Especialistas divergem sobre o método do
ministério para medir a capacidade de apreensão das crianças
MARIA TERESA ESTEBAN, 57 anos, fluminense
O que faz e o que fez: é professora do programa de pós-graduação em educação da
Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora com ênfase em avaliação de
aprendizagem. Tem graduação em pedagogia e mestrado em educação pela mesma
instituição e doutorado pela Universidade de Santiago de Compostela
WAGNER SILVEIRA REZENDE, 35 anos, mineiro
O que faz e o que fez: conselheiro da Associação Brasileira de Avaliação
Educacional (Abave), é professor e pesquisador do Centro de Políticas Públicas
e Avaliação da Educação da
Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF), insituição onde fez a
graduação e a pós-graduação
Qual a melhor forma de secretários de educação diagnosticarem se os alunos de
suas redes estão aprendendo?
MARIA TERESA ESTEBAN A melhor forma é aproximar a gestão e os processos
escolares, com diálogo, e observar a situação do funcionamento das escolas.
Isso inclui saber quais são as condições de trabalho do docente e os processos de formação continuada. Quando
a gestão se volta para observar as circunstâncias de vida e trabalho na escola, ela vai formando
um conjunto de informações bastante significativo. Inclusive sobre a
aprendizagem e as ações necessárias para ampliar a qualidade desse trabalho com as crianças e o
conhecimento adquirido na escola.
WAGNER SILVEIRA REZENDE O caminho é a avaliação de larga escala. Como
instrumento, a avaliação pode servir para diagnosticar desigualdades e
problemas de aprendizagem. Mas essa estratégia exige cuidados porque pode
também hierarquizar escolas e criar uma espécie de disputa, o que não faz
sentido nenhum. Essa é uma competição absolutamente sem sentido. A comparação é
da escola com ela mesmo. A escola passa a ter diagnóstico periódico e se
avaliar. Toda avaliação deveria produzir um processo de autoavaliação. O que a
gente precisa pensar agora é em avançar nos métodos. Fazer avaliação digital,
que não precisa de papel e deixa o aluno conduzir o processo. Os avanços das
tecnologias na educação vão trazer reflexões. O mundo está mudando e a gente
vai continuar fazendo as mesmas avaliações do começo do século XX?
Devemos avaliar a fluência na leitura de crianças no 2º ano do ensino
fundamental, quando elas têm 7 anos, como pretende o Ministério da Educação (MEC)?
MTE Não. Quem tem de acompanhar a fluência das crianças são os professores e a
equipe pedagógica. Elas devem se perguntar: nessa semana elas estão lendo
melhor do que na passada? Estamos oferecendo propostas pedagógicas que
mobilizem as crianças para fazer a leitura? Quando é que estamos pedindo para
que leiam em voz alta? Em quais situações? Que materiais e em que contexto elas
estão sendo desafiadas ou convidadas a ler em voz alta? Para isso, o professor
precisa ter bons instrumentos de registro daquilo que está fazendo e de como as
crianças estão se desenvolvendo. O que está ou não está funcionando bem. De
quais alternativas ele lança mão, onde precisa de ajuda. Isso tudo faz parte da
avaliação do cotidiano e precisa ser registrado e pode ser reportado à gestão
central.
WSR É importante, sim. E não se restringe ao ciclo de alfabetização. A fluência
é um elemento em todas as etapas. Tanto que o Ceará já fez esse teste no ensino
médio. A hipótese por trás disso é que, quando um aluno lê fluentemente,
entende melhor o que está sendo dito. O instrumento da avaliação nacional é
importante para diagnosticar problemas em alunos que não são fluentes. Esse
tipo de avaliação no Brasil é recente. Toda literatura de base é estrangeira. E
existem diferentes formas de fazer isso. Uma delas é o professor fazer a
gravação por um aplicativo e enviar para o MEC. A experiência que eu tive no
CAEd/UFJF, com a gestão anterior do MEC, e que avaliou o Programa Mais
Alfabetização, foi feita dessa forma para logisticamente dar conta de um número
grande de alunos.
Quais benefícios essa avaliação pode trazer?
MTE A avaliação em larga escala e censitária, mostram as pesquisas, tem tido um
efeito negativo na educação, no sentido de padronizar processos, fortalecer
dinâmicas pedagógicas de natureza mecanicista, dar mais densidade aos processos
que vão trabalhar a alfabetização como codificação e decodificação — e não como
leitura e compreensão da palavra como forma de diálogo com o mundo. Os estudos
mostram que as escolas vão adotando ações no sentido de se voltar mais àqueles
estudantes que podem ter bom desempenho nos exames e ir colocando em segundo
plano aqueles que não demonstram as mesmas possibilidades, além de trazer para
a sala de aula atividades que sejam treinamento para que as crianças façam os
exames. Tudo isso diminui a dimensão pedagógica do trabalho. E vai reduzindo a escola como o lugar de trabalho para o conhecimento e
fortalecendo a escola como lugar de treinamento e reprodução de informação.
WSR Os resultados são utilizados de forma reflexiva para entender o desenvolvimento dos alunos,
diagnósticos individuais. Uma criança pode passar de ano com problemas na
fluência sem que isso seja percebido. Os resultados das avaliações podem servir
ainda como instrumento para que problemas sejam identificados levando a uma
reflexão do professor. As diferenças entre alunos que são leitores fluentes e
alunos que não têm essa mesma compreensão vão se tornando cada vez maiores ao
longo da trajetória escolar da criança e podem significar um futuro promissor
ou não na vida e no mercado de trabalho.
O mundo gira em torno da capacidade de ler e se manifestar sobre isso. Faz
muita diferença para o aluno. Talvez por isso seja tão importante esse tipo de
avaliação. Mas o exame da fluência é um complemento. Sozinho não resolve todo problema.
A minha premissa é que, quanto mais aspectos o sistema conseguir avaliar,
melhor. Não é o único. Tem ainda a avaliação de leitura com testes objetivos e
de escrita.
Crianças de 7 anos devem passar por avaliações de larga escala?
MTE Para as crianças pequenas, que estão começando o ensino fundamental ainda
no processo de alfabetização, esse tipo de avaliação tem muita pouca capacidade
de contribuir para o trabalho
pedagógico. Alguns pesquisadores, no entanto, vão defender que, quando a
avaliação é amostral, reduz os problemas que elas causam. Não inibe, mas reduz
esse efeito de controle e classificação na sala de aula e permite que o gestor
tenha uma noção de como vai o sistema. A avaliação deveria ser do sistema, mas
é cada vez mais da criança. A gente olha o desempenho do aluno, mas não se atém
a todo o contexto: o que o sistema de ensino proporcionou para que a criança
tenha esse resultado favorável ou desfavorável?
WSR A ideia de avaliar é amalgamada à própria ideia de escola. A avaliação é um
direito, não uma imposição. O aluno tem o direito de saber como está seu desenvolvimento. E avaliação externa
sofre muita resistência, desde a criação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em 1990. Pode
avaliar criança? Pode, claro. O cuidado que se tem de ter é se o que está sendo
exigido é condizente com a idade e se está no currículo. E, principalmente,
como os resultados serão usados. Não é punir, categorizar, mas identificar
problemas. Dar suporte a outras instâncias. Pensar o planejamento de acordo com
a dificuldade, até chegar no nível da secretaria de Educação. Minas Gerais tem 854 municípios. O secretário não
consegue saber o que acontece em todos. Ele precisa de um indicador com uma
imagem um pouco mais mapeada da rede. E isso já é realizado, na alfabetização,
em estados como Ceará, Minas Gerais, Pernambuco. No Espírito Santo, isso é
feito nos três primeiros anos do fundamental.
Segundo o MEC, ao fim do 1º ano, os estudantes devem ser capazes de ler 60
palavras por minuto. Essa é uma boa métrica?
MTE Como toda métrica, é um padrão único que, por princípio, desenvolve
desigualdade. Crianças diferentes vão tendo possibilidades diferentes de ir se
apropriando da escrita e da fluência da leitura oral. Mais uma vez, é um padrão
que deve estar baseado em algum estudo, mas que vai atender a um grupo restrito
de crianças. Vamos ter muitas que não vão atender a essa métrica e que vão ser
vistas como aquelas que não estão lendo na fluência desejada. E, ao olhar para
a métrica e para o resultado, a gente deixa de olhar para a criança.
WSR Essa não é uma métrica rigorosa. No Programa Mais Alfabetização, a
expectativa de leitura de uma pessoa fluente era de mais ou menos 60 palavras
por minuto, considerando palavras que existem e pertencem ao vocabulário do
aluno e pseudopalavras, que são palavras que não existem. Elas são incluídas
com o objetivo de que o aluno leia de fato o que está escrito. Não é uma
métrica absoluta, é uma estimativa baseada em literatura consolidada. Não pode
se transformar numa medida absoluta porque alfabetização é um processo no qual
os alunos vão aprendendo juntos com velocidade diferentes.
O MEC pretende passar a avaliar todas as etapas, do 1º ano do ensino
fundamental até o 3º do médio. Qual é sua opinião?
MTE Isso vai agravar ainda mais os processos de classificação e, portanto, de
produção de desigualdade dentro da escola. Essa medida tem ainda uma
possibilidade grande de ir reduzindo cada vez mais a ação pedagógica, enquanto
aumenta o treinamento das crianças para as avaliações externas. Muda o foco.
Tira da aprendizagem e desloca para o controle, classificação e redução do
conhecimento aquilo que pode ser verificado em exames de larga escala, que são
conteúdos bastante reduzidos.
WSR Avaliar o fim do ciclo, como é feito atualmente, se baseia na ideia de que
a aprendizagem é cumulativa. Ou seja, essa avaliação está averiguando o
conhecimento acumulado dos anos anteriores. Em minha perspectiva, a avaliação é
um direito. Então, é justo que só o professor de português e matemática tenha
acesso a essa excelente informação? Não é importante para todos? E por que só
no 9º ano? As redes públicas mostraram que querem e até desenvolveram sistemas
próprios. O perigo que há nisso é o excesso de avaliação para os alunos. Às
vezes fica parecendo o tempo todo que eles estão sendo avaliados. A questão não
é mais se vai ter ou não, mas a inteligência dos instrumentos que a gente
aplica.
Por Bruno
Alfano, na Revista Época
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