domingo, 18 de julho de 2021

Conheça a história da viúva de acidente aéreo que usou a indenização para erguer uma floresta e eternizar o amor



Dias antes de morrer, Mauro, meu marido, me deixou uma carta de amor. Não era meu aniversário nem fazíamos anos de casados. Mas ele escreveu assim: ‘Tenho a certeza de que a minha sonoridade é do seu agrado assim como a sua é do meu’. E ainda completou: ‘O Vale Verdejante é um filho nosso’.

 

Estávamos casados há 24 anos quando ele entrou no boeing da Gol, em 29 de setembro de 2006. O voo 1907, que saiu de Manaus com escala em Brasília, teria como destino final o Rio. Porém, no meio do caminho o avião em que Mauro estava foi derrubado pelo jato Legacy e caiu numa região de mata do Mato Grosso. Ninguém sobreviveu ao desastre aéreo, um dos maiores do Brasil: 154 pessoas morreram.

Meu marido era engenheiro metalúrgico e eu trabalhava como gerente de um grande banco. Nossos três filhos estavam criados, todos com mais de 20 anos, independentes. Por isso, eu e Mauro vivíamos uma nova fase de nossas vidas em que planejávamos aproveitar mais o nosso sítio, chamado Sta. Rita, localizado em Andrade Costa, no interior do Rio. Sempre fui muito ligada à natureza. Caso existisse faculdade de ecologia quando eu era jovem, esta teria sido a minha opção. Por isso, a perspectiva de trabalhar em prol da comunidade daquela região em projetos sustentáveis me deixava tão contente. Era para lá que nós íamos naquela sexta-feira. Pretendíamos discutir um projeto cujo objetivo era gerar um complemento de renda aos jardineiros dos arredores, mas Mauro nunca chegou.

Uma das minhas filhas foi a primeira a me ligar falando do desaparecimento de um avião que havia partido de Manaus. Talvez pela longa convivência com Mauro, que detestava pensar no pior, respondi a ela: ‘Não vai ter nada a ver’. E me recusei a pensar. Na sequência, um amigo do meu marido me deu a notícia que ninguém queria receber: Mauro estava no tal voo. Aí eu me desesperei, senti realmente o chão se abrir.

Depois de uma noite mergulhada na angustiante espera por notícias, recebemos a informação confirmando a morte de todos que estavam na aeronave. O corpo de Mauro foi localizado após quinze dias.

Eu e uma das minhas filhas fomos medicadas por um psiquiatra para suportar a dor. Analisando em retrospecto, acho que meus filhos me ajudaram mais do que eu a eles. Com o apoio da minha família, que é grande e unida, consegui atravessar o longo processo da perda.

Depois da cerimônia de cremação, que aconteceu em meados de outubro, decidi voltar ao nosso sítio. Os jardineiros que estavam envolvidos no projeto que tínhamos começado a desenvolver me escreveram uma carta comovente, pedindo para eu dar continuidade, para não desistir. Eu, de fato, precisava seguir em frente para cumprir o desejo de Mauro. Aquele chamado à vida, à construção de um ideal que nasceu do nosso grande amor, me fez um bem danado. Foi movida por esse elo que realizei, no fim de 2006, ao lado da comunidade, o primeiro plantio de rua de 50 árvores. Naquela ocasião, já tinha as mudas preparadas devido ao trabalho realizado pelos caseiros. As mudas tinham sido o pontapé inicial dado, em conjunto, pelos jardineiros, por mim e pelo Mauro.

No final de 2007, repetimos o plantio de rua no mesmo local e senti, daquela vez, uma energia ainda mais transformadora. Resolvi então dar um passo que seria vital para vencer o luto e ressignificar a minha dor. Em 2008, com parte do dinheiro da indenização, comprei um terreno de 30 mil metros quadrados nas imediações. A área, que é hoje uma vigorosa floresta, foi doada por mim à ONG Vale Verdejante, fundada em 2006. Graças à minha conexão com a natureza, que me pegou no colo, consegui me reerguer e encontrar um objetivo que mudou a minha vida: quis oferecer uma floresta para o meu marido. Em 2009, pedi demissão do banco e, na sequência, me aposentei. Pude, então, passar a me dedicar de corpo e alma ao nosso ‘filho’.

Porém, para aquele terreno virar a floresta dos nossos sonhos muita água rolou. Foi um trabalho hercúleo. Ao longo desses 15 anos, eu, a comunidade e a equipe que me acompanha (20 pessoas) plantamos cerca de seis mil árvores. Privilegiamos as mudas nativas da Mata Atlântica. Com o tempo, os pássaros, que haviam sido espantados pela devastação da região, voltaram por causa do reflorestamento e o canto deles reverberou nas cidades vizinhas. Os animais também puderam regressar ao habitat.

No fim de 2020, ganhei o maior presente: a floresta foi reconhecida por decreto como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Mauro Romano. Isso quer dizer que a mata nunca será mexida. Mesmo se um dia o terreno for vendido, o verde será conservado.

Com o tempo, incluí outras metas, além do reflorestamento. Atuamos na educação ambiental, interagimos com crianças em idade escolar e com professores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, do campus de Três Rios. Também temos uma trilha aberta aos visitantes (basta agendar pelo site valeverdejante.org.br).

Ao caminhar pelo Vale, ouvindo o barulho das folhas, me sinto bem pertinho do Mauro. A natureza tem muito para dar para gente, mas é preciso ter olhos para ver beleza. Eu tenho.”

Em depoimento a Marcia Disitzer, O Globo 


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