quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Os efeitos da transparência na imunização coletiva

 


Na mesma semana em que dados detalhados de mais de 220 milhões de brasileiros foram expostos, tivemos que conviver com a falta de transparência dos vacinados pela Covid-19 e da adequação dos critérios de prioridade estabelecidos pelos governos. No Brasil, o que precisa ser protegido está exposto e o que precisa ser exposto fica esquecido.



Ao contrário do que previu Jeremy Rifkin, no seu livro 'A Sociedade de Custo Marginal Zero', os usuários das grandes plataformas tecnológicas ainda não remunerados para usá-las. Fato que pode ser resolvido em pouco tempo na Europa, com o que prevê a nova estratégia de dados do bloco, que prevê a regulação de criação de intermediação dos dados pelo governo e posterior repasse dos valores referentes aos direitos de uso para os cidadãos.

Na verdade, o comum é pagar pelo uso dos nossos próprios dados. A exposição dos dados pessoais, fiscais, domiciliares e de renda integrados causou um choque entre os profissionais da área e os que entendem o impacto da falta de privacidade. Se de toda ocasião é possível tirar algo positivo, foi bom ter certeza que os dados existem, estão enriquecidos com diversas dimensões da nossa existência e agora estão disponíveis virtualmente para todos. Talvez fosse melhor não saber, como no trecho do poema de Thomas Gray's escrito há 250 anos: 'a ignorância é uma bênção'.

Em que pese a proteção de dados pessoais ser essencial para a evolução do mercado e do ambiente de negócios, por essas e outras ocorrências a privacidade no Brasil é vista muitas vezes como utópica e, quando existe, seletiva. Vazamentos como esse ligam alertas em relação ao cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados brasileira e tornam claro o valor econômico potencial desse ativo. Contudo, essa exposição não pode ser utilizada para negar o fato de que precisamos saber mais sobre os brasileiros para melhorar as políticas públicas, inclusive as relacionadas à pandemia.

No momento em que a prioridade mundial é a pandemia, a contradição sobre a proteção de dados se ressalta. Ao mesmo tempo em que dados massivos são expostos, falta transparência dos dados sobre uma ação fundamental deste momento da pandemia: quem tem direito à vacina e quem está conseguindo se vacinar.

Não há espaço para comoções maiores do que os efeitos da pandemia. Por isso, estamos diante de uma oportunidade ímpar de expor o valor das informações ao próprio combate coletivo à doença. A publicidade dos critérios de vacinação e das pessoas imunizadas podem reforçar, enfraquecer ou mesmo eliminar a sensação de justiça e à disciplina a que todos precisamos nos sujeitar para que isso passe logo. Essa exigência de transparência já foi feita pelo Ministério Público do Estado do Amazonas, exigindo a publicação do nome e CPF dos imunizados e seu descumprimento já gerou impactos reais, como o pedido de demissão do Chefe do Estado-Maior da Espanha, Miguel Villaroya, por receber dose da vacina sem estar no grupo prioritário.

Já é realidade a exigência de testes de Covid-Free para a entrada em alguns países, e não deverá demorar a exigência de carteiras de vacinação, cujo carimbo será ainda mais valioso em alguns meses. Os dados sobre a relação de cada um de nós com o Sars-Cov2 (negativo ou imunizado) serão utilizados pelas nações, pelo Estado e, provavelmente, por várias corporações. De maneira justificada, essas informações devem ser o quanto possível transparentes e disponíveis, até por serem o mais relevante exemplo de utilidade pública nos dias de hoje, ou pelo menos até quando necessário para vencer essa guerra.

Ao escolhermos enquanto sociedade pela opacidade de alguns dados e não se comover com o vazamento de outros, a desconfiança geral e a certeza de desvalorização da proteção dos dados pessoais seguirá a mesma tendência de alta. Como as mortes, infelizmente.

Por Wesley Vaz, em O Estado de S. Paulo 


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