segunda-feira, 31 de março de 2014

Embriagar-se de Cora


"Minha querida amiga Cora Coralina: Seu "Vintém de Cobre" é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia.” Carlos Drummond de Andrade

NÃO SEI...

Não sei... se a vida é curta...

Não sei...
Não sei...

se a vida é curta
ou longa demais para nós.

Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,
olhar que sacia,
amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo:
é o que dá sentido à vida.

É o que faz com que ela
não seja nem curta,
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira e pura...
enquanto durar


Um simples poema e eis Cora Coralina discorrendo e revelando os mais profundos mistérios da vida. Num mundo tão conturbado, onde os valores tornam-se descartáveis e os princípios démodé, é sempre bom lembrar que a vida deve ter um sentido que não se restrinja à concorrência insana, a disputa aguerrida, o angustiante embate por espaço, poder, dinheiro, status...

Num mundo tão veloz e conturbado, é sempre bom lembrar que, rigorosamente ao lado, às vezes compartilhando a mesma sala, estão homens e mulheres, velhos e crianças com sonhos e expectativas, desejos e esperanças, e que ignoramos por completo em nossa pressa de cumprir tarefas e compromissos. Pior, quantas vezes não são instrumentalizados, utilizados tão somente como trampolim, escada e massa de manobra?

Cora Coralina já em 1903 preocupava-se com este tipo de coisa. Nasceu em 1889 e foi encantar em abril de 1985.

Em 96 anos de vida, gerou seis filhos, quinze netos e 19 bisnetos. O açúcar que lançava aos doces que diligentemente fazia, lançava também às letras, daí a densa obra literária, doce e singela como mel.

Quem melhor que Cora para definir Coralina?

Todas as Vidas

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,
sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida -
a vida mera
das obscuras!


A vida torna-se insossa, insípida e inodora se não conseguimos tocar o coração das pessoas. E só é possível ser colo, braço, palavra, silêncio, alegria, lágrima, olhar e amor se, como Cora, conseguirmos resgatar valores como a solidariedade e a humildade.

É a chave da imortalidade, como revela neste poema:

Eu Voltarei

Meu companheiro de vida será um homem corajoso de trabalho,
servidor do próximo,
honesto e simples, de pensamentos limpos.

Seremos padeiros e teremos padarias.
Muitos filhos à nossa volta.
Cada nascer de um filho
será marcado com o plantio de uma árvore simbólica.
A árvore de Paulo, a árvore de Manoel,
a árvore de Ruth, a árvorede Roseta.

Seremos alegres e estaremos sempre a cantar.
Nossas panificadoras terão feixes de trigo enfeitando suas portas,
teremos uma fazenda e um Horto Florestal.
Plantaremos o mogno, o jacarandá,
o pau-ferro, o pau-brasil, a aroeira, o cedro.
Plantarei árvores para as gerações futuras.

Meus filhos plantarão o trigo e o milho, e serão padeiros.
Terão moinhos e serrarias e panificadoras.
Deixarei no mundo uma vasta descendência de homens
e mulheres, ligados profundamente
ao trabalho e à terra que os ensinarei a amar.

E eu morrerei tranqüilamente dentro de um campo de trigo ou
milharal, ouvindo ao longe o cântico alegre dos ceifeiros.
Eu voltarei...
A pedra do meu túmulo
será enfeitada de espigas de trigo
e cereais quebrados
minha oferta póstuma às formigas
que têm suas casinhas subterra
e aos pássaros cantores
que têm seus ninhos nas altas e floridas
frondes.

Eu voltarei...


E a necessidade de desobstruir os caminhos e recomeçar sempre que necessário:

Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.


Como escreve Drummond, Cora pertence à humanidade.



Antônio Carlos dos Santos é engenheiro, escritor, criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br

quinta-feira, 27 de março de 2014

A culpa é do gênio ou do gago?

 
À medida que passa o tempo, vai se tornando mais difícil a interação entre as pessoas. Apesar da era contemporânea disponibilizar técnicas e ferramentas, processos e tecnologias de comunicação mais eficazes, o homem, ao contrário de se expandir em direção ao outro, procura o isolamento, confina-se numa redoma hermética e indevassável. Ensimesmado, parece querer buscar na extremada auto-suficiência a massa vedante que permitirá deixar-se só, obstruir qualquer possibilidade de inserção e convivência social.

Manter-se o mais distante possível de seu próximo, ao que parece, tem sido o paradigma maior das sociedades globalizadas. Daí os muros de concreto e cercas eletrificadas, os sistemas de segurança monitorados eletronicamente, os momentos de convívio social cada vez mais efêmeros e voláteis, e a onipresença da televisão – o olho totalitário - companhia inseparável de nosso infortúnio coletivo.

Este sistema prisional constituído por uma parafernália tecnológica desenvolvida para nos manter ‘seguros’ em nossas residências, escolas e locais de trabalho, é internalizado na parte mais profunda de nosso subconsciente, fazendo emergir todo tipo de bloqueios em nossas relações interpessoais, obstruindo canais, enclausurando possibilidades, encarcerando numa masmorra invisível a perspectiva de um diálogo que se expresse intenso e liberto.

A pressão e o estresse da vida contemporânea, a depressão que se tornou estigma nesta virada de século, a violência brutal intrínseca do modelo excludente de desenvolvimento contribui, acentuadamente, para que todos se evitem mutuamente. Por outro lado, a opção por um sistema social altamente competitivo – originado ainda no berço, que perpassa a infância, a adolescência, a juventude, até chegar às fases adulta e senil, exigindo figurarmos sempre à frente, destacando como os melhores em tudo – desemboca em um estado de permanente insatisfação, perene desequilíbrio, contínua irritação, cenário de clima sempre hostil e tempestuoso, propício para o afloramento do que de pior existe na personalidade humana: inveja, vaidade, ganância e frivolidades, vezes dissimuladas, mas invariavelmente presentes no nosso cotidiano.

Nesse contexto, têm mais espaço e adeptos o ressentimento, o ódio e o rancor do que a admiração, o amor e o carinho. Tudo isso em caótica ebulição, fermenta e produz um caldo espesso, denso, que atua como uma barreira inibidora, uma muralha de ferro e granito a obstruir o processo de interação entre as pessoas.

A partir daí, muito pouco resta: um pântano sombrio e nauseabundo como cenário do ato de conversar, dialogar, entabular a prosa, conviver.

Mesmo nos encontros e reuniões em que participam pessoas preparadas, habilitadas à convergência, os mal-entendidos se manifestam generalizadamente, exigindo que a mesma coisa seja dita inúmeras vezes, de diferentes maneiras, para que sejam compreendidas.

Um pré-requisito indispensável à boa conversação é o planejamento, é pensar com antecedência sobre o quê, para quem e como dizer, contextualizando os objetivos que pretendemos atingir. Nesse processo, táticas e estratégias devem ser elaboradas para que as metas traçadas sejam plenamente alcançadas.

Rodoux Faugh afirma que "a comunicação é a forma mais sublime de amar", e Chacrinha, o Velho Guerreiro, popularizou a importância do processo de emissão, transmissão e recepção de mensagens com o premonitório jargão televisivo “quem não comunica se estrumbica”.

Às vezes a responsabilidade pelo fracasso da interlocução cabe ao emissor, que não sabe se expressar ou o faz de forma inadequada e por isso ineficaz.

É o caso do náufrago gago que teve o órgão sexual inteiramente arrancado pela mordida do tubarão. Quando, numa ilha deserta, tirou a rolha da lâmpada mágica, fez ao Gênio o primeiro de seus três pedidos:

– Eu ... eu ... eu ero um aralho.

E o gênio, obediente, deu de presente um baralho. Apreensivo, o Gago fez o segundo pedido, procurando agora ser mais claro:

– Eu ... eu ... eu ero um into.

No estalar dos dedos o Gênio fez aparecer, do nada, um cinto, e o fixou entre as pernas do náufrago. Já desesperado por ter desperdiçado dois pedidos, o sobrevivente gago solicitou seu último desejo. Com a voz trêmula, mas bem compassada, suplicou:

– Eu ... eu ... eu ero um ênis.

E de uma nuvenzinha de fumaça o Gênio da lâmpada tirou um tênis e o deu como o derradeiro desejo do infeliz que não se fazia entender.

Ao conversarmos é necessário que a mensagem chegue ao destino sem distorções. Para isso importa dar à voz tonalidade apropriada, volume, timbre e ritmo adequados, sem nos descuidarmos da pronúncia. Porém esse conjunto de condicionantes não é suficiente.

Num diálogo eficaz em que os interlocutores se sintam satisfeitos, o respeito mútuo deve ser o primeiro axioma. Significa que as pessoas devem se situar no mesmo patamar, no mesmo nível, sem que ninguém se coloque acima ou abaixo, mas todos se ombreando lado a lado. Esse princípio gera um conforto que acentua o compromisso das pessoas com o que está sendo pactuado. Postura arrogante e autoritária, pretensiosamente superior, conduz quando muito ao monólogo, às vias de mão única, à harmonia e paz dos cemitérios...

Quando se trata dos conteúdos, dos assuntos a serem tratados, é preciso abordá-los com profundidade e segurança. Não existe nada pior que discussão superficial que apenas tangencie as questões. Abordagens pobres levam os interlocutores à mediocridade, forjando relacionamentos banais, mesquinhos, vulgares. Navegar com profundidade nos assuntos é um sinal de respeito ao outro e a nós mesmos. Isso se traduz em municiar-se do maior número de dados e informações, selecionar as importantes, apresentá-las de forma objetiva, certificando-se anteriormente da sua exatidão e procedência. Na discussão é preciso também discernir entre o que é essência e o que é acessório, fixando-se nos fundamentos do assunto. É que muitas vezes o que reluz nas discussões é o acessório, a trivialidade, ofuscando e encobrindo as partes que de fato importam. Portando iluminar as partes mais relevantes dos conteúdos é uma etapa importante do processo.

A boa ordenação dos conteúdos não pode ser deixada de lado. A organização, a forma de melhor subordinar e hierarquizar os itens abordados enseja a construção de um raciocínio lógico consistente.

Mas tudo isso pode cair por terra se não adotarmos uma linguagem correta, clara e expressiva, no sentido de encantar o interlocutor. E nesse sentido o fecho final, a conclusão que damos à nossa intervenção é fundamental. É como uma orquestra sinfônica executando uma ópera ou uma peça musical clássica. Toda a construção melódica vai sendo conduzida num crescendo até chegar – ao final – à apoteose, quando músicos e platéia como que explodem em satisfação e aplausos.

Esses procedimentos deveriam ser, com especial interesse, adotados por nossos professores – formais e informais. Uma conversa ocorrida na informalidade de um cafezinho pode educar mais que uma aula convencional. Mas a liturgia de uma aula tradicional tem a responsabilidade de gerar resultados, a obrigação de ensinar, e bem! Os professores formais têm a obrigação de tornar suas mensagens atrativas, plenamente compreendidas. É o mínimo que se espera de nossos mestres. Essa é uma boa forma de avaliar o desempenho de nossos professores. Quando o aluno é reprovado, a responsabilidade nem sempre é do estudante.

Mas quem carrega o fardo do fracasso é tão-somente o aluno. Vivemos em nossas escolas uma realidade por demais injusta e que deve, de imediato, ser alterada. Mesmo ante e existência de um exército de gagos que acreditam ser do gênio a culpa por não terem seus desejos atendidos.

Artigo de Antônio Carlos dos Santos publicado na Revista Bula e no portal da Associação dos Professores de São Paulo. acs@ueg.br

quarta-feira, 26 de março de 2014

PEC para criação do Conselho Nacional de Combate à Corrupção


Meus queridos, a Câmara dos Deputados discute Proposta de Emenda à Constituição cujo objetivo é criar o Conselho Nacional de Combate à Corrupção. Mais burocracia? Pode ser que não, vamos ver... a sociedade se mobilizando adequadamente, pode ser mais um instrumento à disposição da ética na aplicação dos recursos públicos.
Pelo que consta na proposta em apreciação na casa legislativa, a PEC 362/13, os conselheiros, em número de 15, terão mandato de dois anos, admitida uma recondução.
Resumidamente:
  • o Conselho terá representantes de diversos setores da sociedade, incluindo os três poderes, órgãos de controle, entidades de classe, movimentos sociais, etc.;
  • os integrantes serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal;
  • Algumas das atribuições do conselho:
§ prevenir, detectar, punir e erradicar as práticas corruptas;
§ receber e conhecer as denúncias de corrupção;
§ combater a corrupção eleitoral;
§ garantir proteção para proteger servidores públicos e cidadãos que denunciarem de boa-fé atos de corrupção, inclusive a proteção de sua identidade; etc...
Pelos levantamentos da ONG Transparência Internacional, o Brasil ocupa a 69º posição no ranking mundial de corrupção entre 176 países.
Já escrevi e postei aqui, no Blog, muita coisa sobre essa chaga que achincalha e humilha o país.
Por oportuno, reproduzo, agora, um desses textos:
Sobre corrupção & saúvas
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(...)
Humilhas, avanças, provocas, agrides, espancas, torturas, aprisionas indefesos – e quem bate e violenta é a tropa de choque?
Te tornaste carne, sexo e prostituta de incubo de Saturno –
e ensandecidamente acusas o outro de estupro? (...)

Leia o poema Uma oração para canalhas clicando aqui.

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Sobre corrupção & saúvas

O vigor de uma democracia está umbilicalmente vinculado à sua capacidade de resistir e nocautear a corrupção. O costume de avançar sobre o patrimônio coletivo e o erário público vem de longa data, se confundindo, às vezes, com a própria trajetória da humanidade.

E apesar das medidas draconianas historicamente adotadas em defesa da coletividade, não obstante as enérgicas medidas para punir autoridades embaladas pela corrupção, este tipo de crime não arrefece, e recrudesce entre nós qual o pior tumor maligno. Geração após geração este mal vai se perpetuando nas diferentes culturas nacionais.

A aplicação da pena capital, das mais duras punições – invariavelmente acompanhadas de exposição e humilhação pública - não tem sequer amenizado a intensidade da grave hemorragia, que lança fora, para o latão de lixo, o melhor das forças, das energias de um povo, de uma nação.

Platão - discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles - já fazia referência à corrupção em uma de suas obras, “As Leis”, o mais longo e complexo diálogo do filósofo fundador da ‘Academia’. Ensinava aos seus discípulos os marcos da moral e da ética, recomendando a “desgraça” para todos os que aceitassem suborno e propina.

Na antiga Atenas não havia espaço para tergiversação e, pelo menos na escrita, a pena se mostrava severa: autoridade corrupta flagrada com a boca na botija tinha cassada a cidadania, sem mais possibilidade de participar e atuar nas instituições estatais. Seus direitos políticos eram de todo extirpados.

Não era exceção em Atenas a utilização da pena capital quando se tratava de punir o crime de corrupção. Como sempre existem os abençoados, os ungidos pela sorte, alguns condenados eram alcançados por penas mais leves como o exílio e o desterro. Demóstenes, por exemplo, que viveu no século III a.C. tornou-se uma liderança política importante e bastante popular. Grande orador ganhou farta projeção no seu tempo. Todavia, os predicados intelectuais - tão cultuados à época - não foram suficientes para mantê-lo distante da corrupção. Pois bem, por se deixar hipnotizar pelo que acreditava ser o doce canto da sereia, por suborno, foi obrigado a pagar uma multa de 50 talentos. Essa quantia hoje equivale a, nada mais, nada menos, que US$ 20 milhões.

Também no Império Bizantino não havia contemporização: as autoridades corruptas eram execradas publicamente e a punição mais comum consistia em cegá-las. E muitas eram ainda castradas. Não bastasse, em prosseguimento aos rituais de castigos, eram submetidas a sessões de açoite, tinham todo o patrimônio confiscado e, nessas condições, eram deportadas.

O primeiro código legal da República Romana, a Lei das Doze Tábuas, era claro, direto e inflexível: os juízes que aceitassem propina receberiam pena máxima, a pena capital, a punição com a morte.

Essa rápida incursão pela história demonstra o quão difícil e complexo é combater a corrupção. Enganam-se os que imaginam tarefa simples e trivial. Mas, sem dúvidas, penas rigorosas e a certeza da punição contribuem substancialmente para debelar o problema.

No Brasil, tornou-se vala comum – sobretudo quando as crises se acentuam – recorrer à elaboração de novas normas, novas leis, clamar aos quatro ventos por reformas e novo ordenamento jurídico. Muitos parlamentares chegam a se vangloriar por quebrarem recordes de apresentação de projetos de lei. Orgulhosos, divulgam esses números como sinal de produtividade. É como uma medalha honorífica, um heróico amuleto pendurado no pescoço.

É evidente que criar leis simplesmente não resolve problema algum. Nunca foi solução e jamais será. A questão central é saber como implementá-las, como torná-las eficazes; como fazê-las emergir das páginas mortas e empoeiradas dos compêndios para o cotidiano, a vida concreta, o dia a dia das pessoas. E nesse contexto a pergunta que não quer calar, que não sai da ordem do dia: o judiciário brasileiro funciona? Entre duas alternativas, escolha uma: é uma instituição que pune os culpados ou um poder omisso que corrobora com o perverso clima de impunidade que grassa entre nós?

Numa democracia de verdade, os três poderes devem ser fortes e independentes. Quando algum não funciona ou funciona mal, é a nação que padece e agoniza, é o país que se torna refém de políticos populistas que se embriagam no clientelismo e no fisiologismo, os irmãos siameses da corrupção. Sim, porque a corrupção se alimenta, sobretudo, da burocracia, do excesso de fluxos, trâmites e regulamentações que descortinam caminhos para o desvio do dinheiro público; porque a corrupção se nutre de servidores mal remunerados, sempre propensos a serem comprados pelo vil metal.

No mundo desenvolvido já se consolidou um posicionamento para enfrentar este grave problema. Existe certa unanimidade quanto as condicionantes capazes de estancar o câncer que corrói e deteriora todas as forças da pátria.

A primeira é a vontade política, uma firme e inamovível decisão de enfrentar com altivez o problema, de arregimentar forças e energias para vencer este inimigo fatal.

Tão importante quanto a vontade política é o investimento na educação, a segunda condicionante. É uma tecla já gasta, por demais batida, mas de todo imprescindível. A educação é o instrumento capaz de dotar os cidadãos do poder de identificar seus problemas, processá-los com sabedoria e solucioná-los com eficácia. Mas aqui não pode haver contemporização com a ‘boquinha’, o ‘levar vantagem em tudo’. Desde a creche nossas crianças devem ser mergulhadas em brincadeiras e conteúdos que remetam à ética, ao senso de honestidade enquanto valor. A educação é o mais seguro abrigo para nossos sonhos e esperanças.

E finalmente, a terceira condicionante: a transparência. Os dados e informações sobre as ações, os projetos e os programas governamentais devem estar disponíveis de forma ampla, massiva e irrestrita. E agências independentes devem auditar os gastos públicos como um processo rotineiro, como parte indissociável dos fluxos operacionais.

Como se percebe, é tarefa das mais hercúleas. Combater a corrupção implica em modernizar instituições, golpear de morte a burocracia, qualificar pessoas e processos. Isto demanda recursos orçamentários e financeiros, e não de pouca monta. Ficar só no discurso, no proselitismo, no blá-blá-blá ajuda tão somente a angariar votos, mas nenhum auxílio, nenhuma contribuição trás para a solução do problema.

Houve um tempo em que os campos brasileiros - infestados por voraz praga - estavam fragilizados e a agricultura nacional ameaçada. A nação então cerrou fileiras em torno de uma palavra de ordem: ‘O Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil’.

Sabemos nos dias que correm o tipo de saúva que ameaça os sonhos, as esperanças e as oportunidades de todos os brasileiros. Não seria exagero, tomando o bordão por empréstimo, alertar: ‘O Brasil acaba com a corrupção ou a corrupção acaba com o Brasil’.

Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br

Mas existem outros textos sobre este indecoroso assunto. Para os que se interessarem, basta clicar nos títulos abaixo:

Artigos sobre ‘corrupçao”
Um abrigo para nossos sonhos e esperanças
Nem tudo termina em pizza
Quando a cadeia resta como única alternativa
Para auferir coisa alguma
Sobre Lobos & Cordeiros
É muito? Não, não é. É apenas o mínimo.
Mais verbas ou mais gestão?
Sobre cegueiras e oportunidades
A cartilha que ninguém deveria desejar
Prisioneiros da idade média

 

 

terça-feira, 25 de março de 2014

Padre Vieira (1608 - 1697)

“Quando o semeador do Céu deixou o campo, saindo deste Mundo, as pedras se quebraram para lhe fazerem aclamações, e os espinhos se teceram para lhe fazerem coroa. E se a palavra de Deus até dos espinhos e das pedras triunfa; se a palavra de Deus até nas pedras, até nos espinhos nasce; não triunfar dos alvedrios hoje a palavra de Deus, nem nascer nos corações, não é por culpa, nem por indisposição dos ouvintes.

Supostas estas duas demonstrações; suposto que o fruto e efeitos da palavra de Deus, não fica, nem por parte de Deus, nem por parte dos ouvintes, segue-se por consequência clara, que fica por parte do pregador. E assim é. Sabeis, cristãos, porque não faz fruto a palavra de Deus? Por culpa dos pregadores. Sabeis, pregadores, porque não faz fruto a palavra de Deus? -- Por culpa nossa.”

Trecho do Sermão da Sexagésima

Biografia
Sermões, na íntegra
Cartas do Brasil, na íntegra
Site comemorativo ao ano vierino (IV Centenário de Vieira)

segunda-feira, 24 de março de 2014

Criatividade & dramaturgia


“E por essa razão Deus arrebata o espírito desses homens (poetas) e usa-os como seus ministros, da mesma forma que com os adivinhos e videntes, a fim de que os que os ouvem saibam que não são eles que proferem as palavras de tanto valor quando se encontram fora de si, mas que é o próprio Deus que fala e se dirige por meio deles”.Platão

Na antiguidade grega, a criatividade tinha origem na divindade.
Tempos depois, a sociedade passou a vincular criatividade à loucura e à genialidade.

Nas ciências contemporâneas, a criatividade está associada à capacidade de solucionar problemas complexos, ou problemas não triviais.

Nas artes, a criatividade se vincula à capacidade de engendrar o belo, o plástico, o lúdico, o inusitado, o provocante e surpreendente, a solução inteligente e instigante, o que encanta a alma e o espírito.

Escrever um texto exige boa dose de criatividade.

É necessário desbloquear a mente, soltar as amarras, dar asas à imaginação.

Há que se ter pré-disposição para dar guarida às boas idéias que, às vezes, de forma inesperada, rompem intempestivamente em nossa mente. As boas idéias não têm hora e nem lugar para chegar. Geralmente elas não se anunciam. É prudente ter sempre ao alcance da mão, caneta e papel. Ocorrendo a idéia, não podemos permitir que escape como areia esvaindo dentre os dedos. O procedimento adequado é anotá-la resumidamente num bloco de notas, para depois – quando oportuno e possível – desenvolvê-la convenientemente.

Não raro, a idéia irrompe no meio do sono, ou durante uma reunião importante, um jantar,... Sendo assim, não hesite em registrá-la para posterior análise e tratamento.

A criatividade está vinculada ao surgimento de uma idéia.

O termo idéia provém do grego “idein”, e significa “ver”.

Eis aí então o caminho das pedras. Para termos criatividade, para desenvolver boas idéias, devemos aprimorar nossa capacidade de ver, de enxergar o que – muitas vezes – está bem à frente, mas que por um motivo ou outro, não conseguimos perceber.

Quantas vezes, ao deparar com uma brilhante solução dada por uma outra pessoa, nos surpreendemos indagando: “como é que eu não vi isto antes?”; “Como não fui ter esta idéia?”; “É tão simples, tão óbvio, como fui obtuso!”.

Neste contexto, mudar a forma como observamos as pessoas e a realidade é fundamental.

O primeiro desafio é saber o que escrever. Definir um tema candente, instigante, interessante, depende de sensibilidade, observação e experiência. Aqui, tratamos dos conteúdos, da comunicação de nossas idéias. Superada esta fase, tratamos do desafio seguinte: como escrever, como elaborar um texto da forma mais adequada para que a idéia ganhe em clareza e expressividade.
A observação está na gênese do processo criativo. Para ter boas idéias, para criar, devemos olhar as coisas de um modo diferente, um modo que limpe a imagem, que a torne mais clara.

Os artistas têm formas diferentes para estimular a criatividade e atrair boas idéias. Alguns gostam de mergulhar em uma boa música, outros preferem relaxar, deixar o pensamento vagar. Muitos desenvolvem suas idéias a partir da observação da realidade ou da observação de outras obras de arte: uma pintura, um filme, um livro,...

Moacyr Scliar escreveu dezenas de livros publicados em inúmeros países. Veja como se manifestou sobre este assunto:

“As idéias para os livros vêm da cabeça da gente, claro, elas não surgem do ‘espaço’. Mas a gente pode imaginar a cabeça como uma casa. Nela, há uma parte em que agente sempre está (a cozinha, o living...) e aí estão as idéias que temos todos os dias, sobre como preparar um sanduíche, por exemplo. Mas na casa também existe uma espécie de porão no qual raramente entramos, que está cheia de coisas estranhas e fascinantes. As idéias para os livros vêm daí, deste porão: de vez em quando a portinhola se abre, vamos lá e descobrimos idéias surpreendentes”.

De igual modo, para escrever necessitamos de inspiração. Continuemos com Scliar:

"Acredito, sim, em inspiração, não como uma coisa que vem de fora, que ”baixa" no escritor, mas simplesmente como o resultado de uma peculiar introspecção que permite ao escritor acessar histórias que já se encontram em embrião no seu próprio inconsciente e que costumam aparecer sob outras formas — o sonho, por exemplo. Mas só inspiração não é suficiente".

É necessário saturar nossos sentidos não com a imagem e o som veiculados pela mass mídia. Mas com aqueles oriundos das expressões culturais de nossa gente. E isto é tarefa árdua, titânica, porque o que hoje se apresenta como cultura popular, quase sempre, está impregnada dos valores ideológicos dos setores dominantes, das classes privilegiadas.

Quanto mais lemos bons livros, quanto mais freqüentamos o teatro e o cinema, quanto mais visitamos museus e instalações, quanto mais nos debruçamos sobre a arte e suas manifestações, quanto mais refletimos sobre a realidade, mais aprimoramos nosso senso de observação e, conseqüentemente, mais nos abrimos à criatividade, ao advento de novas idéias, à compreensão de que este processo demanda esforço e determinação, componentes de todo fundamentais à dramaturgia.

Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br

sexta-feira, 21 de março de 2014

Não matem Sakineh


Aqui, e leia um post que publiquei no dia 2 de agosto de 2010.



Não se omita!!! Ajude a libertar Sakineh

Sakineh Mohammadi Ashtiani, mãe iraniana, pode ser executada a qualquer momento.

9 de julho de 2010: Mohammad Mostafavi, advogado de Sakineh Ashtiani, disse à AFP:"ainda não fui informado de qualquer suspensão da sentença. Minha cliente continua na prisão." Uma mulher iraniana encara a morte após ser torturada por um suposto adultério.
E, aqui, um outro post, agora um texto da lavra de Gaudêncio Torquato, que publiquei seis dias depois, no dia 8 de agosto de 2010..

Não matem Sakineh
De Gaudêncio Torquato - O Estado de S.Paulo

Sakineh Mohammadi Ashtiani, de 43 anos, mãe de dois filhos, aguarda o momento de ser enterrada até o pescoço e apedrejada. Condenada pelo artigo 83 do Código Penal do Irã (Lei de Hodoud), que prescreve a lapidação por adultério, a iraniana da etnia azeri confessou sob chicote ter mantido relações ilícitas. Das cem chicotadas preconizadas pela sharia (lei), recebeu "apenas" 99 por "senso humanitário" do juiz. No sábado 31/7, Luiz Inácio, amigo do líder do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, foi impelido a sugerir, em praça pública, a acolhida da condenada entre nós. Depois da decisão de colocar o Brasil, juntamente com a Turquia, na defesa do programa nuclear do Irã, nosso presidente não esperava receber o troco em forma de deboche: "Pessoa humana e emotiva, que provavelmente não recebeu informações suficientes sobre o caso." Entre a humanidade do juiz, dispensando a última chicotada em Sakineh, a da Corte Suprema, que pode demonstrar "sensibilidade" e transformar o apedrejamento em enforcamento, e o toque sentimental de Lula, em seu esforço para evitar o "açoite" sobre o Irã, materializado em sanções impostas pela ONU àquele país, desenrola-se o fio de concepções relativas sobre vida, culturas e sistemas políticos.
Pois, leiam abaixo, caros amigos, matéria que extraí do jornal O globo.

MUNDO
IRÃ DIZ QUE MULHER CONDENADA A APEDREJAMENTO FOI LIBERTADA
O Globo

Sakineh Mohammadi Ashtiani (foto abaixo), a iraniana que ficou famosa mundialmente após ser condenada à morte por apedrejamento por adultério foi autorizada a deixar a prisão, de acordo com um porta-voz do Judiciário do país.
Em uma nova reviravolta no caso — a pena de Sakineh já sido alterada para 10 anos depois de críticas ao governo iraniano — o porta-voz revelou que a mulher tinha deixado a prisão há várias semanas por bom comportamento. Ele afirmou, sem entrar em detalhes, que a decisão foi um sinal de “clemência da nossa religião com as mulheres”.

Ashtiani, que tem dois filhos, foi condenada por adultério e cumplicidade no assassinato de seu marido em 2005. Um ano depois, um tribunal lhe deu a sentença de apedrejamento até a morte. A campanha movida pelos seus dois filhos resultou no adiamento de sua execução iminente, em julho de 2010, mas a pena de morte não foi suspensa.

 

quinta-feira, 20 de março de 2014

Minha Casa, meu voto


Deu em O Estado de S.Paulo

Contempladas pelo programa Minha Casa, Minha Vida, cerca de 400 famílias de Pacatuba, na região metropolitana de Fortaleza, esperam há um mês pelas chaves de suas casas, que já estão prontas. O motivo do atraso, como mostrou reportagem do Estado, retrata bem o lado eleitoreiro do programa: de acordo com as autoridades locais, será preciso aguardar a inauguração oficial do empreendimento, que será realizada pela presidente Dilma Rousseff - mas só quando ela encontrar um tempinho em sua agenda.
Uma das beneficiárias do programa no Ceará disse que está contando "as horas, os minutos e os segundos" para finalmente receber as chaves. "Vou lá todo dia só para ficar olhando minha casa novinha. Fico olhando do lado de fora um tempão", disse ela, revelando o absurdo da situação.

O prefeito de Pacatuba, José Alexandre Alencar (PROS), disse que "a agenda da nossa chefe maior é uma loucura", porque Dilma "tem muita coisa para fazer no Brasil e no mundo", razão pela qual "está difícil conciliar" (a agenda) com a inauguração de um conjunto habitacional na Grande Fortaleza. Alencar, cujo partido é da base aliada da presidente, disse que até já foi a Brasília pedir que a inauguração fosse antecipada, mas a previsão é que a "festa", como disse o prefeito, só aconteça no mês que vem.
Outra beneficiária do programa sugeriu que os moradores recebessem logo as chaves, deixando a inauguração para quando a presidente estivesse disponível. "Ela poderia deixar a gente entrar na casa e depois, quando desse, viria nos visitar", disse a moradora. "A gente teria o prazer de receber a presidente dentro de casa, com tudo arrumadinho, com os móveis no lugar." A singeleza dessa mãe de três filhos pequenos deveria bastar para que a presidente deixasse de pensar apenas em sua reeleição e autorizasse logo a entrega das chaves, sem a necessidade da fanfarra palanqueira.

Se Dilma fizesse isso, no entanto, não seria Dilma, pois cada ato de seu governo, cada segundo de sua agenda de compromissos, cada palavra destrambelhada que ela pronuncia são milimetricamente ajustados para caber no esforço da campanha eleitoral. Enquanto isso, a prefeitura de Pacatuba se desdobra para explicar às famílias beneficiadas que a responsabilidade pelo atraso na entrega das casas é do governo federal.
"Precisamos entregar essas casas, todo mundo está cobrando e tem gente que acha até que o nome foi retirado da lista de beneficiados", disse Elisangela Campos, secretária de Assistência Social do município. "Se ela (Dilma) puder vir, vai ser uma honra; caso contrário, ela poderia mandar um representante." Mas a presidente, que usa essas inaugurações para tirar fotos com eleitores e fazer discursos de campanha, certamente não delegará essa tarefa a terceiros.

O Minha Casa, Minha Vida tornou-se o retrato perfeito de um governo que promete o paraíso e entrega, no máximo, o purgatório. Principal vitrine eleitoral de Dilma, o programa há tempos coleciona denúncias de irregularidades e problemas de infraestrutura nos imóveis.
Há casos comprovados de aparelhamento pelo PT, num esquema em que quase todos os projetos aprovados na cidade de São Paulo foram apresentados por entidades dirigidas por filiados ao partido, que privilegiam petistas na seleção de candidatos ao financiamento. Além disso, o Tribunal de Contas da União já verificou sinais de fraudes na inscrição de milhares de beneficiários, que teriam apresentado um perfil de renda inferior ao real para se adequarem ao programa. E há o problema da qualidade das casas. Abundam reclamações de moradores, Brasil afora, sobre rachaduras, vazamentos e infiltrações - em muitos casos, os problemas aparecem apenas alguns meses depois que Dilma entrega as chaves.

Não se questiona a importância dos programas de habitação e de urbanização. Ao contrário: o investimento ainda é tímido ante as necessidades do País. É por isso mesmo que esse tema deveria ser tratado com muito mais responsabilidade, e não como mero ativo eleitoral, como tem feito a presidente.

 

quarta-feira, 19 de março de 2014

Para os que se deleitam atirando a primeira pedra


Meus queridos, a seguir, notícia que extraí do portal G1, e logo depois, artigo que escrevi a respeito.

STJ condena SBT a pagar indenização no caso Escola Base
Em 1994, donos de escola foram alvos de acusações de abuso sexual.
STJ mandou pagar R$ 100 mil a cada um dos ex-donos e a ex-motorista.


Do G1, em Brasília
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou a emissora SBT a pagar indenização por danos morais a dois ex-donos da Escola Base e a um ex-motorista, no valor de R$ 100 mil para cada um. A decisão foi publicada no dia 11 de fevereiro e divulgada nesta quarta-feira (19). Ao G1, o SBT disse que entrou com recurso.

O episódio ocorreu em 1994 em uma escola infantil no bairro da Aclimação, em São Paulo, e ficou conhecido como caso Escola Base. Após denúncia de duas mães sobre supostos abusos sexuais cometidos pelos donos da escola e funcionários contra seus filhos, que tinham à época 4 anos de idade, a imprensa passou a divulgar as acusações. O inquérito, entretanto, acabou arquivado por falta de provas.

Os ministros entenderam que os ex-donos da escola tiveram a honra atingida pelas reportagens que continham acusações sem provas. A escola teve instalações destruídas e fechou as portas - segundo o STJ, isso ocorreu em consequência das reportagens. Os acusados foram ameaçados de morte.

No caso do SBT, os ex-donos da escola e o ex-motorista obtiveram no Tribunal de Justiça de São Paulo indenização de R$ 300 mil para cada um. A empresa recorreu ao STJ e alegou que o valor fixado foi muito elevado e que não teve nenhuma atitude direta no prejuízo aos ex-donos da Escola Base.

A turma do STJ considerou que depoimentos comprovaram que a emissora diariamente apresentou "reportagens de conteúdo inverídico e sensacionalista" sobre o episódio. No entanto, os ministros atenderam pedido do SBT para reduzir a indenização de R$ 300 mil para R$ 100 mil para cada um dos três envolvidos.

Para os que se deleitam atirando a primeira pedra
“(...)

Por aqui, um caso que chocou o mundo foi o que vitimou a família Shimada, proprietários da Escola Base, de São Paulo.

Em 1994, Maria Aparecida e seu marido Icushiro Shimada, além do colaborador Maurício de Alvarenga, foram acusados pela polícia de promover orgias com menores na escola infantil que mantinham no bairro da Aclimação, cidade de São Paulo.

Boa parte da mídia, ávida por escândalos que dêem visibilidade aos indicadores de audiência, embarcaram de corpo e alma na cantilena policial, ajudando a mobilizar o povo para o justiçamento. E foi o que literalmente aconteceu.

Tudo começou quando duas mães de alunos acusaram os proprietários da Escola Base de promoverem orgias com as crianças lá matriculadas. O delegado Edélcio Lemos, no afã de aparecer, acatou imediatamente a denúncia e, estabanadamente, deu curso aos procedimentos atropelando tudo o que a boa lógica e a gestão serena recomendavam.

Um delegado incompetente aliado à parte da imprensa sensacionalista e irresponsável conceberam e edificaram o ambiente propício para a caçada às bruxas.

Pedofilia, violência contra crianças, abusos sexuais e estupros são questões que a plebe ignara utiliza para purgar os pecados coletivos, para redimir fracassos e frustrações. Pouco importa se, de fato, algum crime foi perpetrado, e se existem suspeitos. Como nos idos dos gladiadores romanos, a massa clama e requer martírio e sangue. Objetivam a catarse coletiva. Se não existe crime, invente-se. Não existem suspeitos? Criem-se culpados. O que resta? A aplicação da pena máxima, o justiçamento, preferencialmente por linchamento seguido de incineração do corpo.
(...)”

Para ler o artigo completo, clique aqui

 

 

terça-feira, 18 de março de 2014

A tortura


Todas as guerras são sujas e não há justificativa que consiga amenizar o estado de selvageria e barbárie que produzem. São promovidas para subjugar o inimigo, se necessário exterminá-lo, com o mais alto grau possível de extermínio e terror, porque a repercussão e a propaganda integram o cenário composto para intimidar o inimigo, tornam-se componentes vitais do método.

Desde sempre onipresente nas relações de dominação, a tortura é, de longe, lugar comum em todas as culturas. Em períodos de paz se faz implícita, sutil, mas nos tempos de guerra, encontra terreno fértil e passa a se constituir no idioma comum a vencidos e vencedores. Seu objetivo é humilhar o prisioneiro, reduzi-lo a algo semelhante a vermes e traças, uma sevandija sem forma e identidade, aquebrantando a têmpera para que, na sequência, informações e confissões sejam obtidas.

Na história da humanidade jamais se tratou de impor, simplesmente, a tortura ou a pena capital, mas torná-las as mais dolorosas e lancinantes possíveis. Daí a sucessão de métodos e instrumentos de martírio e suplício, imprimindo ‘evolução’ na capacidade de impor dor e humilhação:  roda, ebulição até a morte, esfolamento, esventramento (abrir o ventre da vítima e extrair seus órgãos internos), crucificação, empalação, esmagamento, apedrejamento, morte na fogueira, desmembramento, serração, escafismo, o colar (técnica de linchamento que consiste em colocar um pneu em volta do pescoço ou do corpo do supliciado e, em seguida, atear fogo ao pneu)...

A Grécia antiga, berço da civilização ocidental, não nos legou somente democracia e cultura, mas também o touro de bronze, instrumento de tortura atribuído a Fálaris, nos idos do século 6 a.C.: uma esfinge de bronze oca no formato de um touro mugindo, com duas aberturas, no dorso e na boca. No interior, um canal semelhante à válvula móvel do instrumento musical Trompete, ligava a boca ao interior do Touro. Colocada a vítima, a entrada da esfinge era fechada e posta sobre uma fogueira. À medida que a temperatura aumentava no interior do Touro, o ar ia ficando escasso, e o executado exasperado por uma forma de respirar, recorria ao orifício na extremidade do canal. Os gritos ensandecidos do executado saíam pela boca do Touro, fazendo parecer que a esfinge estava viva.

Só com o Humanismo, no século XVII, esta tendência institucional começou a declinar. A Declaração de Direitos de 1689, na Inglaterra deu um impulso para a abolição das penas cruéis. Mas, só em 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ocorreu a proibição da tortura por todos estados membros da ONU, compromisso que sabemos, se restringe aos tratados e protocolos. 

As cadeias e presídios brasileiros são centros de referencia em tortura. Com frequência são denunciados pela imprensa e organizações internacionais de defesa dos direitos humanos. Os relatórios da Anistia Internacional estão sempre denunciando o aumento da violência policial no Brasil numa escala comparável aos abusos característicos dos períodos de guerra generalizada.

Neste setor, os brasileiros inovam, trafegam com expertise e conhecimento de causa, com desmedida criatividade. O “pau de arara” é um ‘primor’ da invencionice nacional. Aqui inventado, logo recebeu certificação de qualidade, sendo exportado para todos os rincões do planeta – inclusive para o mundo desenvolvido.

Em nenhuma outra época a tortura foi utilizada de forma tão massiva quanto no período em que os nazistas se impuseram, no mundo. No holocausto, seis milhões de judeus foram exterminados nas câmaras de gás, no que os nazistas denominaram “solução final do problema judeu na Europa”.

Mas o que surpreendeu o mundo civilizado foi o resgate, em alto estilo, da prática da tortura, efetuado por nada menos que os EEUU, país que – dadas as suas características intrínsecas – é o país líder da missão de livrar o mundo do terrorismo, do arbítrio e das ditaduras. Não faz muito tempo, um furo jornalístico da rede de televisão CBS, desnudou fotos e imagens de prisioneiros iraquianos sendo torturados, ajudando a pulverizar a imagem de “mocinhos” que os norte americanos sempre desejaram acalentar.

O Presídio de Abu Ghraib, em Bagdá, foi o cenário escolhido por Saddam Hussein para humilhar e torturar seus compatriotas. Com uma parafernália de instrumentos de suplício que envolvia máquina de triturar elétrica e imersão em óleo fervente, nada menos que seis mil iraquianos eram executados por ano, só neste presídio.

Quando o governo americano se viu flagrado mentindo sobre a existência de armas de destruição em massa, utilizou o terror recorrente – por duas décadas - em Abu Ghraib para tentar construir um novo pretexto que justificasse a invasão: “libertar o povo iraquiano da repressão desumana de Saddam”.

Para o observador medianamente atento, quando o assunto é tortura, a máscara do “bandido” sempre cai bem no rosto das elites dirigentes, e com os norte americanos, o fato tem se repetido.

Nos duros anos da ditadura brasileira, o governo norte americano chegou a despachar para o Brasil e demais países do cone sul, instrutores militares especialistas em “práticas não convencionais de interrogatórios”. Um deles, Dan Mitrione, se notabilizou pela desenvoltura. Os demais países desenvolvidos não ficaram para trás. A França, por exemplo, ‘contribuiu’ com o general Paul Aussaresses, acusado de disseminar a tortura na guerra da Argélia, e também acusado de treinar torturadores das antigas ditaduras latino-americanas, durante o período em que esteve adido militar da França no Brasil,

Como um ente acima do bem e do mal – desconsiderando inclusive a Convenção de Genebra - os diversos governos vêm, sistematicamente, torturando e infringindo maus tratos a seus prisioneiros.

Sobre a ilha de Guantânamo, onde os EUA mantêm, encarcerados, prisioneiros da Guerra do Afeganistão, o próprio presidente Barack Obama assim se manifestou: “É fundamental que entendamos que Guantánamo não é essencial para a segurança dos Estados Unidos", disse Obama, para complementar, "Devemos fechá-la."

Quando da entrada do sexto ano na Casa Branca, o presidente da nação mais poderosa do planeta proferiu o novo discurso do Estado da União: “O combate ao terrorismo não deve ser feito apenas com meios militares, mas também por nos mantermos fiéis aos nossos princípios constitucionais, servindo de exemplo para o resto do mundo”.

O que as imagens flagraram no Iraque são cenas terríficas, de soldados americanos promovendo estupros e afogamentos em prisioneiros iraquianos no pior, mais grave e abominável ato de covardia que um ser humano pode perpetrar contra outro.

Os Estados Unidos estão numa encruzilhada, similar a que experimentaram no Vietnã. Na Ásia, começaram a perder a guerra quando a opinião pública norte americana entrou no jogo. É importante que tenham aprendido a lição. Porque a história costuma açoitar os que ignoram acontecimentos passados. O presidente Obama, ao menos parece ter assimilado o ensinamento.

Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+ e da metodologia de teatro Mané Beiçudo.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Ditadura & Democracia III


Kyung-wha Chung & Bach



Kyung-wha Chung nasceu em uma família muito musical. Sua mãe reconheceu o seu talento musical desde tenra idade (ela começou a cantar aos dois anos de idade). Com sua afinação perfeita, Chung foi uma boa cantora, vencendo vários concursos de pequeno porte. Após esse sucesso, ela foi introduzida ao estudo do piano, mas o instrumento a entediava tanto que muitas vezes adormeceu enquanto praticava. No entanto, quando ouviu pela primeira vez o som de um violino, foi imediatamente hipnotizada pelo tom.

Começou a tocar violino aos sete anos. Era conhecida como uma criança prodígio, e com nove anos de idade já estava tocando o Concerto para Violino de Mendelssohn com a Orquestra Filarmônica de Seul . Mais, aqui.

domingo, 16 de março de 2014

Ditadura & democracia II


Ditadura & democracia 1


sexta-feira, 14 de março de 2014

Estamos perdendo nossos anjos




Algum tempo atrás a pequena Kênia Barreto, de apenas nove anos de idade, foi ter com Deus.

Kênia era como as outras crianças de sua idade. Brincava, estudava, irritava-se ao ter que comer folhas e verduras amargas nas refeições, acalentava sonhos e esperanças.

Como todas as crianças da sua idade, em virtude da falta de segurança que assola nossas cidades, era mantida em seu castelo de fadas, e pouco saía do perímetro de sua casa. Que pai e mãe não respiram melhor e aliviados ao saber que a filha, de nove anos, brinca no quintal de casa?

Kênia morava em Santa Bárbara D’Oeste, município distante 138 km da capital do Estado mais rico e desenvolvido do país, São Paulo.

E a pequena criança, de apenas nove anos de idade, morreu num estado deplorável, envolto em vômito e diarréia, picada que foi em uma das mãos por um escorpião. E isto não ocorreu enquanto desbravava a floresta amazônica. Aconteceu enquanto brincava no quintal de sua casa.

Lembrei-me de um tempo já longínquo, quando coordenava um programa de saneamento rural e educação ambiental com recursos do Banco Mundial. Em uma pequena comunidade rural, o lixo, o entulho e as condições sanitárias faziam proliferar um exército de escorpiões.

Como a pobreza e a miséria estavam enraizadas em todas as residências, optamos por uma solução alternativa para combater os escorpiões: distribuir galos e galinhas para a comunidade. Predadoras de insetos, escorpiões e pequenos animais peçonhentos, as galinhas fariam o papel de “agentes” capazes de sanear o ambiente e, ao mesmo tempo, agregar ao cardápio alimentar ovos e frangos, oriundos da criação doméstica, um misto de brigadistas da saúde e granja domiciliar.

O planejado, contudo, não logrou êxito porque, famintos e miseráveis, a comunidade não teve alternativa que não fosse comer todos os “agentes” saneadores.

No Brasil, as questões sanitárias e de educação ambiental, são, desde sempre, tratadas de maneira deplorável. O caso da morte da pequena Kênia é prova do descaso das autoridades e dos agentes públicos. Nesses últimos anos os recursos federais destinados às ações de saneamento foram dos que mais receberam cortes para atender ao superávit primário. Os dados sem de corar os que tem vergonha na cara: o atendimento em coleta de esgotos mal chega a 48% da população brasileira; do esgoto gerado, apenas 37,5% recebe algum tipo de tratamento. Nas 100 cidades maiores cidades brasileiras somente 38,5% dos esgotos são tratados. Significa que, apenas essas cidades, lançam o equivalente a 3.500 piscinas olímpicas de esgotos por dia na natureza.

Carcomidas pelos escorpiões, pela esquistossomose, pela cólera, pela amebíase, pela giardíase, pela febre tifóide, pela salmonelose, pela hepatite infecciosa, pela poliomielite e pela disenteria, são nossas crianças que pagam o alto preço da irresponsabilidade de nossos políticos, de nossos gestores públicos.

A sociedade deve se mobilizar para impedir que os lobos sequazes continuem  sacrificando nossos anjos.

Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.