terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Por que a Finlândia está acabando com as matérias nas escolas?

Finlândia quer que alunos vejam que um mesmo problema pode gerar perguntas de física, história, matemática, biologia ou estatística


A Finlândia, país conhecido pelo sistema educacional considerado um dos melhores do mundo, prepara uma mudança radical que visa melhorar a qualidade de suas escolas.
Da BBC Mundo
A partir de 2016 todos os centros de ensino do país nórdico começarão a aplicar um novo método conhecido como "phenomenon learning".
Segundo este sistema as aulas tradicionais são substituídas por projetos temáticos nos quais os alunos se apropriam do processo de aprendizagem.
"Na educação tradicional os alunos vão à sala de aula e têm aulas de matemática, depois de literatura e depois de ciências. Agora, ao invés de adquirir conhecimentos isolados sobre matérias diferentes, o papel do estudante é ativo. Eles participam do processo de planejamento, são pesquisadores e também avaliam o processo", disse à BBC Marjo Kyllonen, gerente de educação de Helsinque.
Kyllonen afirma que a forma tradicional de educação, dividida entre matérias diferentes, não está preparando as crianças para o futuro, "quando precisarão de uma capacidade de pensamento transdisciplinar, olhar os mesmos problemas a partir de perspectivas diferentes e usando ferramentas de diferentes".
Experiência colaborativa
A capital finlandesa está na vanguarda do desenvolvimento desta nova metodologia na qual os alunos podem escolher um tema de seu interesse e planejar o desenvolvimento deste assunto com os professores.
Kyllonen relatou à BBC um exemplo: alunos da quarta série que decidiram com o professor fazer um trabalho sobre o fenômeno dos smartphones.


Um grupo de alunos quis pesquisar, por exemplo, os smartphones e acabou aprendendo sobre história, literatura e física
"Disseram que gostariam de saber sobre a história do desenvolvimento da telefonia", disse.
"Um tema que servia para estudar matemática, estatísticas, para saber quais as razões que levam as pessoas a usarem os telefones, literatura, a indagar como as mensagens de texto mudaram a forma de escrever... (...). Era a ideia deles e, por isso, podiam se conectar imediatamente com o tema", afirmou.
O "phenomenon learning" está sendo introduzido gradativamente nas escolas do país nos últimos dois anos. Todas as escolas são obrigadas a introduzir um período durante o ano escolar - geralmente de várias semanas - para desenvolver esta nova forma de aprendizagem por experiência.
No caso de Helsinque, as escolas foram estimuladas para estabelecer dois períodos como este por ano.
Mudança para os professores
As mudanças no sistema educacional da Finlândia também trazem mudanças importantes para os professores, que não terão mais o controle sobre seus cursos com o qual estavam acostumados.
Eles deverão aprender a trabalhar de forma colaborativa com seus alunos e outros docentes.
O trabalho deles não vai mais ter como base as aulas expositivas e será mais parecido com o trabalho de um mentor.

Para ensinar os 'alunos pesquisadores' os professores deverão se transformar em mentores
Até março de 2015, 70% dos professores de Helsinque já tinham sido treinados para aplicar este novo método.
"Não acho que os professores possam simplesmente se sentar e observar o que está acontecendo. Creio que seu papel é ainda mais importante do que no sistema tradicional, precisam ter muito cuidado na forma como aplicam este método", disse Kyllonen.
Lições erradas?
O novo método já foi alvo de críticas.
A reportagem da BBC conversou com Leo, um estudante de uma escola de Helsinque, sobre a experiência do "phenomenon learning".
"Tem suas vantagens e desvantagens. É diferente e os professores podem ficar criativos e trazer novas fórmulas de ensinar e de aprender e isto é divertido", afirmou.
"Mas eu não gostaria que durasse o ano inteiro, porque é muito bom ter certa liberdade criativa para aprender de vez em quando, mas também existe a educação tradicional, que também cumpre uma função", disse o jovem.
A BBC entrevistou o professor da Universidade de Cambridge Tim Oates que também afirmou temer que outros países tenham as lições erradas a partir da experiência educacional positiva da Finlândia.


A China superou a Finlândia nas provas PISA mas as autoridades de educação de todo o mundo continuam buscando o país nórdico como referência
Oates afirmou que o sistema educativo finlandês teve seu melhor momento no ano 2000, quando o país obteve os melhores resultados no Programa Internacional para a Avaliação de Estudantes da OCDE, conhecidas como provas PISA.
Mas, desde então, o país está caindo.
E, de acordo com o especialista, os funcionários do setor de educação de várias partes do mundo começaram a analisar como eram as escolas da Finlândia neste momento, caracterizadas pela ampla liberdade e pelo fato de que os alunos não necessitavam fazer provas a cada ano para mudar de série.
Oates adverte que as reformas que permitiram os bons resultados do ano 2000 foram colocadas em marcha ainda na década de 1970, com elementos muito diferentes como as decisões centralizadas, a presença de supervisores em cada sala de aula, grandes investimentos na formação dos professores e a aplicação de exames obrigatórios.
Mas a Finlândia parece disposta a continuar mudando e aprendendo.

E provavelmente outros países vão querer aprender também com este processo.