sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Escrever bem é escrever como música: o conselho viral que circula há 30 anos


“Esta frase tem cinco palavras.” Assim começava o texto que o jornalista argentino Axel Marazzi compartilhou no Twitter nesta segunda-feira. Marazzi dizia que nada na sua vida havia lhe ensinado tanto sobre a escrita quanto esses três parágrafos. Dois dias depois, a mensagem havia sido replicada mais de 5.000 vezes.
Trata-se dos três parágrafos muito curtos abaixo, que há anos vêm sendo compartilhados nas redes sociais. Além de pipocar no Twitter, os vemos também no Imgur, Pinterest, Flickr e Tumblr, por exemplo. E alguns blogs e sites sobre escrita, como o Antorquía, o traduziram ao espanhol.
Esta frase tem cinco palavras. Aqui há mais cinco palavras. Usar cinco palavras é legal. Mas várias juntas ficam monótonas. Escute o que está acontecendo. A leitura se torna tediosa. O som começa a zumbir. É como um disco riscado. O ouvido pede mais variedade.

Agora ouça. Vario o comprimento de cada frase, e crio música. Música. A escrita canta. Tem um ritmo agradável, uma cadência, uma harmonia. Uso frases curtas. E uso frases de comprimento intermediário. E às vezes, quando estou certo de que o leitor está descansado, o envolvo com uma frase de comprimento considerável, uma frase que arde com energia e que sobe com todo o ímpeto de um crescendo, do rufar de tambores, do choque dos címbalos – sons que dizem: ouça isto, é importante.
Portanto, escreva com uma combinação de frases curtas, médias e longas. Crie um som que agrade ao ouvido do leitor. Não escreva apenas palavras. Escreva música.

O texto é assinado por Gary Provost, um escritor norte-americano que viveu entre 1944 e 1995. Escreveu livros para jovens, três deles com sua esposa, Gail. Também é autor de livros sobre crimes reais: um dos quais serviu de base para o telefilme Fatal Judgement (1988).

Mas o fragmento de que estamos falamos foi extraído de 100 Ways To Improve Your Writing (“100 maneiras de melhorar sua escrita”), publicado em 1985. É um das seis manuais de escrita que Provost publicou em vida.

Os 100 conselhos de escrita são distribuídos em 10 capítulos. Neles se fala sobre erros gramaticais e de pontuação. Também se ensinam alguns métodos para evitar que o leitor nos odeie, e são dadas recomendações para que os leitores sejam fisgados pelo texto desde o começo. Aliás, a primeira frase do livro é um bom exemplo de início poderoso: “Este livro vai ensinar você a escrever bilhetes de sequestro melhores”. Em seguida esclarece que também serve para escrever livros, artigos, sermões, canções, trabalhos escolares e até listas de compra.

O fragmento que é compartilhado há anos na Internet tem como título “Varie o comprimento das frases”. É a quarta recomendação do quinto capítulo, no qual Provost explica 10 formas de desenvolver seu estilo.

No texto original são só dois parágrafos em vez de três (o primeiro vai até “é importante”). Mas isso provavelmente não importaria a Provost, porque o livro também recomenda o uso de parágrafos curtos – é o terceiro conselho do quarto capítulo (“Como poupar tempo e energia”).

Nem todos os conselhos são escritos de forma tão engenhosa, claro: são na maioria propostas mais ortodoxas, num estilo muito claro e direto. Mas há um ou outro trecho semelhante. Por exemplo, o segundo conselho do décimo capítulo, “evite os clichês”:

Clichés are a dime a dozen.
If you’ve seen one, you’ve seen them all. They’ve been used once too often. They’ve outlived their usefulness. Their familiarity breeds contempt. They make the writer look as dumb as a doornail, and they cause the reader to sleep like a log. So be sly as a fox. Avoid clichés like the plague. If you start to use one, drop it like a hot potato. Instead, be smart as a whip. Write something that is fresh as a daisy, cute as a button, and sharp as a tack. Better safe than sorry.

Naturalmente, tudo aqui é um tremendo lugar-comum. Tento traduzir:

Clichês são carne de vaca. Se viu um, viu todos. Já foram usados demais da conta. O prazo de validade deles venceu. Eles são um arroz de festa. Por causa deles o escritor parece burro feito uma porta, e o leitor dorme a sono solto. Então, seja astuto feito uma raposa. Fuja dos clichês como da peste. Se você sentir que vai usar um, caia fora; é uma batata quente. Fique esperto! Escreva algo que seja fresco como a rosa, lindo de morrer, e ardido feito pimenta. É melhor prevenir do que remediar.

Esta recomendação recorda a lista de conselhos irônicos que, em diferentes versões, circula pelo menos desde os anos 1970. Ela recomenda “ser mais ou menos específico” e evitar os exageros, porque “exagerar é um milhão de vezes pior do que minimizar”. A versão de William Safire diz, com relação aos lugares comuns: “Finalmente, mas não menos importante, fuja dos clichês como da peste. Eles são mais velhos que Matusalém. Procure alternativas viáveis”.

Provost também recomenda o uso ocasional de citações, num texto que começa assim:

As citações conhecidas – escreveu Carroll Wilson no prefácio a um livro de citações – são mais que conhecidas, são parte de nós.

Um último conselho de Provost que também vale a pena ler é o que fecha o livro: “Use o bom senso”. Ele recorda que “escrever é uma arte, não uma ciência, e quando termino um texto não reviso cada um de meus conselhos. Eu me pergunto se comuniquei bem o que queria dizer, se os meus leitores gostaram, se lhes dei algo agradável de ler. Eu os diverti, informei, persuadi ou deixei claras as minhas ideias? Dei a eles o que queriam? E estas são as perguntas que você deveria se fazer sobre tudo o que escrever”.
Jaime Rubio Hancock, no El País
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