sexta-feira, 13 de junho de 2008

Sobre harmonia, São Francisco e cafajestes

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Humilhas, avanças, provocas, agrides, espancas, torturas, aprisionas indefesos – e quem bate e violenta é a tropa de choque?
Te tornaste carne, sexo e prostituta de incubo de Saturno –
e ensandecidamente acusas o outro de estupro? (...)

Leia o poema Uma oração para canalhas clicando aqui.

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Sobre harmonia, São Francisco e cafajestes

Tudo no universo é energia. E a energia circula, interage, integra, assume diferentes formatos e intensidades. É assim no universo, é assim na natureza, é assim na vida e no dia a dia das pessoas. Por isto, ao trocar, partilhar e interagir não estamos fazendo mais que observar a lei maior que rege o cosmos.

Assim como no universo os astros – de uma forma ou de outra – interagem entre si, no corpo humano, uma célula também percorre o mesmo caminho e só captura a existência porque interage com outras. De igual modo ocorre com os átomos e com as partículas subatômicas, de sorte que tudo é pura e intensa interação, intercâmbio de energia.

Mas como poucos se dobram às certezas, digamos assim, científicas, da necessidade da troca e da interação, não custa recorrer aos ensinamentos espirituais e cristãos, como os apregoados por São Francisco de Assis, não por acaso o santo católico protetor da natureza.

São Francisco compreendeu e capturou a lei que regula as trocas de energia, a mesma que assegura equilíbrio e harmonia ao universo, e soube traduzi-la para o meio onde labutam os homens. Por isto, quando o batizado Giovanni Bernardone ensinou

“... é dando que se recebe
é perdoando que se é perdoado
e é morrendo que se nasce para a vida eterna...”


explicava, na realidade, que tudo no universo só tem sentido se envolto em trocas, em intercâmbios, em partilha, em ofertar e receber...

O ensinamento do fundador da “Ordem dos Frades Menores” - canonizado em 16 de julho de 1228 pelo papa Gregório IX - é tão poderoso que não resisto à tentação de reproduzi-lo por inteiro:

Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor,
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão,
Onde houver discórdia, que eu leve a união,
Onde houver dúvida, que eu leve a fé,
Onde houver erro, que eu leve a verdade,
Onde houver desespero, que eu leve a esperança,
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria,
Onde houver trevas, que eu leve a luz.

Ó Mestre, fazei que eu procure mais
consolar que ser consolado;
compreender que ser compreendido,
amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe
é perdoando que se é perdoado
e é morrendo que se nasce para a vida eterna...

A troca que assegura a contínua expansão do universo é a mesma que assegura o crescimento das pessoas e da sociedade.

Desde a mais tenra célula até o grupo social estratificado e a mais complexa das constelações estelares, nada faz sentido sem o ‘dar e receber’ preconizado por São Francisco.

Daí a importância de fazer com que valores como o amor, o perdão, a amizade, a solidariedade e a generosidade estejam em permanente circulação, permeando as relações entre as pessoas e os grupos sociais.

Todavia, se a lei é cristalina como parece, porque razão as pessoas estariam tão indispostas e resistentes à incorporação desses valores, por que ao invés da generosidade e do altruísmo, cultuam o egoísmo e o individualismo exacerbado? Por que ao invés do perdão, enamoram o ódio; ao invés da união, cultuam a discórdia; e mergulham a verdade num lodaçal de mentiras, intrigas e tramóias?

A teoria dominante é que as pessoas resultam da educação que recebem, da história de vida e do meio em que vivem.

Mas como toda regra, essa também tem suas exceções. O problema aqui é que as exceções ocorrem com tamanha freqüência que estão quase se convertendo em regra-mater.

Como explicar, por exemplo, que dois irmãos, criados pelos mesmos pais, com semelhante nível de atenção, recebendo as mesmas condições educacionais, culturais e amorosas, um consiga construir uma personalidade fraterna, generosa; e o outro destile avareza e rancor?

Aqui talvez valha a pena investigar o componente biológico. E ao que tudo indica as descobertas que se avizinham demolirão e lançarão por terra um bom número de paradigmas consolidados. Um deles consiste em subestimar a importância que a questão biológica tem no comportamento do individuo.

Pelo menos é o que parecem indicar pesquisas realizadas ao redor do mundo, como a promovida pelo Departamento de Psicologia da Universidade Hebraica de Jerusalém. Os experimentos estão demonstrando que o material genético tem um determinado nível de importância na composição da personalidade.

Um dos pesquisadores do grupo de estudos da universidade israelense, o psicólogo Ariel Knafo, é bastante enfático quanto aos resultados: "a conclusão central do trabalho é que há influência genética nas diferenças do comportamento altruísta das pessoas, porque existem diferenças no DNA, que estão relacionadas às diferenças em seu modo de se comportar”.

Um dos especialistas em genética do grupo de pesquisa, o professor Richard Ebstein se manifestou afirmando que todos os participantes que externaram generosidade tinham o gene denominado receptor 1A de arginina-vasopressina (AVPR1a) com uma forma mais alongada que nas outras pessoas. A conclusão é que gene AVPR1a exerce papel fundamental na química do cérebro, permitindo que o hormônio arginina-vasopressina (AVP) atue sobre as células cerebrais. A vasopressina foi relacionada com o estabelecimento de vínculos afetivos e sociais.

Os resultados da pesquisa apontaram numa direção bem definida: há maior disponibilidade para o altruísmo nas pessoas que possuíam uma parte específica e fundamental de maior tamanho neste gene.

Se ‘dar e receber’ é uma lei que regula a harmonia no universo, talvez esteja aqui, na genética, o início das explicações para que tantos se mantenham indiferentes à solidariedade, à verdade e ao amor. Talvez esteja na genética parte da explicação para a existência entre nós de tantos canalhas e cafajestes.

Alto lá. É muito cedo para extrair qualquer conclusão a respeito. Como também é inadmissível mergulhar as novas e incipientes descobertas no caldo medíocre do preconceito e do ‘politicamente correto’.

Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br