"Uma das grandes tristezas da minha vida é que não conheci meu avô", disse uma vez a atriz Olivia Newton-John. "Quando era adolescente, minha mãe me dizia: 'Você tem que ir conhecer seu avô porque ele está ficando velho', e eu dizia: 'Estou ocupada', e me arrependo disso", acrescentou a atriz britânica-australiana que estrelou o filme Grease — nos tempos da brilhantina e faleceu na última segunda-feira (08/08) aos 73 anos...
O avô que ela nunca conheceu
era o físico e matemático Max Born, um dos cientistas mais importantes do
século 20.
Se você não consegue
enumerar o que ele fez, talvez seja porque, apesar de suas muitas realizações,
grande parte do trabalho de Born foi bastante complexo.
Mas se o nome dele soa
familiar, talvez seja porque está muito presente na física, e também porque foi
um grande amigo de Albert Einstein.
Desta amizade, ficou como
legado uma fascinante coleção de cartas que abrangem quatro décadas e duas
guerras mundiais.
"Minha mãe (Irene) as
traduziu (do alemão para o inglês)", contou a atriz e cantora.
Em sua vasta
correspondência, eles discutiam sobre tudo, desde a teoria quântica e o papel
dos cientistas em um mundo conturbado até suas famílias e a música que
interpretariam juntos quando se encontrassem.
Aliás, foi numa dessas
cartas — datada de 4 de dezembro de 1926 — que Einstein escreveu uma das frases
mais famosas da história da ciência:
"A mecânica quântica é
certamente impressionante. Mas uma voz interior me diz que ainda não é
satisfatória. A teoria rende muito, mas dificilmente nos aproxima do segredo do
'criador'. De qualquer forma, estou convencido de que Ele não joga dados."
Einstein se recusava a
aceitar a visão probabilística que favorecia essa teoria que descreve como se
comporta a matéria que compõe o pequeno universo das partículas atômicas e
subatômicas.
A incerteza que este ramo da
física postulava, pensava ele, na verdade revelava a incapacidade de encontrar
as variáveis com as quais se construiria uma teoria
completa.
Seu amigo Born, no entanto,
foi um dos principais impulsionadores da interpretação probabilística.
Para ele, Deus joga dados.
Convencido, ele continuou a explorar
o mundo infinitamente pequeno que essa revolucionária e recém-nascida ciência
buscava compreender.
Assim, ele estabeleceu
muitas das bases da física nuclear moderna.
Apesar disso, e
injustamente, apontam os especialistas, foi ofuscado por expoentes como Werner
Heisenberg, Paul Dirac, Erwin Schrodinger, Wolfgang Pauli e Niels Bohr.
Tanto que a Fundação Nobel
só concedeu o prêmio a ele em 1954 — 28 anos depois de ele ter concluído o
trabalho pelo qual foi premiado.
Há, inclusive, quem reclame
que, embora a razão pela qual finalmente o reconheceram fosse justa — uma nova
forma de descrever os fenômenos atômicos —, não era suficiente, pois consideram
que Born deveria compartilhar o título de pai da mecânica quântica com Niels
Bohr.
Uma ponte
A vida de Born fez dele uma
ponte entre três séculos.
Ele nasceu em uma família
judia em Breslau, reino da Prússia na época (atual Breslávia, na Polônia), em
1882. Por isso, se formou nas tradições clássicas da ciência do século 19.
Assim como tantos outros
cientistas judeus, ele teve que fugir dos nazistas, o que o privou de seu
doutorado e até de sua cidadania. Mas em seu lar adotivo, o Reino Unido, ele
contribuiu para o desenvolvimento da ciência do século 20.
O que ocupava sua mente, no
entanto, eram as consequências da ciência moderna para o século 21.
Ele acreditava que nenhum
cientista poderia permanecer moralmente neutro diante das consequências de seu
trabalho, independentemente do quão sólida fosse sua Torre de Marfim, porque
ficava horrorizado com a grande quantidade de aplicações militares da ciência
que ajudara a desenvolver.
"A ciência na nossa
época", escreveu ele, "tem funções sociais, econômicas e políticas, e
por mais distante que o próprio trabalho possa estar da aplicação técnica, é um
elo na cadeia de ações e decisões que determinam o destino da raça
humana".
Esse destino, disse ele, se
encaminha para um pesadelo porque "o intelecto distingue entre o possível
e o impossível; a razão distingue entre o sensato e o insensato. Até o possível
pode carecer de sentido".
Que o cientista que postulou
que só se podia determinar a probabilidade da posição de um elétron no átomo em
um dado momento — descartando as leis de Newton e abrindo a porta para a física
atômica — se preocupasse com tais questões, não era estranho.
Born seguiu durante toda sua
vida um conselho que seu pai lhe deu quando jovem: nunca se especialize.
Por isso, nunca deixou de
estudar música, arte, filosofia e literatura.
Tudo isso alimentava seu
pensamento ético.
Em um de seus ensaios finais,
ele escreveu sobre o que considerava a única esperança para a sobrevivência da
humanidade.
"Nossa esperança",
disse ele, "se baseia na união de dois poderes espirituais: a consciência
moral da inaceitabilidade de uma guerra degenerada no assassinato em massa dos
indefesos e o conhecimento racional da incompatibilidade da guerra tecnológica
com a sobrevivência da raça humana."
Se o homem queria
sobreviver, devia renunciar à agressão.
A incerteza necessária
Em 1944, Einstein escreveu
em outra carta a Born:
"Nós nos convertemos em
antípodas em relação às nossas expectativas científicas. Você acredita em um
Deus que joga dados, e eu, na lei e ordem absolutas em um mundo que existe
objetivamente, e que, de forma insensatamente especulativa, estou tentando compreender
[...].
"Nem sequer o grande
sucesso inicial da teoria quântica me faz acreditar em um jogo de dados
fundamental, embora eu esteja ciente de que nossos jovens colegas interpretam
isso como um sintoma de velhice."
"Sem dúvida, chegará o
dia em que veremos qual instinto estava certo."
Poucos meses antes de
Einstein morrer, Born escreveu:
"Nós nos entendemos em
assuntos pessoais. Nossa diferença de opinião sobre a mecânica quântica é muito
insignificante em comparação."
Além de deixar sua marca em
vários campos da física, da relatividade até a física química, passando pela
óptica e elasticidade, Born foi professor de 9 físicos ganhadores do Prêmio
Nobel, durante a 'idade de ouro da física'
No fim das contas, parece
que Einstein estava errado.
Esse jogo de dados que
envolve incerteza constante ainda parece necessário para entender o mundo
infinitamente pequeno.
E, para Born, a incerteza
também era fundamental para a vida em um mundo infinitamente maior do que
aquele que ele explorou.
"Creio que ideias como
certeza absoluta, precisão absoluta, verdade suprema, etc. são produtos da
imaginação que não deveriam ser admissíveis em nenhum campo da ciência",
declarou.
"Por outro lado,
qualquer afirmação de probabilidade é correta ou incorreta do ponto de vista da
teoria na qual se baseia."
"Este relaxamento do
pensamento me parece a maior bênção que a ciência moderna nos deu."
"Porque a crença de que
existe apenas uma verdade, e de que você próprio está em posse dela, é a raiz
de todos os males do mundo."
BBC News
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