quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Em quadrinhos, o clima de paranoia, conspiração e terror do regime soviético

“A Morte de Stálin – Uma História Soviética Real“: quadrinhos contam a história de Stálin










Por Luciano Trigo, no portal G1
A morte de Josef Stalin é um dos episódios mais misteriosos da história da União Soviética. Ainda que a sua vida tenha sido exaustivamente vasculhada em dezenas de biografias, ainda permanecem diversas dúvidas sobre as circunstâncias exatas dos acontecimentos ocorridos na casa de campo do ditador entre a noite de 28 de ferreiro e a manhã de 5 de março de 1953, quando morreu. Essa incerteza, de certa forma, justifica as liberdades tomadas pelos franceses Fabien Nury (roteiro) e Thierry Robin (desenho) no premiado álbum em quadrinhos “A Morte de Stálin – Uma História Soviética Real“ (editora Três Estrelas, 152 pgs. R$ 49,90). Impossibilitados de reconstituir em detalhes algo que até hoje ninguém exatamente sabe como aconteceu, eles preenchem com imaginação, especulação e uma certa dose de irreverência as lacunas do conhecimento histórico. 

“A Morte de Stálin – Uma História Soviética Real“: capaEm tom de sátira expressionista, os autores estão menos preocupados com o rigor historiográfico do que em recriar o clima de conspiração, paranoia e medo que pesava sobre a União Soviética de Stálin. Apesar do subtítulo, o álbum deve ser interpretado como uma representação muito livre da morte do líder soviético – e deve ser avaliado por sua capacidade de contar uma boa história usando os recursos narrativos dos quadrinhos. E isso Nury e Robin fazem de forma muito eficaz, com o uso de pontos de vista e cortes inusitados, alternância de planos e enquadramentos e outros recursos de linguagem cinematográfica (ainda que o traço de Thierry Robin seja relativamente convencional). Exemplares são as duas páginas que mostram o cortejo fúnebre: sem texto, elas sintetizam a complexidade daquele momento histórico e o drama particular dos personagens envolvidos. 

Como se sabe, Stalin teve uma forte hemorragia cerebral e agonizou durante vários dias, enquanto, ao seu redor, seus asseclas travavam uma disputa feroz pelo poder: Lavrenti Beria, o favorito ao posto, Nikita Kruschev, Malenkov, Molotov, Mikoyan, Bulganin. Entre alianças e rasteiras, divididos em ter a ambição e o medo, eles próprios se revelam contaminados pela crueldade e loucura do ditador agonizante, responsável por milhões de mortes – pela fome em sua maioria, mas também por meio da perseguição política: Stalin arrasou impiedosamente toda e qualquer oposição ao seu regime, incluindo a de colegas bolcheviques, por meio de execuções sumárias, cuja arbitrariedade era quando muito camuflada por julgamentos de fachada e confissões arrancadas por meio de tortura e espancamento. Em sua paranoia persecutória, Stalin não poupou sequer seus colaboradores mais próximos: parceiros de revolução, secretários pessoais, chefes da guarda pessoal e médicos particulares conheceram a prisão, a morte ou o exílio.
“A Morte de Stálin – Uma História Soviética Real“



















A trama começa com o diretor da Rádio do Povo, em Moscou, recebendo um telefonema de Stalin, que pede a gravação de um concerto de Mozart que acabara de ser transmitido ao vivo. Em pânico por não ter gravado o concerto, o maestro não aguenta a pressão e desmaia. Na calada da noite, um novo regente é praticamente sequestrado em sua casa e levado à força para a sede da rádio: a gravação é feita durante a madrugada, e o disco com o registro da apresentação forjada é enviado para o grande líder: se a farsa for descoberta, muitas cabeças estarão em risco. É ao ouvir esse disco que Stalin sofre o derrame que o levará à morte. Ele tinha recebido para jantar naquela noite quatro convidados, todos potenciais candidatos à sua sucessão: Malenkov, Bulganin, Kruschev e Beria.  No dia seguinte, o ditador, que acordava pontualmente às 11 horas, não dava sinal de vida. Como ninguém estava autorizado a entrar em seus aposentos sem ordem expressa, longas horas se passaram até que o descobrissem caído no chão, de pijama, com olhos arregalados e  incapaz de articular uma palavra. O álbum termina em meio à disputa feroz pelo poder que acabou resultando na execução de Beria e na ascensão de Kruschev ao poder. Mas este já é outro capítulo da História. 

Em 2003, um grupo de historiadores russos e americanos anunciou que Stalin pode ter ingerido varfarina, um poderoso e insípido veneno de ratos que inibe a coagulação sanguínea e predispõe a vítima à hemorragia cerebral. Isso explicaria o fato de, segundo testemunhas, Stalin ter vomitado sangue em sua agonia. Mas, provavelmente, os fatos exatos envolvendo a morte do ditador jamais serão conhecidos.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Orquestra de exilados sírios dá primeiro concerto na Alemanha

Cerca de 30 músicos da Síria viajaram de toda a Europa para o primeiro concerto em Bremen. Eles querem mostrar que sua pátria é mais do que guerra e destruição. Outras apresentações já estão previstas.

Orquestra Filarmônica de Emigrantes Sírios se apresentou em Bremen
Da Deutsche Welle
"Esse concerto é dedicado à Síria e a todos aqueles que se preocupam com ela", anuncia o maestro Martin Lentz antes do espetáculo.
Músicos profissionais da Síria exilados em diversos países da Europa realizaram nessa semana em Bremen, na Alemanha, o primeiro concerto da Syrian Expat Philharmonic Orchestra (Orquestra Filarmônica de Emigrantes Sírios – SEPO). Cerca de 30 refugiados vindos da Alemanha, Suécia, Holanda, França e Dinamarca integram o grupo, além de colegas alemães.
A ideia partiu do contrabaixista sírio Raed Jazbeh, que queria mostrar algo sobre sua pátria além de imagens sangrentas. "Queremos mostrar um retrato bonito da Síria, porque o nosso país é mais do que luta e guerra", explica o músico que chegou a Bremen há pouco mais de dois anos. Ele não gosta de se referir ao grupo como uma "orquestra de refugiados". "Nós somos uma orquestra no exílio", enfatiza.
Saudade, mas também esperança
A abertura Heimkehr aus der Fremde (Retorno do estrangeiro), de Felix Mendelssohn Bartholdy, iniciou o concerto, com sons melancólicos que expressam uma grande saudade da pátria. Fuga e exílio dominavam a atmosfera do programa, mas também havia lugar para amor e esperança. A seleção ampla incluiu desde sinfonias clássicas da tradição ocidental a compositores sírios contemporâneos menos conhecidos, como Mayas Al Yamani.
Contrabaixista Raed Jazbeh, iniciador do projeto, vive há dois anos na Alemanha
Alguns instrumentistas sírios já haviam tocado juntos em sua terra natal, na Academia de Música de Damasco. Porém seus caminhos se separaram quatro anos atrás, quando a guerra civil tomou conta do país. Foi através do Facebook que Jazbeh conseguiu localizar vários ex-colegas.
Por muito tempo, ele procurou pela violinista Michella Kasas, que agora mora na França, onde pode prosseguir seus estudos musicais. Tocar em Bremen com muitos de seus ex-colegas é quase um milagre para ela: "Mal posso acreditar que nos encontramos depois de tanto tempo", diz a jovem de 28 anos. "Durante os ensaios, sinto que estou de novo em Damasco. Isso é muito comovente".
Instrumentos emprestados
Na noite do concerto, a maioria usava instrumentos emprestados pelo conservatório de Bremen. Kasas teve sorte de conseguir levar seu violino para a França. O trompetista Dolama Shabah, por sua vez, precisou deixar seu instrumento para trás.
"Toquem com seus sentimentos!", incentiva o maestro Martin Lentz
"Simplesmente não tinha espaço suficiente na minha mochilinha", conta. Essa era sua única bagagem na fuga através da Turquia, o Mar Mediterrâneo, Sérvia e Hungria, até a Alemanha. Lá, um colega alemão lhe presenteou um trompete usado. "Isso me deu esperança novamente. Nessa orquestra encontrei minha força e ambição", diz Dolama.
Quando ouviu sobre a SEPO, alguns meses atrás, o regente Martin Lentz não hesitou. Ele gosta de trabalhar com grupos internacionais. Recentemente, supervisionou um projeto em Ramallah com o maestro Daniel Barenboim. Com os jovens sírios, Lentz demonstra afeto e compreensão, mas sem deixar de ser exigente nos ensaios. "Toquem com os sentimentos de vocês!", encoraja o maestro.
Por enquanto, a orquestra se mantém com doações, e os músicos não recebem salário. Contudo, o concerto em Bremen deve ser apenas o começo. "Quero usar a minha música para mudar a imagem negativa que muitas pessoas têm da Síria e do islã", diz a violinista Hivron. O próximo concerto da Syrian Expat Philharmonic Orchestra está marcado para 3 de outubro, em Lüneburg.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

António Lobo Antunes: “Fernando Pessoa me aborrece até a morte”


O eterno candidato português ao Nobel publica no Brasil ‘Não É Meia-Noite Quem Quer’

O escritor António Lobo Antunes, em sua casa de Lisboa na passada semana. / JOÃO HENRIQUES




Os livros devoram as paredes. “Já não cabem. Tenho que mudar para um apartamento maior”. E por que não joga fora algum? “Nunca. A maioria é muito ruim, mas não consigo. Tenho muito respeito pelos livros”. Um dos quartos do apartamento de António Lobo Antunes(Lisboa, 1942) é preenchido apenas com as traduções dos cerca de trinta livros que publicou. No estúdio escreve um professor canadense especializado em sua obra. Na Holanda, seu livroCaminho Como uma Casa em Chamas está na quarta edição, e no Brasil será publicado Não É Meia-Noite Quem Quer (Alfaguara, com previsão de lançamento em 19 de outubro), um retrato da condição humana ambientada na guerra de libertação de Angola. Como em cada uma de suas obras, quando Lobo Antunes escreve, dói; e quando fala, também.
Por Javier Martín, no El País

Pergunta. Obrigado por receber-nos em sua casa em Lisboa, a cidade de Pessoa.
Resposta. Não sou um fã de Pessoa.
P. Caramba! O Livro do Desassossego...
R. O livro do não sei o quê me aborrece até a morte. A poesia do heterônimo Álvaro de Campos é uma cópia de Walt Whitman; a de Ricardo Reis, de Virgilio. Eu me pergunto se um homem que nunca fodeu pode ser um bom escritor.
P. Também não há nada de novo em Portugal?
R. Não é um problema de Portugal ou da Espanha. O problema é que hoje não há grandes escritores na Europa — na Irlanda, talvez —, mas não na Inglaterra ou na França, que no século passado teve dois gênios, Proust e Céline. No século XIX você tinha 20 ou 30 gênios na Europa.
O livro do não sei o quê [de Fernando Pessoa] me aborrece até a morte”
P. E nem na América?
R. Na América Latina existem; nos Estados Unidos, não; embora eu goste de Cormac McCarthy. É um problema geral, é só ver quem ganhou os últimos prêmios Nobel.
P. O senhor é que não foi.
R. Não, nunca o ganharei, embora eu sempre apareça nas apostas, como os cavalos. Eu ganhei quase todos os prêmios, mas o que me interessa neles é o dinheiro.
P. É verdade, quando lhe comunicaram que tinha ganho o Juan Rulfo, o senhor respondeu: “Quanto?”.
R. Fiquei mal. Deram-me a notícia em uma videoconferência ao vivo, e os jornalistas mexicanos começaram a rir. Foram 100.000 euros.
P. E o prestígio do prêmio não lhe importa?
R. O prestígio do prêmio é dado pelos escritores, não o inverso.
P. Dedicado à psiquiatria, o senhor é um escritor tardio; até os 37 anos, com Memória de Elefante (1979), não havia começado a publicar.
Não há grandes escritores na Europa. Na Irlanda, talvez”
R. Ninguém me queria; nem em Portugal ou em lugar algum; mas um editor americano, que não tinha lido o livro, o publicou. Foi capa deThe New York TimesLos Angeles Times e The Washington Post e se você tem esses jornais, tem o mundo. O primeiro que me chamou da Espanha foi Jacobo [Martínez de Irujo], da [Editora] Siruela, com quem comecei a publicar. Passei semanas escrevendo na casa dele em Ampurdán.
P. Aquele livro se baseava em suas experiências como psiquiatra,Comissão das Lágrimas vem do seu passado militar em Angola.
R. Não me interessa escrever romances de guerra por respeito aos mortos. Estou interessado em pessoas em circunstâncias extremas. Eu queria desertar quando estava lá, mas meu capitão me disse: “Não vá, que a revolução se faz por dentro, não nos cafés de Paris”.
P. E ele estava certo.
R. Sim, não há nada mais difícil do que uma guerra. Aos 18 anos decretei que seria um gênio, mas você chega à guerra e isso desaparece imediatamente; você é um entre muitos. Há duas coisas magníficas do espetáculo da guerra: a beleza da coragem física e o mais horrível, a covardia. Depois de 60 anos você continua com pesadelos por causa das coisas horríveis de que participou. O que proponho é por que não se sente culpa, por que é tão fácil matar e morrer.
P. A crítica diz que Comissão das Lágrimas trata das torturas a Virinha, a capitã do Movimento de Libertação de Angola.
R. Não foi bem compreendido, na verdade é sobre a morte de Jonas Savimbi em um atentado cometido pelos órgãos de inteligência portugueses, israelenses e norte-americanos, que o localizaram pelo celular.
P. A vida sempre em alerta.
Quando não escrevo não me sinto bem, sinto como uma angústia”
R. Quase sempre. Quando o Benfica jogava, escutávamos as partidas no rádio e virávamos os alto-falantes para o lado de fora. Durante 90 minutos não nos disparavam um único tiro. Os guerrilheiros eram do Benfica, como nós.
P. O senhor torce pelo Benfica?
R. E pelo Atlético de Madri, dois times do povo. Estou muito feliz que El Niño [o atacante Fernando Torres, do Atlético de Madri] voltou. Não é o que foi, mas demonstrou ser homem de palavra, que já é coisa rara nos homens.
P. Compromisso, coragem, covardia... O senhor repara muito nos valores básicos das pessoas.
R. E honestidade. Ao escrever, é preciso ser honesto. Mario Vargas Llosa, por exemplo, é um escritor honesto e um prêmio Nobel bem dado. Frank Sinatra dizia: “Posso ser um canalha, posso ser um mafioso, mas quando canto sou completamente honesto”.
P. O senhor gosta muito de música.
R. Eu gosto muito, mas já não ouço os agudos; não ouço os violinos.
P. Diga-me que o senhor gosta de fado.
R. Não me interessa muito. Depois de ouvir dois, acaba sendo muito monótono.
P. E o flamenco?
R. Ah! Isso sim, muitíssimo. Essa sensualidade, essa beleza; Jacobo [Martínez de Irujo] costumava me chamar quando descobria um novo cantor para que fôssemos ouvi-lo juntos. Aprendi mais com alguns saxofonistas de jazz, como John Coltrane e Charlie Parker, do que com escritores.
O que me interessa dos prêmios literários é o dinheiro”
P. O que o senhor aprendeu?
R. O fraseado, a musicalidade do fraseado. No fim das contas eu sou um ladrão, um homem que está sempre procurando coisas no lixo. Meus livros nascem do lixo.
P. E não encontrou um livro que lhe mudasse a vida?
R. Sim. Na minha juventude, não sei como, caiu em minhas mãosNueve novísimos poetas españoles (José María Castellet, 1970). Eu o li e compreendi que não podia continuar a escrever a merda que escrevia. Cada um dos nove era melhor do que eu. O prólogo já era maravilhoso. Como poderia me comparar à Ode a Venecia ante el mar de los teatros, de Pere Gimferrer.
P. E agora, o que salvaria de sua obra?
R. Nunca falo dos livros que acabei. Não leio as provas nem a edição. Quando os entrego, eu esqueço. Acabou. Não pense mal de mim, mas tenho orgulho da minha obra.
P. Não lê as críticas?
R. Eu sei o que eu escrevo. Não preciso lê-las. Nem as de Harold Bloom, embora nesse sentido me pareça mais importante Steiner, o maior gênio que existe. Você sabia que ele tem o piano de Darwin em casa? Muitas vezes confundimos nossos gostos com nossas paixões. Borges é bom, mas eu não gosto; Roberto Bolaño é bom, mas não compreendo o fenômeno, talvez porque ele morreu jovem, talvez eu não goste porque o conheci. Esse é o problema da crítica. Se ela corresponde aos seus gostos, é bom; se não, é ruim.
P. O senhor escreveu 30 livros em 37 anos. Não vai parar?
R. O que posso fazer? Quando não escrevo não me sinto bem, sinto como uma angústia; uma coisa física difícil de explicar. Tenho a impressão de que me fizeram para escrever.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

As línguas que a América do Sul quer salvar

Mais de 400 idiomas, em sua maioria de origem indígena, estão sob ameaça de extinção



Um grupo de crianças indígenas em uma escola em Qemkuket, Paraguai. / EFE

Por D. L. Romero/ N. R. Silva, no El País

No fim do mundo, lá na Patagônia, há uma língua que está a ponto de morrer: o tehuelche. Os falantes que restam, segundo dados daUnesco, podem ser contados nos dedos de uma mão. São palavras, sons, uma cultura inteira que corre o risco de desaparecer. Não é o único caso na região. Existem na América do Sul 420 línguas ameaçadas, de acordo com o Atlas Mundial da Unesco das Línguas em Perigo. A organização calcula que existam entre 8,5 milhões e 11 milhões de pessoas que falam esses idiomas.

Quando uma língua morre, ou “adormece”, como preferem os linguistas, não se apagam apenas as palavras, mas também uma cultura, uma forma de vida, uma maneira de ver o mundo. “Se você perguntar a um membro da comunidade da fala, poderá lhe responder que ela perde sua essência, sua identidade como pessoa e a de um grupo”, afirma Gabriela Pérez, curadora de linguística do Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsonian, em Washington. “Perde-se um sistema único de expressão, mas os idiomas, além disso, são veículos para sistemas de crenças, para conhecimentos da flora e fauna, e tudo isso também morre”, diz o linguista Christopher Moseley, editor do Atlas.
O Brasil é o país com maior variedade linguística da região, mas ao mesmo tempo é o que tem mais línguas em perigo: 178. “No Brasil, muitas línguas pequenas sobreviveram até agora pelo pouco contato que tiveram com o mundo exterior, mas agora a ameaça é maior ao serem invadidas pela civilização. Esta é a realidade de outros países, principalmente na região amazônica”, afirma Moseley.
O Brasil é o país com maior variedade linguística da região
Não há uma receita a seguir para salvar uma língua, e esse é um processo que pode durar décadas, afirmam os linguistas. Segundo Pérez, é necessária a intervenção de especialistas para o ensino da linguagem, bem como material pedagógico. “É preciso que haja um grupo de pessoas com várias aptidões e dispostas a se entregarem à tarefa. Uma legislação que proteja e promova o uso de uma língua é importantíssima. O apoio governamental é um dos vários elementos que podem impulsionar um processo de revitalização”, diz. Moseley considera que, para sobreviver, um idioma precisa sair da comunidade e do âmbito dos seus falantes. Ele concorda que a qualidade da documentação e a disponibilidade de materiais para o ensino definem se um idioma pode ou não ser revitalizado. “Sem educação e alfabetização, uma língua não consegue sobreviver em concorrência com línguas que as têm”, explica.
Outro caminho para manter um idioma vivo é seu uso pelas gerações mais jovens, nos círculos sociais e através das novas tecnologias. “Há sinais alentadores de que os jovens em pequenas comunidades estão utilizando seus próprios idiomas, por exemplo, em mensagens de texto”, afirma o editor do Atlas. Essas línguas agonizantes são ajudadas por detalhes como as versões da Wikipedia e de outras fontes de informações num leque cada vez maior de idiomas, inclusive os muito minoritários. “Parte do processo de deslocamento linguístico consiste na redução ou perda de âmbitos onde se pode falar um idioma, e a tecnologia permite abrir espaços nos quais seja possível usar uma língua”, afirma Pérez.

Poucos falantes

O paraujano na Venezuela, o iquito no Peru, o aruá no Brasil, o leco na Bolívia... são línguas que não superam os 40 falantes. Há na América do Sul algumas línguas em maior perigo que outras, algumas com menos falantes, com menos apoio governamental, com menos programas que lutem por sua revitalização. Moseley diz, no entanto, que a América do Sul é uma das regiões do mundo que o deixam mais otimista sobre o futuro das línguas minoritárias. “Em muitos dos países da região os preconceitos dos falantes do espanhol contra quem fala línguas minoritárias diminuiu, mas ainda há um caminho a percorrer”, afirma.
Há no mundo cerca de 6.000 idiomas, sendo que metade deles deverá desaparecer até o final deste século, segundo cálculos da Unesco. O editor do Atlas afirma que a taxa de extinção se desacelerou nos últimos anos, mas continua muito rápida.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Como treinar a memória


Sudoku e palavras cruzadas não são suficientes. Um bom exercício para o cérebro deve quebrar hábitos rotineiros, com atividades como ler o jornal de trás para frente e fazer a conta do mercado de cabeça.


Da Deutsche Welle
Dizem que Sudoku e palavras cruzadas fazem bem para a cabeça. Na verdade, essas atividades dificilmente contribuem para melhorar a memória ou aumentar a capacidade de raciocínio. Elas servem apenas para treinar habilidades necessárias para realizar esses exercícios ou similares. Quando os enigmas viram rotina, o cérebro recorre às conexões nervosas já existentes, em vez de fazer novas.
Um bom treinamento para a memória envolve lidar com diferentes técnicas e variar sempre os exercícios. Quando há o desvio de um hábito, o cérebro cria novas conexões. A pessoa pode, por exemplo, ler o jornal de trás para frente alguns dias ou, quando for ao supermercado, somar os valores da compra de cabeça.
Quem quiser manter a memória afiada, deve se aventurar no desconhecido, como, por exemplo, aprender malabarismo ou uma nova língua. As informações complexas novas estimulam exatamente a região do cérebro mais ameaçada de degradação com o passar do tempo.
Aqueles que aprendem um instrumento também fazem um bom exercício. Ao tocar uma música, muitas partes diferentes do cérebro são ativadas, por exemplo, as áreas de habilidades motoras e de escuta e estruturas da memória, como a de planejar com antecedência.
Campeonato de memória
Althea Heidemüller, vice-campeã júnior no Campeonato Alemão de Memória, treina num internato particular, com aulas em grupo e individuais.
Em um minuto, de quantos números Althea consegue se lembrar na ordem certa? Seu treinador, Steffen Bütow, cronometra, e a jovem usa fones de ouvido para manter a máxima concentração. O resultado: 26 números. A maioria das pessoas consegue se lembrar apenas de dois a seis.
Para guardar tantas coisas na cabeça, Althea usa o método do Palácio da Memória — também chamado de método de loci (plural de locus, "lugar" em latim). Com base em objetos de uma sala, Althea imagina um circuito, em que cada item "recebe" um número. Assim, ela associa os números a objetos.
O 46, por exemplo, é um cone, que, na imaginação de Althea, é colocado sobre a escultura do tio Fritz. "O velho tio Fritz queria ter um chapéu, mas as lojas de chapéu já tinham vendido tudo. Quando ele estava voltando para casa, viu um cone na rua e pensou que era um chapéu bonito que alguém, provavelmente, havia perdido. Então, ele pegou o cone e levou com ele. Por isso que ele tem um cone na cabeça", conta.
Com esse método, Althea consegue se lembrar de cem números em dez minutos. "Ela já tem um talento especial, uma memória naturalmente muito boa, e com as técnicas é possível memorizar três ou quatro vezes mais do que sem elas", diz o treinador.
Mais que um passatempo
Uma vez por semana, Althea e outros alunos se reúnem na Associação da Memória. Lá, eles treinam a "memorização de cartas", outra disciplina do campeonato.
Os alunos têm cinco minutos para memorizar a sequência correta de cartas. Althea consegue acertar perfeitamente a ordem de 52 cartas.
"É um pouco mais do que um passatempo, caso contrário, não faríamos isso, porque exige muito da gente e toma tempo", diz a jovem. "Quero ser campeã do mundo um dia."

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Menino pobre descobre livros no lixo e vira médico



Do portal G1.COM

Em Brasília, a leitura transformou a vida do Cícero – o menino catador de lixo que virou médico. “A gente era tudo pequeno, minha mãe não trabalhava, e as coisas eram muito difíceis, não tinha pai”, lembra Alessandra Pereira Batista, irmã de Cícero.

Dona Izaltina teve 20 filhos. Sete estão vivos. Naquela época, Cícero e Alessandra iam buscar comida no lixo.

Globo Repórter: O que ele fazia com os livros?
Izaltina Pereira Batista, mãe do Cícero: Botava um tapete velho, ou uma toalha velha, e botava tudo para secar. Se estivesse sujo, ele pegava um paninho e ia limpando.
“E quando eu abria esses livros, eu acabava vendo um universo. Um universo que acabava me transportando pra outro mundo: um mundo de saber, um mundo de conhecimento”, contou Cícero Pereira Batista, médico.
A fome de saber levou o Cícero a estudar mais. E, quando ele encontrou o primeiro livro de medicina, descobriu a vocação.
Cícero Pereira Batista, médico: Tinha tratamentos já descritos aqui que eu poderia usar com a minha família.
Globo Repórter: Quer dizer que você já estudava medicina muito antes de ir pra faculdade?Cícero Pereira Batista: eu era uma espécie de curandeiro da família.Izaltina Pereira Batista: Ele é muito inteligente, desde pequeno que é inteligente.
Cícero Pereira Batista: O meu caso não foi uma situação de inteligência. Foi uma situação de persistência. Eu estudei, e estudo, para não morrer de fome.
O menino Cícero virou o doutor Cícero. Ele trabalha em hospitais da periferia de Brasília.

“Eu fiz medicina por amor, pra cuidar e pra ser útil para o próximo. E eu só consigo salvar vidas e aliviar o sofrimento humano, se eu estudar”, disse Cícero.

Um ano se passou desde a formatura. A casa pobre da família ainda precisa de reparos. A prioridade é ajudar a família.

“Eu perdi um irmão assassinado pra violência. Isso marcou muito a minha família. Além, também, de ter perdido irmãos que morreram de fome”, contou Cícero.

A prioridade é cuidar de Dona Izaltina.

“Ele compra um perfuminho pra mim, ele me dá um vestido. Eu como no shopping, onde eu quiser comer. A gente tem que falar a verdade: fome eu não passo mais. Tem ele pra cuidar de mim agora, com toda a peleja ele se formou. E a coisa tá melhorando, vai melhorando pouco a pouco”, contou Dona Izaltina.
Cabeça erguida. Nada do que se envergonhar. 

“Por que eu dou essas entrevistas, por que eu permito que as pessoas saibam da minha vida? Para que as pessoas vejam que é possível sair do estado de miséria e galgar novos rumos. E os livros são a melhor ferramenta pra isso”, afirma Cícero.
Veja o vídeo da reportagem aqui.

O primeiro livro encontrado por Cícero foi enquadrado pelo programa Esquenta!
O primeiro livro encontrado por Cícero foi enquadrado pelo programa Esquenta! (Foto: TV Globo)

terça-feira, 22 de setembro de 2015

30 frases que demonstram que Keith Richards é um fenômeno da oratória

Suas palavras são lições de vida


Keith Richard em um show dos Rolling Stones em Berlim, em 2014. / CORDON

Por Tito Lesende, no El País

Keith Richards (Dartford - Reino Unido, 1943), guitarrista e alma dos Rolling Stones, aproveita uma parada na atividade da banda britânica para lançar seu primeiro disco solo desde 1992. O álbum,Crosseyed Heart, traz alguns bons argumentos para receber a primavera com ânimo: rock de matriz acústica, essência negra,reggae, letras sugestivas (evocando também seus históricos desencontros com a polícia) e um dueto com Norah Jones.

Como se ouvir o disco de Richards (o que recomendamos a você sem paliativos) não fosse suficiente, sugerimos aqui algumas frases para suportar a volta do calor infernal. Recordamos trinta pérolas históricas saídas da boca do guitarrista. Palavra de Keith. Assinamos embaixo.
1. “Durante dez anos, fui o primeiro da lista de quem seria o próximo a morrer. Fiquei decepcionado quando caí no ranking. (...) Um médico me disse que me restavam 6 meses de vida, mas fui ao enterro dele. Os obituários me interessam muito ultimamente. Mas não confio nos médicos. Não digo que não haja alguns bons, mas em geral não confio neles.”
2. “O trabalho mais difícil de todos é ser vagabundo. Mas não se pode fazer da preguiça uma profissão; é preciso trabalhar nisso de verdade.”
3. “Para ser sincero, eu nunca tive problema com as drogas; só com a polícia”.
4. “Se você vai dar uma porrada na cara da autoridade, melhor que seja com os dois pés”.
5. “Só há uma doença fatal: a hipocondria. Fora essa, eu tenho todas as outras”.
Keith Richards e Anita Pallenberg em sua casa de Londres em 1969. / GETTY IMAGES
6. “Plantei um carvalho inglês enorme para espalhar as cinzas do meu pai em volta. Quando estava abrindo a tampa da caixa, uma nuvem de cinzas muito leve foi parar em cima da mesa. Não podia afastá-la sem mais, então recolhi com o dedo e cheirei o resto. Pó é de pai para filho”.
7. “A música é uma necessidade. Depois da comida, do ar, da água e do calor, a música é a próxima necessidade da vida”.
8. “Nunca tive uma overdose no banheiro de outra pessoa.Acho que é o cúmulo da falta de educação”.
9. “Os amigos de verdade são difíceis de encontrar; mas você não procura, eles te acham. Um cresce dentro do outro. (...) A maior parte dos caras que conheço são uns babacas. Tenho vários bons amigos que também são, mas esse não é o caso. A amizade não tem nada a ver com isso. Dá pra ficar e conversar sem a sensação de distância? A amizade diminui a distância entre as pessoas. Para mim, é uma das coisas mais importantes do mundo”.
10. “Sou sagitário: metade homem, metade cavalo. Tenho licença para cagar na rua.
11. “Uma das melhores coisas da minha infância foi ser escoteiro. (...) Queria saber como me localizar no meio do mato, como cozinhar no chão... Por alguma razão, precisava aprender habilidades de sobrevivência. Como depenar uma ave. Como estripar e limpar vários bichos. E sobretudo era uma oportunidade para sair por aí correndo com uma faca na cinta, mas só depois de ganhar várias insígnias. No fim de não mais do que 3 ou 4 meses me fizeram líder da patrulha. Tinha a camisa cheia de insígnias! (...) Um ano ganhamos a competição de construir pontes: nessa noite tomamos uísque até cair e acabamos brigando na barraca. Foi ali que quebrei meu primeiro osso”.
Keith Richards e sua mulher Patti Hansen na entrega dos prêmios GQ, no dia 8 de setembro em Londres. /CORDON
12. “As grandes regras das brigas de navalha são: a) não tente fazer em casa, b) o importante é jamais utilizar a lâmina. Ela está lá para distrair seu oponente. Enquanto ele olha para o aço reluzente, chute as bolas dele e acabou. Esse é o meu conselho”.
13. “Dei uma navegada na internet e li algumas entrevistas, mas prefiro deixar isso para os meus filhos. Simplesmente, não estou interessadono que pensam outros babacas do outro lado do mundo. Fora isso, não faz bem para o corpo nem para os olhos ficar sentado na frente do computador o dia inteiro.”
14. “Quando você está crescendo hádois locais institucionais que te afetam mais do que qualquer outro: a igreja, que pertence a Deus, e a biblioteca pública, que pertence a você.”
15. “Se você quer ser guitarrista, comece por um violão e aprenda bem até chegar na guitarra. Primeiro é preciso conhecer essa vadia.Ir para a cama com ela. Se não tiver uma garota por perto, durma com ela. Tem a forma perfeita”.
16. “Ficar velho é um assunto fascinante. Quanto mais velho você fica, mais velho quer ficar.”
17. “Aprendi a vomitar do jeito certo. Primeiro, se for possível, encontre um recipiente. Essa é a regra número um. Daí você despeja em cascata, como um bocejo Technicolor. Ao mesmo tempo, pode ser que você esteja dando uma cagada. O que é bem difícil. Se for capaz de fazer os dois ao mesmo tempo, vou te colocar no Cirque du Soleil.”
18. “Quando eu me drogava, tomava a melhor coisa que conseguia. Se fosse ópio, seria um bom ópio tailandês. Se fossecavalo, seria heroína pura de verdade, nada dessa merda da rua. Sempre escolhi, exceto quando estava desesperado.”
19. “John Lennon parecia estar concorrendo comigo no que se refere a drogas, e nunca entendi essa atitude.”
Mick Jagger e Keith Richards saindo do tribunal em 1967, acusados de posse de drogas. / CORDON
20. “As grandes músicas são escritas a sós. Elas te arrastam pelo nariz ou pelas orelhas. É importante não interferir demais nisso. Ignore a inteligência, ignore tudo; só siga-a onde ela te levar.”
21. “Eu diria ao gênio da lâmpada que fizesse alguma coisa pelos outros. Ajude os africanos, ajude quem se odeia entre si. Ajude-os a superar seu ódio. Eu não preciso de nada. Tenho o suficiente! Use meu desejo com os outros.”
22. “As pessoas não mudam. Mick Jagger mudou pouco ao longo dos anos. Bem, talvez sua roupa de baixo. Três vezes.”
23. “Para mim, a heroína é a grande questão. É uma droguinha muito impertinente. Pode te pegar pelo rabo antes de você notar. É realmente democrática: sou um puta superstar, mas, quando quero encrenca, estou na roda com todos os demais. Sua vida inteira se transforma em esperar o pico e falar com os caras sobre a qualidade da merda: ‘Não é tão boa quanto a última, né? Então não vou pagar!’. Mas os caras te apontam armas: ‘Me dá tudo!’, e tal. Você vira uma ruína. E é bem desagradável, de certa forma, mas, ao mesmo tempo, não posso dizer que me arrependo.”
24. “Aconteceu na Suíça. Alguém colocou estricnina na minha droga. Eu estava em coma, mas totalmente acordado. Conseguia ouvir todo mundo e diziam: ‘Está morto! Está morto!’. Mas não estava.”
25. “Se as garotas ainda gritam para mim no meio da apresentação? Sim, é verdade. Mas não quando estou no palco, e sim no meio da apresentação.”
26. “Você sabe por que o cachorro lambe o próprio saco?Porque consegue. Os Rolling Stones ainda tocam na nossa idade porque conseguimos.”
27. “Na noite em que Patti [Hansen, atual mulher de Keith] me apresentou a sua família, peguei a guitarra e toquei um pouco deMalagueña. Uma de suas irmãs me disse: ‘Acho que você bebeu demais para tocar isso’. Quebrou o clima, falei ‘chega!’ e quebrei a guitarra na mesa. Mas o surpreendente dessa família é que não se ofenderam. Pode ser que tenham ficado um pouco desconcertados, mas todo mundo estava um pouco alto.”
28. “Não acredito que os compositores de rock and roll tenham de se preocupar com a arte. Boa parte é só acaso, improvisação... No que me diz respeito, Art é só o diminutivo de Arthur.”
29. “No banco de trás daquele Bentley, em algum lugar entre Barcelona e Valência, Anita [Pallenberg, então noiva do guitarrista Brian Jones] e eu nos olhamos. A pressão foi tão bizarra que do nada ela começou a me chupar. A pressão acabou e de repente estávamos juntos.”
30. “As pessoas me perguntam, têm uma inquietação constante, como faço, por que faço. Mas eu digo, e você, que vai para o escritório todo dia? Comparado a isso, meu trabalho é simples.”

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

'Aprendi a criar na Grande Depressão', diz designer de 91 anos do Vale do Silício

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IdeoImage copyright
Image captionBarbara foi contratada aos 89 anos, depois de escrever uma carta para a empresa
Da BBC
Pense no Vale do Silício – a região do Estado americano da Califórnia em que estão concentradas algumas das empresas de tecnologia mais famosas do mundo –, e a imagem que vem à cabeça é a de uma população jovem e "descolada".
Daí a surpresa com a história de Barbara Knickerbocker-Beskind. Aos 91 anos, ela trabalha como designer e é uma referência no campo da terapia ocupacional. Ela conversou com a BBC sobre sua paixão por invenções e explicou o segredo de sua longevidade profissional.
"Durante a Grande Depressão, não tínhamos dinheiro para coisa alguma, então tínhamos que atuar como solucionadores de problemas desde o início. Não havia outra alternativa. As únicas coisas que não fabricamos foram sapatos e óculos.
Criatividade
Meu pai foi um dos primeiros 100 agentes do FBI (a Polícia Federal americana), mas quando eu tinha um ano ele perdeu o emprego e ficou sem trabalhar por sete anos. Tivemos que nos mudar para a casa de minha avó. Mas meu pai era um grande observador e herdei isso dele. E minha mãe sempre foi muito criativa.
Não tínhamos dinheiro para brinquedos, por exemplo, então fazíamos os nossos. Eu, por exemplo, usei dois pneus para fazer um cavalinho – e com ele aprendi muito sobre a gravidade, pois caí várias vezes.
Barbara Knickerbocker-BeskindImage copyright
Image captionA inventora também fez ajustes na própria bengala
Aos 10 anos, já sabia que queria ser inventora, mas o orientador vocacional em minha escola disse que mulheres não seriam aceitas em faculdades de engenharia. Fui então cursar economia do lar, pensando que talvez pudesse desenhar alguns novos abridores de latas.
Mas, em 1945, quando me formei pela Universidade de Syracuse, tive a sorte de ser aceita pelo programa de terapia ocupacional do Exército Americano. Foi o que realmente lançou minha carreira.
Naquela época, a terapia ocupacional usava o artesanato, bem como trabalhos em carpintaria, por exemplo, para ativar as pernas e braços de pacientes voltando da Segunda Guerra Mundial. Minha missão era fazer com que os pacientes ganhassem o máximo de independência possível – que conseguissem segurar uma colher ou um garfo, por exemplo.
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Image captionO colega de asilo de Barbara ganhou um retrovisor para o andador

Carta

Em 1966, aos 42 anos, aposentei-me do Exército e abri um consultório particular – fui a primeira pessoa a fazer isso nos EUA. Desde então, já tentei parar de trabalhar cinco vezes. Nunca consegui. Voltei a estudar e, em 1997, formei-me em Belas Artes, o que me ajudou muito a desenhar minhas invenções.
Em 2013, quando vi uma entrevista na TV com David Keely, fundador da empresa de design IDEO, pensei que minha experiência pudesse ser útil. Ele aceitava e respeitava pessoas de várias origens. Eu tinha 89 anos. Sofro de um problema nos olhos que me impede de usar computadores, então escrevi uma carta.
Uma semana depois, recebi a resposta: a firma precisava de alguém para coordenar o design de produtos voltados para idosos. Fui convidada para uma conversa na sede da empresa e, de repente, vi-me dando uma palestra para mais de 30 pessoas. Tornei-me consultora para produtos e serviços voltados a idosos e pessoas com problemas de visão.
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Image captionBarbara trabalhou como terapeuta na recuperação de soldados feridos na Segunda Guerra
Trabalho uma vez por semana. Caminho três quarteirões até a estação de trem para chegar aos escritórios da IDEO às 10h. Sento-me no mesmo sofá para que todo mundo saiba onde estou. Logo chegam pessoas para marcar hora para conversas sobre seus produtos – é um ambiente extremamente colaborativo.
Adoro trabalhar neste ambiente. Posso ser seis ou sete décadas mais velha que alguns de meus colegas de trabalho, alguns deles com mestrados e doutorados, mas sou aceita como uma igual. Sou respeitada por minha experiência e meusinsights.
Ninguém jovem pode pensar como uma pessoa idosa se sente.
Mesmo eu preciso conversar bastante com meus vizinhos numa comunidade para idosos. Sempre recebo deles ideias sobre produtos. Um deles, por exemplo, inspirou-me a criar uma espécie de espelho retrovisor para que ele possa sair às ruas com mais confiança em seu andador.
Os idosos são uma fonte de ideias que precisa ser melhor utilizada.
Não espero que todo mundo goste de trabalhar como eu. Mas trabalhar é minha identidade."