terça-feira, 11 de março de 2014

“Terrorismo? Na guerra deve-se matar o inimigo: legítima defesa”

 O fundamentalismo islâmico está no centro de 'A Lista', novo romance de Frederick Forsyth
“Espiões, terroristas, mercenários... esse mundo continua o mesmo”
Do El País 
                      O escritor britânico Frederick Forsyth, no hotel Villa Real, Madri. / ÁLVARO GARCÍA

Na gíria dos serviços de inteligência anglo-saxões um clean skin ou lily-white —dois termos que correspondem a uma personalidade aparentemente sem máculas– é uma pessoa que nunca se uniu a um grupo passível de ser vigiado, que vive e trabalha nas sociedades ocidentais sem chamar a atenção, que só na sua mente guarda as motivações e os planos para perpetrar um atentado.
“O assassino solitário é o mais perigoso”, ressalta durante entrevista em Londres o escritor britânico Frederick Forsyth, um dos grandes do suspense contemporâneo, que em sua última novela The Kill List  aborda esse perfil do terrorista de linha islâmica que “está fora do radar e é a grande dor de cabeça” para as forças de segurança.
O título do livro alude a uma lista secreta reavaliada todas as semanas no Salão Oval da Casa Branca e que contém os nomes dos terroristas mais ameaçadores para os Estados Unidos, seus cidadãos e interesses. A missão de uma unidade que opera na sombra é identificá-los, localizá-los e destruí-los
Obra selecionada
Chacal (The day of the jackal, 1971).
O dossiê Odessa (The Odessa file, 1972).
Cães de guerra (The dogs of war, 1974).
A alternativa do diabo (The devil’s alternative,1979).
O quarto protocolo (The fourth protocol, 1984).
O manipulador (The deceiver, 1991).
O punho de Deus (The fist of God, 1994).
O manifesto negro (Icon, 1996).
O vingador (Avenger, 2003).
O afegão (The afghan, 2006).
Cobra (The Cobra, 2010).

Forsyth (Ashford, Inglaterra, 1938) recorre ao seu hábil estilo jornalístico, que se fundamenta em uma documentação meticulosa, para relatar com grande dose de adrenalina a operação de caça de um desses homens. Não tem nome, rosto e paradeiro conhecido, mas os efeitos de suas proclamações na Rede são letais. Apelidado de O Pregador por um ex-marine encarregado de neutralizá-lo (O Rastreador), ele utiliza a Internet como “controle remoto” para radicalizar jovens muçulmanos e instigá-los a matar.
“Primeiro vem o ódio e depois a justificativa”, escreve o Forsyth narrador sobre esses cidadãos convertidos ao terrorismo que em seu livro atentam contra personagens da vida pública ao seu alcance. E o fazem à luz do dia, do mesmo modo que na vida real dois irmãos sem filiação conhecida fizeram explodir dois artefatos caseiros em plena maratona de Boston (abril de 2013) e um mês depois dois britânicos de origem nigeriana assassinaram a golpes de facão um soldado nas ruas de Londres.
Diante de fatos como esses, e que ocorreram depois que o escritor havia começado a trabalhar em The Kill List, Forsyth não segue motivações de tipo social e político: “Ainda não sabemos porque esses jovens se radicalizam, o segredo continua encerrado em suas mentes”.
De conhecido perfil conservador, o qual não lhe tira nenhum pouco da independência em suas opiniões, o escritor que antes exerceu o jornalismo na Reuters e na BBC não compartilha os argumentos da guerra contra o terrorismo que conduziram às invasões do Afeganistão e do Iraque. “A guerra do Iraque foi um desastre pessoal de George W. Bush, que quis vingar-se de Saddam Hussein por tentar matar seu pai e, ainda por cima, o estúpido do Tony Blair embarcou.”
Esse é o seu veredito. Forsyth se agita quando fala do ex-primeiro-ministro britânico, um político que nunca perdoará, diz, “por ter mentido ao Parlamento” (garantindo que existiam provas sobre o arsenal de armas de destruição em massa de Saddam) e a quem responsabiliza pela enorme desconfiança que a classe política hoje suscita no Reino Unido. Ele também se mostra contundente na hora de qualificar Edward Snowden, o ex-analista de inteligência que vazou milhares de documentos sobre a espionagem da Agência de Segurança Nacional norte-americana: “É um traidor que revelou à Al Qaeda o segredo dos programas de defesa e com isso nos tornou mais vulneráveis”.
O autor, que alcançou o sucesso já com a publicação de seu primeiro livro, O Dia do Chacal, em 1971, continua a focar mais de uma dezena de livros depois (O Dossiê OdessaO Punho de DeusO Cobra...) “na mesma gama de personagens, de espiões, mercenários e terroristas... esse mundo continua sendo hoje o mesmo embora mudem os atores, antes, o IRA e o ETA, e agora, o fundamentalismo islâmico”. Desde os tempos daquele assassino contratado que tentava matar o presidente francês, Charles de Gaulle, até a presente era cibernética, as ferramentas que um escritor tem em mãos se sofisticaram muito, mas Forsyth prefere continuar ajeitando-se com suas fontes diretas, os seus contatos nos serviços de inteligência ou militares e os peritos em diversos campos, em lugar de recorrer à Internet para se documentar (“Em muito raras ocasiões checo datas no Google”, afirma).
A precisão nos dados continua sendo sua grande obsessão, seja quando descreve minuciosamente as operações das agências de inteligência ou o sofisticado trabalho de um dos protagonistas de The Kill List, um jovem gênio da informática que ajuda o Rastreador a interceptar na rede o ciberpregador islâmico. A lista que tem como principal alvo esse instigador de terroristas “é necessária” no mundo de hoje, opina Forsyth, que não apoia a pena de morte no âmbito civil embora endosse, sim, a execução de terroristas identificados: “Terrorismo? Na guerra deve-se matar o inimigo. Legítima defesa”.