sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Estudo mostra que 84% das áreas de margens de rio do país estão preservadas, mas entidades alertam para riscos com nova lei

 


Um estudo inédito do Mapbiomas identificou que 84,5% de toda a área do país que fica dentro das faixas marginais de rios, cujos limites mínimos são de 30 metros de raio, está preservada, sem ocupações. O dado atesta a eficácia das chamadas Áreas de Preservação Permanente (APPs) hídricas em áreas urbanas, instrumento que proíbe construções nas margens dos rios. No entanto, essa proteção está ameaçada pela Lei 14.285/2021, que desde dezembro do ano passado passou a permitir que municípios alterem, ou até eliminem, os limites das APPs em seus territórios.

 

Em abril, quatro partidos políticos (PSB, PSOL, PT e Rede Sustentabilidade) ajuizaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF, argumentando que a Lei das APPs Urbanas fere dispositivos constitucionais, como a proibição de retrocessos ambientais e o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, além de destacar que municípios não poderiam adotar limites menores que o parâmetro federal, de 30 metros. Na ultima sexta (19), entidades ambientalistas protocolaram um pedido de amici curiae (“amigos da corte”) para participarem da ação, com inclusão dos novos dados do Mapbiomas.

Apesar do estudo mostrar que ainda há uma extensa área do país preservada, os números também evidenciaram que há uma aceleração da ocupação urbana. Entre 1985 e 2020 (período analisado) as áreas urbanizadas nas faixas marginais de rios aumentaram 61,6 mil hectares, uma taxa de 102% de crescimento. Desde a aprovação da nova lei federal, as entidades já identificaram cinco cidades - Joinville (SC), Tubarão (SC), Guabiruba (SC), Tiradentes do Sul (RS), Serafina Correa (RS) - que aprovaram legislações municipais para diminuir os limites das suas áreas de proteção.

O temor, apontam os especialistas, é que as novas autorizações acelerem ainda mais o ritmo de urbanização dessas faixas marginais que, preservadas, ajudam a conversar espécies de animais e da flora, além de mitigar a emissão de gás carbônico e os efeitos das mudanças climáticas e a evitar deslizamentos, enchentes e ocupações em áreas de risco.

- Em menos de seis meses da lei federal, já tivemos aprovação de várias leis municipais. Chama a atenção a velocidade desses processos, na maioria dos casos sem o devido debate ou estudos - afirma Maurício Guetta, assessor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), que destaca que as informações sobre aprovação de leis municipais são apenas um recorte, já que não há uma base centralizada para saber se houve alteração nas 5.570 cidades do país. - Devem haver muito mais cidades aprovando. Desde a aprovação da lei federal, a pressão imobiliária ficou evidente. O projeto não tramitou nas comissões, não teve audiência pública, foi aprovada em um prazo muito curto.

A previsão do limite mínimo de 30 metros de faixa marginal existe há literalmente 100 anos, desde a primeira legislação de matéria ambiental do país, em 1922, e essa á a primeira vez em que há um retrocesso no assunto, diz Guetta. As faixas variam de acordo com a largura dos rios, podendo chegar a uma APP de 500 metros na maior das hipóteses.

Na petição de amicis curiae, assinada pelo ISA, Observatório do Clima, SOS Mata Atlântica, WWF Brasil, Rede de ONGs da Mata Atlântica e Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida, há o destaque para estudos realizados pelo próprio Ministério do Meio Ambiente, que conclui que “a proteção das APPs destinadas a proteger a estabilidade geológica e o solo também previne o assoreamento dos corpos d’água e a ocorrência de enxurradas e deslizamentos de terra, contribuindo para a garantia da segurança das populações residentes".

A “catástrofe que atingiu a região serrana do Rio de Janeiro com mais de 900 mortos e centenas de desaparecidos, assim como aquela que se abateu sobre a região do Vale do Itajaí em Santa Catarina no final do ano de 2008 (com mais de 130 mortos) são exemplos contundentes desses problemas, incluindo prejuízos econômicos e perdas de vidas humanas", destaca a manifestação.

- A lei é anticientífica e vai na contra mão do que seria necessário para mitigar efeitos da mudança climática e para própria proteção da população - explica Guetta, que lembra que o desmatamento é o principal motor de emissão de carbono no país. - Por isso pedimos uma decisão urgente do STF. Porque uma vez as faixas abertas e desmatadas, teremos uma situação ambiental irreversível.

Com a autorização de modificação nos limites das APPs, ambientalistas afirmam que, na prática, há anuência para realização de novos desmatamentos. Além disso, antes, apenas atividades excepcionais poderiam ser instaladas nas faixas marginais, justificadas por utilidade pública, interesse social ou baixo impacto. Agora, qualquer empreendimento ou ocupação pode ser realizada nas margens de rios, desde loteamentos de casas até indústrias poluentes, ou até mesmo atividades proibidas pelo próprio STF, como aquelas de tratamento de lixo, que pode gerar contaminação dos rios.

O argumento usado para a aprovação da Lei das APPs Urbanas era de regulamentar territórios que já estavam ocupados há décadas, nas margens dos rios. Mas Guetta explica que essa possibilidade já constava no Código Florestal de 2012, então não havia necessidade de nova legislação sobre o tema. Entre as cidades que já aprovaram novas leis municipais para a matéria, chama a atenção o caso de Trindade do Sul, onde os novos limites agora são de apenas 2,5 metros, ou seja, menor até do que uma única copa de árvore.

Em fevereiro, a Câmara de Meio Ambiente do Ministério Público Federal se manifestou contra nova lei federal. O colegiado entendeu como inconstitucional a permissão para que municípios rebaixem a proteção estabelecida nacionalmente pela legislação federal.

De acordo com estudo técnico do MapBiomas, em pouco mais de três décadas o país perdeu mais de três milhões de hectares de superfície coberta por água, área maior do que o estado de Alagoas, ou seis vezes maior do que o Distrito Federal. Nesse contexto, a autorização para ocupação das faixas marginais poderia contribuir para a crise hídrica que, além dos efeitos ambientai, causa danos econômicos, como para o setor agrícola.

O Mapbiomas identificou que a área de todas faixas marginais de 30 metros de corpos hídricos em perímetros urbanos é de 422 mil. Desse total, 300 mil, ou 71%, são de área não urbanizadas. Já 56,9 mil estão em áreas urbanizadas, mas sem construções ou ocupações. Isso dá uma soma de 357 mil hectares (84,5%) preservados. Do outro lado, entre 1985 e 2020, as áreas urbanizadas dentro das faixas marginais de rios, cujos limites mínimos são de 30 metros, em todo o país aumentaram 102%, dobrando os 60 mil hectares urbanizados que havia há quase 40 anos.

- Os dados mostram que houve efetividade da proteção ambiental, apesar da pressão vir aumentando - destaca Julio Pedrassoli, coordenador da equipe de infraestrutura urbana do Mapbiomas. - Agora, o temor é do que pode acontecer com a nova lei. Nos preocupa que ela acelere o processo de ocupação. Eventos recentes, como desastre em Petrópolis, mostram como a ocupação descontrolada das margens dos rios causa problemas sérios, principalmente para populações mais vulneráveis.

O Globo, Lucas Altino


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