrestre, mas já apresentam algumas hipóteses.
Saiba quais são elas e as consequências que esse fenômeno pode provocar no
planeta.
Como a luz é
refletida
Como já se sabe sobre a luz em geral, as superfícies claras refletem, e as
escuras a absorvem. Com a luz do Sol e a Terra acontece a mesma coisa.
Blocos de gelo
no mar
As partes escuras do planeta absorvem a luz e o calor da nossa estrela, o
Sol. As partes claras, como as superfícies de gelo dos polos e as nuvens,
refletem e devolvem a luz ao espaço.
A quantidade de luz do Sol que a Terra reflete é conhecida como albedo e,
em média, é composta por cerca de 30% de toda a luz solar recebida.
"As mudanças na cobertura de gelo, nebulosidade, cobertura da Terra
(como florestas ou terras de cultivo) e contaminação do ar provocam efeitos
sutis no albedo global", explica em seu site o Observatório Terrestre da
Nasa, a agência espacial americana.
Durante as últimas duas décadas, o albedo tem se reduzido. "A Terra agora
reflete cerca de meio watt menos luz por metro quadrado do que há 20 anos. Isso
é o equivalente a uma redução de 0,5% na refletância da Terra", disse a
União Geofísica dos EUA.
Essa redução se concentrou principalmente nos últimos três anos. "A
queda do albedo foi uma surpresa para nós, quando analisamos os últimos três
anos de dados, depois de 17 anos de albedo quase estável", disse Philip
Goode, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Nova Jersey, nos EUA, e autor
principal do estudo, se referindo aos dados da luz refletida pela Terra de 1998
a 2017.
Mas a que se deve essa redução?
Possíveis
causas
Os autores do estudo não detectaram mudanças no brilho do Sol nos últimos
três anos, portanto, a diminuição da luz refletida não está relacionada ao Sol,
mas sim a fatores ligados à Terra.
A causa detectada pelos cientistas na Terra foi uma variação "substancial"
na quantidade de nuvens em certas zonas do oceano Pacífico, disse à BBC News
Mundo Enric Pallé, um dos autores do estudo e pesquisador do Instituto de
Astrofísica de Canárias e do Departamento de Astrofísica da Universidade La
Laguna, na Espanha.
Há menos nuvens — portanto menos superfícies brancas e brilhantes que
refletem a luz no oceano Pacífico Ocidental — em comparação com as costas
ocidentais da América do Norte e América do Sul, segundo dados do Sistema de
Energia Radiante das Nuvens e da Terra, da Nasa.
Essa redução nas nuvens se deve a um aumento da temperatura do mar,
"com prováveis conexões com a mudança climática global", disse a
União Geofísica dos EUA num comunicado em setembro.
Mas Pallé disse à BBC News Mundo (serviço de notícias em língua espanhola
da BBC) que não sabe "se seria tão fácil atribuir (o aumento da
temperatura do mar) à mudança climática, porque o sistema climático é muito
complexo" e porque o albedo só tem sido medido nos últimos 20 anos,
enquanto os "processos naturais possuem ciclos mais prolongados".
"Ou seja, acho que é provável que se deva às mudanças climáticas, mas
acredito que seja prematuro afirmar isso por enquanto. Pode ser que haja ciclos
naturais de nebulosidade que podem estar modificando o albedo", destacou
Pallé.
"Dentro da tendência de aquecimento global, há episódios de aumentos
e reduções (de temperatura), então, quem sabe estejamos vendo algo
episódico", acrescentou o pesquisador.
O especialista em clima John Nielsen-Gammon, professor do Departamento de
Ciências Atmosféricas da Universidade do Texas, disse à BBC News Mundo que a
"cobertura das nuvens está intimamente ligada aos padrões de temperatura e
vento na atmosfera, que são afetados pelo aquecimento global e a variabilidade
natural".
"(Mas) o registro de 20 anos de brilho da Terra não é realmente
suficientemente longo para separar esses dois efeitos", afirmou também
Nielsen-Gammon, que não participou da pesquisa.
Lua
Para determinar exatamente a que se deve a variação no albedo, "temos
que seguir medindo como ele vai mudar nos próximos anos, medir por um tempo
suficientemente longo para ver se realmente podemos associar isso às mudanças
climáticas e estar seguro de que não é uma variação natural", destacou
Pallé.
Consequências
Enquanto investigam as causas da redução do brilho terrestre, os
cientistas sabem que a luz e o calor do Sol que a Terra deixa de refletir ao
espaço permanece no planeta, nos oceanos e na atmosfera. Portanto, pode
influenciar na temperatura.
"Se a quantidade de luz que a Terra reflete muda ao longo de dias ou
décadas, haverá uma influência nas mudanças climáticas, porque deixará entrar
mais ou menos energia do sol", disse Pallé à BBC Mundo.
"O que está claro é que o albedo sempre foi considerado nos estudos
climáticos como algo constante, mas não é. E temos que continuar medindo porque
afetará muito a nossa capacidade de prever as mudanças climáticas entre agora e
20, 30 ou 50 anos ", acrescentou o cientista.
BBC News
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