quinta-feira, 30 de abril de 2020

"NOSSAS PORTEIRAS FICARAM ABERTAS PARA O VÍRUS"



DIMAS COVAS, Diretor do Instituto Butantan

O médico Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, acaba de assumir a coordenação dos testes de coronavírus no estado de São Paulo. É um cargo fundamental nesses tempos de pandemia. Sob seu comando está a plataforma de laboratórios de diagnóstico da doença, montada pelo governo do estado, que terá capacidade para realizar 10 mil exames por dia. Acaba de chegar da Coréia do Sul uma encomenda de 575 mil testes feita pelo Butantan. Participam da plataforma 38 laboratórios públicos e privados, entre eles o Instituto Adolfo Lutz, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e o Hemocentro de Ribeirão Preto. À frente da iniciativa, Covas pretende acelerar o processo de testagem e contribuir para impedir o avanço explosivo da Covid-19 no estado. Na quarta-feira 22, um passo importante foi dado: o governo conseguiu zerar a fila para realização de testes que contava com mais de 17 mil pessoas com amostras pendentes de análise. “A realização de testes em massa irá nos ajudar a ter uma fotografia dessa epidemia mais próxima da realidade”, disse Covas para a ISTOÉ. “E permitirá que as autoridades tomem decisões fundamentadas em fatos”

Qual é a importância de se fazer testes em larga escala?

Os testes, seja o RT-PCR ou o teste de anticorpo, que aqui no Brasil é o chamado teste rápido, têm a finalidade de dar uma fotografia da epidemia. Não são os únicos indicadores, existem outros, como o número de mortes, a velocidade da disseminação, mas os testes, sem dúvida, são um importante indicador. Não é uma fotografia do dia, mas de duas, três semanas atrás, porque existe um atraso – o indivíduo se infecta, demora um tempo para a viremia (presença do vírus no sangue), depois aparecem os sintomas, aí ele procura um médico e colhe o teste. E os testes são importantes para você tomar medidas, para tentar entender como a epidemia está se comportando e informar os tomadores de decisão para que eles possam adotar providências.

Quais providências?

Principalmente essas medidas de afastamento social, mais ou menos intenso, dependendo da situação epidemiológica. E tem que prever a ocupação do sistema de saúde. Esse é um ponto importante, visto que o maior desafio que a epidemia tem causado nos vários países onde ela começou antes do Brasil é exatamente a sobrecarga do sistema de saúde. É nesse contexto que os testes são importantes. Existem estratégicas diferentes porque existem dois tipos de teste, RT-PCR, que identifica o vírus e, portanto, serve para a fase aguda da infecção, para os indivíduos que têm sintomas. E o teste de anticorpos, aplicado em indivíduos assintomáticos, que vai positivar-se tardiamente. Para efeitos populacionais, para pesquisar o percentual da população contaminada, o teste rápido é importante.

Os testes no Brasil estão muito abaixo do necessário?

Sem dúvida nenhuma. Se você pegar a média dos países, você vai ver que poucos conseguiram fazer um número significativo de testes. Isso por vários motivos. Os Estados Unidos, há cerca de 20 dias, estavam com dificuldades porque não tinham testes. Esse é o primeiro ponto. Como houve uma demanda muito grande em termos mundiais, o insumo não está disponível na hora. Você compra e demora a chegar. Isso explica parte das dificuldades. O segundo ponto é a qualidade dos testes. Muitos testes, principalmente os rápidos produzidos em larga escala pela China, apresentaram problemas de qualidade.

O Brasil tem uma estratégia de testes?

No Brasil, até este momento, o teste de RT-PCR, pela norma do Ministério, está reservado aos pacientes que tenham manifestações clínicas graves, aos que estão internados, aos profissionais de saúde e aos óbitos. Em minha opinião, o patamar está baixo e tem que ser ampliado. Com relação aos testes rápidos, a gente também não tem uma política definida. O Ministério da Saúde começou a distribuí-los e ainda não sabemos exatamente se serão feitos em massa, para todos aqueles que quiserem fazer, ou se serão feitos por populações definidas, para poderem voltar mais rapidamente ao trabalho, como os próprios profissionais da saúde ou os funcionários de segurança pública.

Em São Paulo, a situação é igual?

Aqui no estado de São Paulo nós já temos um planejamento neste sentido. O governo comprou uma grande quantidade de testes RT-PCR. Foi feita uma importação da Coreia e já chegaram cerca de 575 mil testes de um total de 1,3 milhão. Isso serviu para dar um fôlego imediato, acabamos com a fila de testes e estamos prevendo uma capacidade ampliada para realizá-los, na medida em que a rede de laboratórios que foi constituída possa se qualificar.

E com relação aos testes rápidos?

Com relação aos testes rápidos, nós estamos recebendo alguns kits do Ministério e vamos ter também uma política de acompanhamento da epidemia. A gente vai acompanhar a população com um teste que detecta anticorpos, chamado de quantitativo, que quantifica os anticorpos e permite saber se o indivíduo está de fato imunizado, se ele consegue se proteger contra uma nova infecção do vírus. Vamos fazer um inquérito soroepidemiológico de acompanhamento com populações definidas por faixa etária e regiões geográficas, para ver como a epidemia evolui. Isso modelará as medidas de afrouxamento ou de intensificação do afastamento social.

Só nos resta o afastamento social?

É a única medida a ser tomada. É uma epidemia que não tem vacina, não tem tratamento efetivo e tem uma gravidade clínica importante. Os pacientes que são acometidos pela doença exigem internação, leitos semi-intensivos e UTI. Se nós não diminuirmos a velocidade de propagação do vírus com as medidas de isolamento social, fatalmente o nosso sistema de saúde será comprometido. Mesmo com esses acréscimos de leitos que estão ocorrendo com a construção de hospitais de campanha, se a velocidade de expansão do vírus for explosiva, o sistema de saúde será fatalmente atingido e o prejuízo é para todos porque os hospitais existem para tratar pessoas doentes, não só pessoas com coronavírus. Com uma epidemia de grandes proporções, você sobrecarrega todo o sistema de saúde e causa um colapso social. É o que aconteceu na Itália e na Espanha. É difícil até de acreditar que países desenvolvidos possam ter enfrentado situações tão complicadas.

O senhor se surpreende com a situação na Itália e na Espanha?

São países que têm uma estrutura razoável de saúde, são países menores e com uma população bem mais assistida. O Brasil é um país continental, que tem uma heterogeneidade muito grande, não só de concentração de pessoas, de densidade demográfica, mas também na estrutura de atenção de saúde. Nas regiões metropolitanas o risco é maior, principalmente nas periferias, onde existe um grande adensamento populacional, maior número de pessoas por habitação, menor infra-estrutura e menor recurso de saúde. Além disso, as pessoas precisam se mobilizar diariamente para conseguir o seu sustento.

Como o senhor avalia o isolamento nas periferias neste momento?

Quando se fala em isolamento social, é muito diferente falar para pessoas das classes A, B e C, que são pessoas que têm acesso à informação, que têm um nível educacional diferenciado, do que falar para as classes D e E, que têm mais dificuldades até para compreender a mensagem. Isso se fosse um ambiente tranquilo do ponto de vista da mensagem. Mas nós estamos no meio de sinais trocados. Enquanto os especialistas apontam a necessidade de isolamento, há toda uma corrente política dizendo que não pode ser assim porque isso vai trazer prejuízo econômico. Existe uma dicotomia de orientação. E nós vamos sentir o impacto dessa divergência daqui a três, quatro semanas, quando atingiremos a velocidade maior dessa epidemia e veremos, então, se estaremos preparados ou não.

A politização da pandemia atrapalha o bom desenvolvimento das medidas de controle?

Não há dúvida. E é uma discussão que outros países já fizeram antes do Brasil. Aqueles que foram pelo não isolamento se deram mal. Todos voltaram atrás e quando recuaram já era um pouco tarde e isso explica o grande número de mortos que estão tendo, como os Estados Unidos ou a própria Inglaterra, que voltaram atrás em sua política inicial. Tivemos vários exemplos de países que voltaram atrás rapidamente porque o número de mortos disparou. Do ponto de vista técnico, não há mais que se discutir o isolamento depois do exemplo chinês. Mesmo com a maior população do mundo, a China conseguiu controlar a epidemia e evitar uma catástrofe.

Qual é o país que o senhor acha que está fazendo o melhor trabalho, que serve de modelo a ser seguido?

Você tem que aproveitar as experiências que deram certo em vários países e adaptar para nossa realidade. Por exemplo, um país que conseguiu, de uma certa forma, manter a epidemia sob controle até o momento foi a Coreia do Sul. Mas a Coreia iniciou as medidas preventivas muito precocemente e adotou uma política de isolamento dos casos bem no início da epidemia. Não só pela testagem, mas também pela medição de temperatura e pelo acompanhamento das pessoas que chegavam do exterior, fazendo o isolamento domiciliar. Isso funcionou. Mas tem que lembrar que a Coreia é um país, além de rico, com uma população pequena e extremamente disciplinada. É uma realidade muito diferente da nossa.

O governo brasileiro foi negligente?

Não tomamos nenhuma medida inicial de contenção. O vírus rodava o mundo e não tomamos nenhuma medida eficiente de identificação dos passageiros que chegavam, testagem desses passageiros e isolamento domiciliar. Nossas porteiras ficaram abertas para o vírus. Aguardou-se o primeiro caso positivo e até então não se tomou nenhuma medida efetiva. Logo que esse primeiro apareceu já existiam milhares de pessoas contaminadas. Um caso positivo com transmissão comunitária representa dezenas de outros casos na população.

Dá para saber quantos?

Em média, um caso positivo representa 10% da amostragem. Na Itália, houve um cálculo de 9% da população e na Espanha chegou a 15%. Nós chamamos isso de taxa de ataque. Se as medidas não forem tomadas no momento certo, você entra na transmissão comunitária e não consegue mais conter a epidemia. Só resta a mitigação. Há um esforço para identificar todos os sintomáticos e isolá-los, assim como seus contatos do isolamento domiciliar. Em relação a outros países essas medidas foram tomadas antes e isso nos deu um certo tempo para trabalhar na prevenção, comprar respiradores, e montar hospitais de campanha. Isso nos deu algum prazo, mas esse prazo agora está chegando no seu limite.

Qual é o ciclo dessa epidemia, quando se chegará a um ponto de contenção?

Para chegar num ponto de contenção naturalmente, a epidemia teria que atingir mais de 50% dos indivíduos suscetíveis. Não estou dizendo a população em geral, estou dizendo os suscetíveis, que são os indivíduos que podem adquirir a doença e estão expostos. Se metade dessa população for atingida, a velocidade de reprodução cai progressivamente até o vírus parar de circular ou circular muito pouco. A epidemia é interrompida porque só encontra indivíduos imunizados.

É o mesmo efeito da vacinação?

Sim. Isso se chama proteção de rebanho, que é a mesma da vacinação. Você vacina exatamente para isso. Quando você atinge índices de vacinação de 70%, 80%, 85% a doença não se instala. Ela não consegue se transmitir. Isso acontece com a epidemia natural. Se você não tem a vacina, a doença vai sendo transmitida até atingir um patamar elevado de contágio que impeça sua continuidade, a continuidade do ciclo. Na situação que estamos vivendo é um pouco diferente porque trata-se de diminuir a velocidade com que isso vai acontecer. O ciclo da epidemia é inevitável, mas o que se espera é reduzir a velocidade do contágio. Esticando isso no tempo, você consegue dar continuidade ao atendimento dos pacientes, aos pacientes graves e, ao mesmo tempo, a população vai adquirindo o vírus e desenvolvendo a imunidade.

Quando teremos 50% dos suscetíveis infectados?

O exemplo que temos da fase final da epidemia é o chinês. O vírus começou a circular na China em novembro. Os primeiros casos clínicos apareceram em dezembro. Demorou seis meses e agora ela está decaindo. São seis, sete meses de evolução da epidemia. Esse é o ciclo que se espera que a gente tenha.

E as vacinas, quando chegarão?

Existe hoje em torno de meia centena de vacinas em desenvolvimento no mundo que são promissoras. Algumas delas já estão na fase de estudo clínico e começam a ser aplicadas em pacientes. Esse é o ciclo normal de desenvolvimento. Você tem a vacina, faz o teste em animal, faz o teste em humanos para definir a segurança e, feito isso, vai para análise e registro. Só aí ela entra em produção. Esse ciclo demora normalmente três ou quatro anos para uma vacina normal. Nessa urgência mundial existe uma grande corrida: já há vacinas em fase adiantada de estudo clínico, mas mesmo que sejam eficazes e seguras, terão que ser produzidas em massa. E esse é o grande problema. No Butantan, onde se produz uma grande quantidade de vacinas para gripe todo ano, o ciclo de produção é de sete meses. Em menos de doze meses não teremos uma vacina. E esse prazo é otimista. Provavelmente para essa onda epidêmica nós não teremos vacina, teremos para as próximas ondas.

O senhor prevê outras ondas?

Tudo que está acontecendo com esse vírus é novo. A ciência está aprendendo coisas absolutamente novas sobre virologia com esse coronavírus. Não sabemos se ele vai se comportar como o vírus da gripe, que muda rapidamente e todo ano volta, ou se vai desaparecer, como desapareceu o coronavírus da SARS ou o da MERS. Se ele voltar periodicamente haverá necessidade da vacina. E mesmo que ele não volte agora, pode voltar lá na frente. Se tivéssemos uma vacina contra a SARS e a MERS, provavelmente ela poderia estar sendo adaptada para o novo coronavírus.

O que mais é novo nesse vírus?

Por exemplo, na própria Coreia e na China indivíduos que haviam sido considerados curados, apresentaram novas manifestações clínicas. Ou seja, a resposta imunológica provavelmente não é protetiva para 100% dos casos. Isso abre a possibilidade de ondas sucessivas de infecção. É uma preocupação. É preciso estudar isso rapidamente para verificar se é o vírus está adaptando ao organismo, por uma mutação, ou se é um comportamento dependente do hospedeiro, que sofre de alguma falha no sistema imunológico. Essa volta da infecção foge um pouco do modelo clássico.

A ciência brasileira pode contribuir de alguma maneira para controlar o novo coronavírus?

Não há dúvida. O Brasil tem um grande parque científico, profissionais competentes e muitos estudos sendo feitos. Mas nossa velocidade não é a mesma de outros países, como Estados Unidos, Inglaterra ou China. Em um desses países provavelmente serão feitos os grandes desenvolvimentos. O parque de ciência deles funciona muito rápido. Várias vacinas que estão sendo testadas foram desenvolvidas por grandes laboratórios que têm uma capacidade de produção científica em massa. Nós vamos obviamente dar contribuições importantes, isso sempre acontece com o Brasil, mas a escala é diferente.

Por Vicente Vilardaga, na Revista Isto é




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quarta-feira, 29 de abril de 2020

“Não se negocia com a natureza”


O jornalista Thomas Friedman, do The New York Times, reflete sobre os efeitos econômicos e políticos do coronavírus

O jornalista americano Thomas Friedman notabilizou-se como um dos mais respeitados intérpretes das relações políticas, econômicas e sociais deste século. Nas últimas semanas, tem aproveitado o toque de recolher para refletir sobre os efeitos da crise atual e outros temas, como o choque do petróleo e o aquecimento global. Em meados de março, Friedman causou barulho ao questionar se a paralisia econômica pelo mundo não seria pior do que a doença no combate à pandemia do coronavírus.

É um daqueles temas complexos que o jornalista se especializou em analisar em suas colunas no jornal The New York Times e em livros como O Mundo É Plano – Uma Breve História do Século XXI. Recentemente, Friedman participou de um bate-papo pela internet para o lançamento da EXAME Academy, plataforma de educação da EXAME. A conversa foi mediada por André Esteves, controlador do banco BTG Pactual e do grupo que controla a EXAME (a íntegra da conversa está no canal da EXAME no YouTube).

Que análise o senhor faz da situação que vivemos hoje?

Não tenho a menor dúvida de que o mundo que nós conhecemos vai se dividir em AC/DC: antes do corona e depois do corona. Um fator que vai definir muito esse mundo é o que eu chamo de briga entre a Lei de Moore e a Lei de Covid. A Lei de Moore é uma metáfora do poder da inovação, algo que nós hoje precisamos como nunca, seja para a criação da vacina, seja para a cura da doença causada pelo coronavírus. Infelizmente, nós estamos lutando contra a Lei de Covid, que não se baseia na Lei de Moore, mas na mãe natureza. Hoje, estamos correndo contra esses dois expoentes. Segundo ponto: a crise dos bancos de 2008 foi um teste de estresse no sistema bancário, mas hoje o teste é sobre a sociedade como um todo. E o debate não pode ser sobre combater o vírus ou pensar nos empregos; temos de fazer os dois juntos. Não sei qual vai ser a decisão, mas temos de fazer isso com o máximo de dados possível, com máscaras, distanciamento e outras medidas e com o vírus à solta, porque ele não vai embora até surgir uma vacina.

Como compararia a situação atual à crise de 2008-2009?

Da perspectiva de hoje, 2008 parece uma minicrise, que criou o Tea Party, à direita, e o Occupy Wall Street, à esquerda. Agora pense nos movimentos populistas que vão surgir desta crise. Por isso eu defendo um governo de unidade nacional, que nos Estados Unidos inclua da esquerda de Bernie Sanders aos republicanos de Mitt Romney. Hoje, as pessoas estão em casa, mas em algum momento nas próximas semanas elas vão sair às ruas e ver o tamanho do estrago nos empregos e nas empresas, e isso causará uma enorme tensão social. Por isso não podemos cuidar do impacto socioeconômico de modo partidário. Além desse debate social unificado, vamos precisar de um grande debate sobre direitos civis digitais, e também discutir políticas públicas sobre o nível de acesso à vida da população que o governo precisa ter para fazer a economia voltar a funcionar. Os governos vão ter de garantir às pessoas que elas não serão infectadas por quem estiver na poltrona ao lado no avião, por exemplo.

Para contextualizar o debate: como estava o mundo antes do coronavírus?

Antes do vírus, nós estávamos vendo uma nova divisão entre o que chamei de mundo da ordem e mundo da desordem. Durante milênios, o mundo foi governado por impérios, britânico, espanhol, otomano, grego… Com o fim da colonização e após a Primeira e a Segunda Guerra, nós dividimos o mundo em cerca de 190 estados-nação, e um belo dia acordamos com uma Organização das Nações Unidas. Se você fosse um estado-nação fraco nesse período, estaria feito, porque duas superpotências competiriam por você no xadrez global. União Soviética e Estados Unidos jogavam dinheiro em sua direção, ajuda externa, trigo, armas etc. Além disso, não se falava em aquecimento global e crescimento populacional, e ninguém tinha celular para comparar seu líder com o da vila do lado, que dirá o país vizinho. Por último, como a China não fazia parte da OMC, qualquer um podia estar no setor têxtil ou pagar baixos salários. Isso tudo mudou no começo do século 21. Primeiro, nenhuma superpotência quer você, porque ninguém quer pagar a conta. O aquecimento global está arrebentando vários estados fracos, e há uma explosão populacional. Além disso, atualmente todo mundo tem um celular para ver se o país vizinho é melhor. O que se viu antes desta crise foi um movimento em massa de pessoas tentando sair dessas zonas de desordem, como o Oriente Médio, rumo às zonas de ordem. Havia muitos estados frágeis antes da crise atual, e eles ficaram ainda mais fracos.

Por falar no Oriente Médio, e quanto à crise do petróleo? Que previsões é possível fazer?

Não acho que esse choque na indústria do petróleo passará logo. Há excesso de oferta. Parece haver um desejo saudita e russo de esmagar o setor de gás natural dos Estados Unidos derrubando os preços do petróleo. E uma coisa que vai acontecer no mundo DC [depois do corona] é uma aceleração dos setores eólico e solar, que têm ido bem, com uma grande inovação ligada aos veículos elétricos baseados em energia eólica e solar. Fora isso, poderá ocorrer uma queda real no preço dos painéis solares chineses. Creio que para a Petrobras, para o Brasil, pelo menos nos próximos dois anos, será difícil ver os preços do petróleo de volta ao mesmo patamar de antes da crise. Não sou especialista em petróleo, mas acho que esse choque de demanda não passará tão cedo. Uma coisa positiva que deve sair desta crise é uma melhor distribuição da geração de energia, para termos comunidades mais resilientes. Tudo isso sem falar no pano de fundo que é o aquecimento global, o próximo desafio que a mãe natureza vai jogar no nosso colo. Não há imunização de grupo para aquecimento global, só uma devastação sem fim do grupo.

A avaliação para o cenário nos Estados Unidos é que a pandemia chegou ao pico?

Parece que estamos chegando ao pico em Nova York, mas o pico não será pontiagudo e seguido de uma queda abrupta, e sim algo mais parecido com um gráfico dentado, cheio de altos e baixos. Mas vale frisar que nós só estamos ganhando tempo. Estamos contendo o vírus e o distanciamento social funciona, mas não temos vacina nem imunização de grupo. Mesmo na China os casos estão voltando a crescer, sendo que o país tem condições de impor medidas bastante invasivas, o que democracias como o Brasil e os Estados Unidos não conseguem implementar.

O que isso significa?

Nós nunca tivemos um inimigo assim nos Estados Unidos. Combatemos os nazistas e os russos e vencemos nos dois casos, mas as duas forças mais poderosas do planeta são a mãe natureza e o pai ganância — o mercado. Trump se enrolou no começo porque olhava o mercado usando o Dow Jones como termômetro pessoal, e achava que, se o mercado reagisse, seria um sinal de que estaria vencendo. Enquanto isso, a mãe natureza espalhou silenciosamente esse vírus entre nós. Você não negocia com a mãe natureza.

Nas crises deste e dos outros séculos, havia o Fundo Monetário Internacional, ou o Tesouro dos Estados Unidos, ou uma mistura dos dois para resgatar os países…

A mãe natureza não faz resgates.

Há algumas semanas, o senhor escreveu um artigo polêmico, em que criticava o “pensamento único” do lockdown e dizia que renda é um bom indicador de saúde. De lá para cá, sua opinião sobre isso mudou?

É importante destacar que não estou falando de uma solução ou/ou. Não defendo salvar todo mundo e matar a economia, ou matar a economia e salvar todo mundo, mas, sim, uma estratégia que combine as duas coisas do melhor jeito possível e reduza os danos à nossa saúde econômica e pública, claro. Eu falei disso antes, mas, essencialmente, o Brasil, os Estados Unidos e todo lugar terão um cenário assim: os mais vulneráveis terão de ser protegidos e separados, isto é, os idosos e quem tiver doenças que baixem a imunidade. Além disso, com base numa análise de dados confiáveis, queremos o retorno ao trabalho e nos setores mais críticos de quem já sarou da doença. Depois, aos poucos e com dados regionais, colocaremos mais mão de obra de volta, e assim por diante. Todos os líderes mundiais farão no mínimo alguma versão dessa estratégia no próximo mês. O presidente Bolsonaro parece que já tomou essa decisão no Brasil ou tende a decidir nesse sentido. São as decisões difíceis que todos nós vamos ter de fazer.

O senhor disse que a crise de 2008-2009 criou, à esquerda, o Occupy Wall Street e Bernie Sanders e, do outro lado, o Tea Party e a Presidência de Trump, os chamados efeitos políticos daquela crise. O que se pode esperar do cenário político após a crise atual?

Nos Estados Unidos, há uma mudança total no baralho político. O que quer que tenha acontecido em janeiro, fevereiro ou março não importa mais. Hoje, a medida de liderança é uma só: se você foi bom e eficiente em ter o apoio de sua cidade, estado ou país para este desafio. Quanto você inspirou? Quem você confortou? Cada líder hoje tem um novo boletim pelo qual vai ser julgado, e estão surgindo novas lideranças femininas e masculinas. É interessante ver governos autoritários respondendo bem à crise e outros fracassando. Temos de dar aos líderes dos Emirados Árabes Unidos no mínimo uma nota boa, porque eles reagiram logo no início e se isolaram. Já o Irã foi mal. Há democracias que agiram bem, como a Alemanha, e outras que foram mal. Os Estados Unidos foram mal, eu diria. Em 2008, Warren Buffett disse uma frase célebre: “Quando a maré baixa, você vê quem está de sunga e quem não está”. Esta crise expôs a enorme fragilidade de nosso sistema de saúde e de gestão de desastres. Em termos históricos, geralmente os Estados Unidos tiveram três papéis no mundo em crises assim. Um: nós liderávamos a coalizão que enfrentava a crise que fosse, de um inimigo como Hitler a um vírus como o ebola. Dois: nós éramos fonte da melhor ciência e dos melhores dados. Três: nós éramos fonte de socorro e conforto aos aflitos. Infelizmente, nós não temos cumprido nenhum desses papéis.

Acha que podemos esperar mais solidariedade no mundo? Esta crise servirá para manter a Europa mais unida, ou por causa dela nós veremos outra discussão sobre a utilidade da União Europeia, como aconteceu em 2011-2012?

Na América nós pagamos pela crise de 2008-2009 na prática, com o governo lançando títulos e o Fed [banco central americano] comprando. É o que está acontecendo agora na Europa com o banco central europeu. O resultado disso vai depender do tamanho do buraco, e no caso da Itália ele pode ser tão fundo que a relutância, digamos, dos alemães ou de outros europeus do Norte em mandar recursos à Itália talvez chegue a um ponto em que a Itália e também a Espanha digam: “Vamos ter de nos virar sozinhos, romper e desvalorizar nosso câmbio e não pagar a dívida para nos salvarmos”. É um cenário possível. Ao mesmo tempo, nós já depreciamos todos os câmbios do mundo. O que isso fará do dólar como reserva cambial e o que isso fará com as moedas quando todo mundo fizer a mesma coisa? Estamos vendo uma impressão em massa de dinheiro que ainda não acabou. Não acho que o iene tomará o lugar do dólar em breve, mas vou me repetir: nós não estamos tão bem sem nossa roupa de banho.

Qual seria o legado sociológico desta crise? Que tipo de mundo devemos esperar no médio prazo com base em tudo isso que mencionou?

Sempre me meto em confusão quando começo um texto com “o mundo nunca mais será o mesmo” [risos]. Tudo depende do intervalo de tempo, mas é preciso ter em mente o longo prazo. Tantas coisas serão digitalizadas que vamos descobrir coisas surpreendentemente boas. Por exemplo, por que diabos não fizemos isso de chamadas em vídeo antes? Estamos descobrindo novas ferramentas e novos usos. Vamos acelerar o ensino em casa, não há dúvida, mas passaremos a valorizar mais os professores. E também estamos entendendo a importância dos vizinhos, da qualidade da vizinhança. Creio que a impressão 3D vai explodir depois disso. Acho que as pessoas usarão impressoras 3D para buscar maneiras de encurtar a cadeia de fornecedores mais do que nunca.

E quem poderá sair prejudicado?

No curto prazo, isso vai acelerar o comércio pela internet. Vai ser muito difícil em alguns sentidos para o setor de varejo, que hoje está sendo arrasado, mas já estava difícil antes por causa da internet, com a migração para a compra online e para as Amazons do mundo. A parte triste, para mim, é que antes da crise — só posso falar dos Estados Unidos, não do Brasil — estávamos vendo alguns dos setores que ganham menos da nossa sociedade recebendo salários maiores, com a demanda e a competição por mão de obra e com a economia crescendo. Agora saímos desse cenário para outro de piso desabando e pressão social. Como cuidar dessas pessoas é o que vai de fato definir a política no Brasil e nos Estados Unidos, mais do que qualquer outro fator.


Por Fabrício Calado, na Revista Exame






terça-feira, 28 de abril de 2020

Em época de coronavírus, confira lista de 10 livros infantis para ler com as crianças



A clausura exigida pelas atuais circunstâncias deve ser explorada no sentido do milenar ensinamento popular: “dê-me um limão e farei uma doce limonada”.
É necessário resgatar os instantes mágicos da interação mais íntima, aquela viabilizada com a boa proximidade familiar.

É nessas horas, em família, que se deve recorrer à leitura para aprimorar a recreação ao mesmo tempo em que – como ganho adicional –investe-se na educação e na aprendizagem transversais.  

A leitura coletiva aperfeiçoa os vínculos familiares. Quando se dispõem a ler para as crianças, os pais estão, na realidade, aguçando a curiosidade dos pequenos, investindo na criatividade e na absorção de novos 
conhecimentos através de uma estratégia lúdica e não convencional. 

Confira - clicando aqui - algumas sugestões para a leitura em família.



domingo, 26 de abril de 2020

Conheça os livros que foram banidos por razões estúpidas



A arte está constantemente em conflito com a moral do seu tempo. E a censura, que é a pior postura que se pode atuar perante uma expressão livre, apesar de ser popularmente considerada uma prática arcaica, ainda é largamente exercida nos tempos atuais. Na maioria das vezes, o sexo e a violência são os principais argumentos para executar uma censura, mas nem sempre ela ocorre dessa forma tão simples e clara. Frequentemente, são encontradas razões completamente ilógicas ou absurdas para endossar alguma proibição que, quase sempre, decorrem de alguma interpretação estúpida da obra.
De diferentes lugares e pelos motivos mais insanos possíveis, confira abaixo alguns livros que foram banidos por razões insensatas.

As Bruxas (Roald Dahl)
Apesar de ser considerado um clássico, as Bruxas foi proibido em várias escolas e bibliotecas pela sua suposta promoção à misoginia. Alguns críticos alegam que a obra incita que os meninos cresçam odiando as mulheres. A questão foi respondida pelo próprio Dahl em seu prefácio que diz: “Eu não quero falar mal das mulheres. A maioria das mulheres são adoráveis. Mas a questão é que todas as bruxas são mulheres”

Um menino passa férias em um hotel de luxo com a avó e descobre que o local está sendo usado para uma convenção de bruxas. E para sair dessa inteiros, os dois precisam ser mais espertos que as anciãs diabólicas que se reúnem no lugar.

Por que isso assustaria os adultos: Este hotel está infestado por ratos – bem, na verdade os ratos que antes eram crianças e foram transformados pelas bruxas em pequenos roedores peludos. Mas, ainda assim, uma infestação de ratos pode arruinar qualquer férias.
O livro também tem uma adaptação para o cinema de 1990, estrelando Anjelica Huston como a ‘rainha das bruxa’. (Editora WMF)

As Aventuras do Capitão Cueca (Dav Pilkey)
Dê uma olhada na capa de As Aventuras do Capitão Cueca e arrisque um palpite pelo qual o livro poderia ter sido censurado. Acertou quem disse ‘nudez parcial’. Apesar do desenho do personagem parecer mais como um ovo com feições humanas, vários livros da série tem sido proibidos em escolas devido a representação do herói.

Os amigos de escola Jorge e Haroldo divertem-se escrevendo e vendendo histórias em quadrinhos para colegas de escola. Mas os gibis são confiscados pelo diretor da escola, o malvado Sr. Krupp. Para escapar de punições, os garotos o hipnotizam e fazem-no incorporar a personalidade do super-herói, o Capitão Cueca.

As Aventuras do Capitão Cueca é uma série de livros dedicado ao público infantil, criado pelo escritor estadunidense Dav Pilkey.

Com vários leitores assíduos em vários países, a coleção de livros consagrou Pilkey como um dos mais afamado escritores de livros infantis da literatura contemporânea.
Só no Brasil, já vendeu mais de 350.000 exemplares, e em breve vai ganhar um filme inspirado em seus personagens e nos conflitos da série. (Editora Cosac Naify)

Onde Está Wally? (Martin Handford)
Quando se trata de livros completamente inocentes e inofensivos, é difícil pensar em um exemplo mais conveniente do que Onde está Wally?. Quando o livro original foi publicado pela primeira vez, em uma cena da praia pode ser visto uma mulher deitada sobre uma toalha de praia fazendo um topless. Um garoto está encostando um sorvete nas costas dela, fazendo ela gritar e revelar os seios.

Wally é um rosto perdido na multidão, e a tarefa do leitor é encontrá-lo em todos os lugares que ele visita. O simpático e desajeitado Wally vai perdendo suas coisas pelo caminho – óculos, mochila, xícara, bengala. Wally pode ser encontrado na praia, no museu, entre os astecas, entre os vickings e até em Hollywood.

O livro é essencialmente composto por figuras, e é um jogo visual para encontrar Wally (e vários outros personagens e objetos) em meio a enormes multidões de pessoas em ambientes super criativos. (Editora Martins Fontes)

As Vinhas da Ira (John Steinbeck)
A obra de John Steinbeck foi perseguida na época do seu lançamento pela sua linguagem considerada ‘vulgar’ demais para o seu tempo. O livro foi notado pela representação apaixonada de Steinbeck pela situação dos pobres, e muitos de seus contemporâneos atacaram a sua visão social e política.

O clássico que valeu o Prêmio Pulitzer a John Steinbeck permanece como um dos arquétipos da cultura norte-americana. Agraciado também com o Nobel de Literatura, o autor retratou o homem moderno diante das dificuldades, a pobreza e a privação em um universo hostil, protagonizado por vítimas da competição e párias sociais. Este livro representa o confronto entre indivíduo e sociedade, através da epopeia da família Joad, expulsa pela seca dos campos de algodão de Oklahoma, para tentar a sobrevivência como boias-frias nas plantações de frutas do Vale de Salinas, na Califórnia.

Ao mesmo tempo em que denuncia os dramas e flagelos de um país debilitado pela Grande Depressão dos anos 30, Steinbeck defende o conceito de que o indivíduo isolado nada vale, e a sobrevivência só é possível quando existe solidariedade entre os semelhantes. Vencedor de dois Oscar, a adaptação para o cinema foi feita por John Ford em 1940, com Henry Fonda no papel de Tom Joad. (Editora BestBolso)

Ponte para Terabítia (Katherine Paterson)
De acordo com os censores, os motivos para a proibição são a palavra “senhor” fora de contexto, linguagem ofensiva, e a suposta apologia do livro ao humanismo secular, ao oculto, e ao satanismo. Alguns críticos também alegam que a personagem Leslie não é um bom exemplo, simplesmente porque ela não vai à igreja “.

Jess Aarons, um garoto de 10 anos, passou o verão treinando para ser o campeão de corrida da escola. Na volta às aulas, é ultrapassado por uma aluna nova. Os dois tornam-se grandes amigos, e criam um reino imaginário chamado Terabítia, onde governam soberanos protegidos das ameaças e zombarias da vida cotidiana. Até que um dia, uma fatalidade os separa, e Jess precisa ser forte para enfrentar essa triste realidade.

Esta história foi escrita por Katherine Paterson, e publicada pela primeira vez em 1977, nos Estados Unidos. Ganhou a Medalha Newbery em 1978. A partir da obra que se transformou num clássico da literatura americana, foram criadas duas adaptações para filme. A primeira foi um telefilme de 1985, estrelando Annette O’Toole, Julian Coutts e Julie Beaulieu. A segunda adaptação foi em 2007 e contou com Josh Hutcherson, AnnaSophia Robb e Zooey Deschanel nos papéis principais. (Editora Salamandra)

O Livro Maldito (Christopher Lee Barish)
Aqui no Brasil foi considerado um livro que ensina práticas criminosas, com a Polícia Civil querendo impedir a venda da obra. A publicação foi alvo de uma representação na Justiça para que os exemplares fossem apreendidos no comércio. O livro tem capítulos que ensinam macetes para criminosos, como assaltar bancos e abordar vítimas armado com uma faca.

Existem coisas que você sempre quis fazer, mas nunca teve quem o treinasse ou o ajudasse? Então, O livro maldito é para você. Produza um filme pornô com total planejamento e dedicação da equipe. Entre para a máfia e inicie uma carreira de sucesso, com dinheiro e biscates de sobra pelas ruas da cidade. E, se a situação apertar, falsifique dinheiro em poucas horas e suborne quem for preciso para que tudo fique dentro dos conformes.

E nunca tema. Em qualquer empreitada pelas ilicitudes que você tiver a audácia de se aventurar, O livro maldito jamais o deixará na mão. Caso as coisas não deem muito certo, é fácil se livrar da lei forjando a própria morte, falsificando documentos para culpar outra pessoa ou, em última instância, seguindo as dicas de como fugir da prisão de maneira segura e eficiente. (Editora BestSeller)

Por Fabio Mourão, no Dito pelo Maldito




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