As novidades. implantadas nos ensinos fundamental e médio
de escolas particulares da capital, atendem às exigências do Ministério da Educação
Empreendedorismo, ioga, produção e edição de vídeo e até desenvolvimento de um creme hidratante
são apenas algumas das novas habilidades que serão trabalhadas com alunos dos
ensinos fundamental e médio das principais escolas particulares de São Paulo a
partir deste ano letivo. As novidades fazem parte de uma adequação às exigências
da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), promulgada em dezembro de 2017. O
foco principal é a formação integral de um aluno com capacidade de tomar
decisões, trabalhar em equipe e resolver problemas com autonomia e
autoconhecimento. Por trás de todas as aulas que fogem do formato da lousa e
giz, está também uma tentativa de prender a atenção dos mais jovens. “Essas
disciplinas promovem um saber mais aplicado à realidade, fortalecem a formação
do aluno e o ajudam a se colocar no mercado de trabalho”, defende a educadora Lilian Neves, autora de Gestão da
Transformação Educacional. “O objetivo é promover um aprendizado com
significado.”
No Colégio Bandeirantes, na Vila Mariana, por exemplo, os estudantes do ensino
médio terão aula de cosmetologia — isso mesmo, vão criar um produto cosmético.
A escolha do tema não surgiu ao acaso. Foi pensada justamente para atender a
uma demanda dos jovens por saber mais sobre a indústria da beleza, uma das que
mais crescem no mundo. Em sala, serão trabalhados conhecimentos de química,
física, biologia, geografia e história, além de marketing e design. “Vamos
criar um creme hidratante e a partir dele abordar questões de pH do produto,
viscosidade, estabilidade, textura, essência, cor. Também vamos pensar na
embalagem e nas estratégias de venda. Tudo com base na interdisciplinaridade”,
diz Carolina Zambrana, professora de química da escola.
De olho nas plataformas digitais, a Escola Pueri Domus, com unidades na Chácara
Santo Antônio, na Aclimação, no Itaim e em Perdizes, pôs à disposição dos
estudantes uma série de disciplinas eletivas ligadas ao chamado “letramento
digital”, como design de games e DJ. Na matéria de YouTube, serão ministrados
conceitos de programação, filmagem e edição de vídeo para usar nas diversas
plataformas. Nas atividades realizadas dentro de um laboratório audiovisual
completo, porém, a meta não é formar youtubers ou influenciadores digitais.
“Todos têm um celular com câmera nas mãos. Vamos ensiná-los a usar o recurso de
maneira mais competente e profissional”, explica a diretora-geral Lady
Christina Sabadell, que destaca a possibilidade de a garotada treinar
habilidades em diferentes linguagens. Também estreiam neste ano as aulas na
cozinha para as crianças do ensino fundamental. A estratégia é ensinar a
composição dos alimentos, o reaproveitamento, a produção de sucos, o desenvolvimento do paladar e conceitos
de gastronomia. “É um trabalho
muito mais de consciência do que de aprender a cozinhar”, explica Lady.
Uma das maiores preocupações das escolas é formar cidadãos empreendedores,
especialmente preocupados em contribuir para um mundo mais sustentável, e que
saibam cuidar das próprias finanças. No Colégio Visconde de Porto Seguro, no
Morumbi, a disciplina de educação financeira passa a compor obrigatoriamente a
grade de 2020. Meninas e meninos vão trabalhar quatro eixos — ganhar, gastar,
investir e doar — para saber como arrecadar fundos, desenvolver planilhas,
conhecer taxas de mercado, investimentos, lidar com o dinheiro virtual. Em
outra disciplina, “escola de negócios”, uma situação problema deverá dar origem
a um projeto para apresentar uma solução para a empresa. Com o objetivo de
tornar as dinâmicas mais práticas, a escola fez uma parceria com cerca de
quarenta empresas de diferentes ramos que abasteceram os professores de
situações do dia a dia.
Ainda pensando no empreendedorismo aliado à sustentabilidade, os matriculados
no Colégio Dante Alighieri, nos Jardins, poderão cursar uma disciplina chamada
“sustentabilidade, projetos ao redor do mundo”. Segundo Sandra Tonidandel,
diretora pedagógica, os alunos vão abordar a questão ambiental sob o pon- to de
vista da produção de arte. Uma das aulas terá como inspiração o artista
plástico brasileiro Vik Muniz e suas ações com catadores de lixo. No caso, vão
reutilizar tampas de todo tipo de embalagem plástica. “É sustentabilidade não
apenas como ciência, mas como obra de arte através do lixo”, explica.
Na contramão da tecnologia, o Colégio Presbiteriano Mackenzie, em Higienópolis,
vai investir na pesquisa de documentos em livros e acervos, sem o uso da
internet. Com o mantra “Máscara na cara e cara na poeira”, o professor Gabriel
Neves, coordenador do curso de história, pretende estimular o aluno com o
encantamento gerado pelo acesso real a itens históricos. Ainda que os recursos
digitais sejam abordados, o ponto alto da aula será a utilização de documentos
impressos para fazer refletir. Visitas a alguns acervos também estão previstas.
“Quando formos falar da República Velha e da Revolta da Vacina (motim popular
ocorrido no Rio de Janeiro em 1904 por causa da obrigatoriedade da vacina
contra varíola), por exemplo, vamos mostrar o documento com a lei editada na
época para que os alunos entendam a mentalidade daquele período.”
Estão no radar ainda momentos lúdicos e de autoconhecimento. Na Escola Móbile,
na Vila Nova Conceição, a disciplina voltada para estudantes de ensino médio
recebeu o nome de “corpo e movimento”. Jogos e brincadeiras (que não demandem
uso da internet) entram em cena para que o aluno se desligue da rotina escolar
e consiga relaxar, especialmente em um período de stress por causa do
vestibular. “O 3o ano é um período muito intenso na vida desse jovem. Queremos
que ele ‘desligue’ por sessenta minutos, aprenda a respirar, a se concentrar, a
brincar. Isso vai formar uma pessoa mais confiante”, avalia Wilton Ormundo,
diretor do ensino médio. Outra disciplina da Móbile é “impressões e
expressões”. Temas que parecem abstratos como os conceitos de eu, outro,
presente e futuro ajudam a trabalhar a empatia e o diálogo. Na hora da
avaliação, o aluno escolherá a forma de se expressar, de acordo com suas
aptidões. Pode ser um vídeo, um conto, um desenho. “Nesse caso, vamos
potencializar as habilidades de cada um, já que ninguém é igual a ninguém”, completa
Ormundo.
No Cambuci, o Colégio Marista Glória também terá uma classe específica para
desenvolver a autopercepção. Segundo o professor Marcos Aurélio Pereira, será
um momento de interromper a rotina intensa de estudos e dedicar a atenção a um
momento voltado ao universo interior, “em que não existe tempo”. Por meio do
uso de técnicas de ioga, o aluno faz uma pausa para ouvir o seu entorno, sua
própria respiração, os sons da natureza. “Vivemos num tempo de abundância de
informações e de recursos tecnológicos. Queremos que o estudante entenda o
fluxo natural das coisas. É preciso oxigenar”, diz.
Apesar de trabalhar um “desmame” da tecnologia, o Marista Glória vai
implementar entre as aulas complementares a disciplina de robótica. Em parceria
com a Lego Education, tanto os frequentadores do ensino fundamental quanto os
do ensino médio terão a oportunidade de desenvolver conceitos de programação e
aprimorar suas competências (de acordo com a faixa etária, claro). Rafaela
Jorge de Oliveira, coordenadora do núcleo, espera assim incentivar espírito de
equipe, planejamento, coopera- ção e tomada de decisões.
Para Cristina Nogueira Barelli, coordenadora do curso de pedagogia do Instituto
Singularidades, em Pinheiros, todas essas disciplinas demonstram o esforço dos
colégios de se aproximar dos interesses dos alunos contemporâneos, ampliando o
leque de possibilidades. “Não existe melhor ou pior. O trabalho é buscar atender à necessidade de evolução, por meio do
estímulo às habilidades dos alunos”, avalia Cristina. “Você vai estudar química
e física em aulas práticas e aplicadas. As escolas estão criando caminhos para
trabalhar as aptidões dos alunos e tornar o projeto curricular muito mais
interessante”, diz Cristina. Os métodos e disciplinas variam de uma instituição
para outra, mas os educadores concordam em que há necessidade urgente de
atualização. “A aprendizagem só acontece e passa a ser significativa se faz
sentido na vida do aluno”, finaliza a educadora Lilian Neves.
Por Fernanda
Bassette, na Veja/SP
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