Algum tempo atrás a pequena Kênia Barreto, de
apenas nove anos de idade, foi ter com Deus.
Kênia
era como as outras crianças de sua idade. Brincava, estudava, irritava-se ao
ter que comer folhas e verduras amargas nas refeições, acalentava sonhos e
esperanças.
Como
todas as crianças da sua idade, em virtude da falta de segurança que assola nossas
cidades, era mantida em seu castelo de fadas, e pouco saía do perímetro de sua
casa. Que pai e mãe não respiram melhor e aliviados ao saber que a filha, de
nove anos, brinca no quintal de casa?
Kênia
morava em Santa Bárbara D’Oeste, município distante 138 km da capital do Estado
mais rico e desenvolvido do país, São Paulo.
E a
pequena criança, de apenas nove anos de idade, morreu num estado deplorável,
envolto em vômito e diarréia, picada que foi em uma das mãos por um escorpião.
E isto não ocorreu enquanto desbravava a floresta amazônica. Aconteceu enquanto
brincava no quintal de sua casa.
Lembrei-me
de um tempo já longínquo, quando coordenava um programa de saneamento rural e
educação ambiental com recursos do Banco Mundial. Em uma pequena comunidade
rural, o lixo, o entulho e as condições sanitárias faziam proliferar um
exército de escorpiões.
Como
a pobreza e a miséria estavam enraizadas em todas as residências, optamos por
uma solução alternativa para combater os escorpiões: distribuir galos e galinhas
para a comunidade. Predadoras de insetos, escorpiões e pequenos animais
peçonhentos, as galinhas fariam o papel de “agentes” capazes de sanear o
ambiente e, ao mesmo tempo, agregar ao cardápio alimentar ovos e frangos,
oriundos da criação doméstica, um misto de brigadistas da saúde e granja
domiciliar.
O
planejado, contudo, não logrou êxito porque, famintos e miseráveis, a
comunidade não teve alternativa que não fosse comer todos os “agentes”
saneadores.
Carcomidas
pelos escorpiões, pela esquistossomose, pela cólera, pela amebíase, pela
giardíase, pela febre tifóide, pela salmonelose, pela hepatite infecciosa, pela
poliomielite e pela disenteria, são nossas crianças que pagam o alto preço da
irresponsabilidade de nossos políticos, de nossos gestores públicos.
A
sociedade deve se mobilizar para impedir que os lobos sequazes continuem sacrificando nossos anjos.
Antônio
Carlos dos Santos, criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+
e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.