Jennifer Nansubuga homenageia sua tradição oral. / D. R.
Nem americana, nem africana, nem cidadã do mundo. O termoafropolita, impulsionado pela escritora Taiye Selasi, equivale a uma realidade: ser africana do mundo, que é a sua própria. Esta ganesa residente em Berlim – cujo livro Ghana Must Go – faz referência a “uma noção mais flexível de identidade.” Faz parte de uma geração de narradoras nascidas no continente e educadas no Ocidente, lançadas ao mundo a partir do Canadá, dos EUA ou do Reino Unido, que mostram o outro lado de sua sociedade. “As representações ocidentais reduzem todo um continente ao clichê que convém a eles”, comenta Selasi, que viu como as traduções para o italiano e o alemão de seu livro suprimiam a alusão ao país no título. “E despojada de suas complexidades culturais, políticas, religiosas, linguísticas e econômicas – acrescenta –, a história se transforma em uma tragédia, nada mais. Tenho muita fé em meus leitores e confio em que conseguirão ver além disso.”
Revelou-se com The Sex Lives of African Girls, um texto entre o ensaio e a ficção publicado na prestigiosa revista Granta. Taiye Selasi não tem certeza “se o talento vai ser repatriado”. /NANCY CRAMPTON
Se os seus personagens mantêm uma relação complicada com sua origem, ela vive o paradoxo de contar sobre a África sem residir ou publicar lá. “Acho antiquado reduzir o problema aos escritores locais e leitores ocidentais. Um escritor atinge o mundo inteiro”, diz ela. Aminatta Forna concorda, seu livro The Hired Man (Donde crecen las flores silvestres), acabou de ser traduzido ao espanhol pela Alfaguara. Criada entre a Escócia e Serra Leoa, e orgulhosa de sua “dupla herança”, Forna evita os estereótipos: “Muitas atitudes das mulheres no leste da África são mais progressistas do que as das ocidentais. A mulheres de Serra Leoa trabalhavam e mantinham seus sobrenomes muito antes que as europeias”.
We Should All Be Feminists, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie (publicado em formato digital pela Vintage Books), argumenta que o feminismo é também uma luta dos homens. /GETTY IMAGES
De fato, países como Ruanda (56%), África do Sul (45%) e Moçambique (42%) têm uma representação política feminina igual ou superior à de muitos países europeus. Os esforços destas autoras “podem mudar a ideia predominante sobre a mulher africana”, explica Izaskun Legarza, responsável pela Librería de Mujeres das Ilhas Canárias. “As revoluções devem ser geradas de baixo para cima e não vendidas a partir do exterior”, acrescenta. Contribuindo com isto estão novos personagens como Ifemelu, a protagonista do romance Americanah(Literatura Random House, 2014), da nigeriana Chimamanda Ngozi. Depois de passar pela universidade nos Estados Unidos, afasta-se do sucesso para recuperar sua vida na Nigéria e decide quem e como quer amar, viver e trabalhar. O destino reserva infelicidade para aquelas que se submetem aos homens; para Ifemelu também, quando renega seu cabelo afro e, sutilmente, sua raça.
Aminatta Forna insiste no erro de pensar que “um escritor é desconhecido por não ser popular no Ocidente”, e defende que há características da mulher africana desconhecidos por aqui. / GETTY IMAGES
Nova fornada. Outros nomes de destaque são o da combativa NoViolet Bulawayo, do Zimbabwe, que acaba de ganhar o Prêmio PEN/Hemingway por seu romance We Need New Names; o de Carole Enahoro, filha de nigeriano e britânica, que divide editores com Alice Munro e analisa em DoingDangerously Well a conversão capitalista da Nigéria usando a ironia; Chinelo Okparanta, também nigeriana e premiada nos EUA por seus romances e livros de contos, que aborda questões como o lesbianismo na África ou a religião católica no seu país de origem; ou a ugandesa Jennifer Nansubuga Makumbi, vencedora pela saga de Kintu do Prêmio Kwani de melhor manuscrito – um dos poucos prêmios na África para obras inéditas – em uma espécie de viagem contra a corrente: ela mora em Manchester, Reino Unido, embora publique em Nairóbi, capital do Quênia.
Toni Morrison, a única mulher negra que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. / GETTY IMAGES
Qual o impacto deste novo feminismo na África promovido a partir da literatura? “Talvez haja uma sensibilização, mas muitas vezes é uma ilusão. Você não pode falar de direitos quando não tem dinheiro para a educação dos seus filhos, ou para ir ao médico, quando a sua opinião não importa”, diz a escritora madrilenha María Ferreira, que trabalha em Nairóbi. “Além disso, não é uma sociedade homogênea. Na minha cidade, por exemplo, as mulheres podem optar por ter cargos de responsabilidade, vão à faculdade... mas nas zonas rurais, muitas não foram à escola.”
“O termo feminismo é controverso por seu viés ocidental”, diz Soledad Vieitez, professora da Universidade de Granada, que trabalha em seu livro Revoluciones de género em África. “No entanto, uma nova geração de autores (também homens) está reinterpretando estes conceitos.”
Ator e diretor Alejandro Iñarritu são favoritos a indicação ao Oscar 2015. Keaton interpreta ator que ficou famoso por papel de super-herói.
Da Reuters
Michael Keaton pendurou a capa de Batman há mais de duas décadas, mas o versátil ator alcançou um novo patamar com uma atuação de fôlego, no momento em que tenta recuperar a carreira na comédia dramática com o potencial favorito ao Oscar "Birdman".
No filme do diretor mexicano indicado ao Oscar Alejandro Gonzalez Iñarritu ("21 gramas", "Babel" e "Biutiful"), que estreia nos cinemas dos EUA na sexta-feira (17), Keaton interpreta o ator Riggan Thomson, o qual, como ele próprio, ganhou fama interpretando um super-herói em uma franquia de ação muitos anos antes.
Mas Riggan é atormentado por seu superego de Birdman e por um sentimento de fracasso e mediocridade, e lança mão de uma desesperada tentativa de reconquistar sua credibilidade profissional e sua autoestima ao montar uma peça na Broadway baseada no conto "De que falamos quando falamos de amor", de Robert Carver.
"Ele é um personagem realmente complicado, o que sempre dificulta o trabalho, mas o deixa mais interessante também", disse Keaton, de 63 anos, em entrevista.
"Birdman" é um filme sobre uma peça que Iñarritu engenhosamente filmou no famoso St. James Theater, na Broadway, no que parece uma tomada longa, contínua e sem emendas.
Foi um novo território tanto para o diretor quanto para sua equipe. Cada cena segue o fluxo da próxima, à medida que a câmera segue Riggan por estreitos corredores de teatros, em camarins, para o palco e para fora do teatro na movimentada Times Square, com tambores dando o ritmo.
Keaton disse que nunca viu um filme como esse e admite que houve momentos nos quais ele se questionava por que estavam fazendo daquele jeito, que exigia muitos ensaios, pouco espaço para erros e um comprometimento total dos atores.
"A verdade é que isso não funciona se não fizer assim, porque você não embarca na viagem. Você não conseguiria entrar profundamente", explicou Keaton.
"Há um momento quando se assiste ao filme e você, em silêncio, ouve uma porta fechar atrás de você, e você não vai sair. Você está dentro. Então você entra na cabeça do sujeito".
Keaton escava profundamente o personagem, em uma atuação que conquistou impressionante sucesso de crítica, e a qual a revista "Variety" chamou de "a volta do século".
"Michael Keaton irrompe na corrida pelo Oscar com 'Birdman'", proclamou a revista.
Keaton disse que uma das coisas mais inteligentes que Iñarritu fez foi apresentar aos atores uma foto do equilibrista francês Philippe Petit, que andou entre as torres gêmeas do World Trade Center em 1974.
Estrelam também no filme as atrizes Naomi Watts e Emma Stone.
O filme "Birdman", do mexicano Alejandro González Iñárritu, recebeu seis indicações ao prêmio Spirit de cinema independente, anunciou nesta terça-feira a organização Film Independent.
"Birdman" foi indicado para melhor filme, melhor ator (Michael Keaton), melhor diretor (González Iñárritu), melhor atriz coadjuvante (Emma Stone), melhor ator coadjuvante (Edward Norton) e melhor fotografia (Emmanuel Lubezki).
Filme de Alejandro González Iñárritu, indicado como melhor diretor, lidera as indicações para Spirit Awards. EFE/Arquivo
Ele concorrerá a melhor filme com "Boyhood: da Infância à Juventude", "O Amor é Estranho", "Selma" e "Whiplash: Em Busca da Perfeição".
González Iñárritu disputará com Damien Chazelle ("Whiplash: Em Busca da Perfeição"), Ava DuVernay ("Selma"), Richard Linklater ("Boyhood: da Infância à Juventude") e David Zellner ("Kumiko, The Treasure Hunter", sem título em português).
Os favoritos aos prêmios são "Birdman", "Boyhood", "Nightcrawler" e "Selma", cada um com cinco indicações.
O anúncio dos indicados foi feito pelos atores Rosario Dawson e Diego Luna no hotel W, em Hollywood.
A cerimônia de premiação acontecerá no dia 21 de fevereiro, véspera da do Oscar, em uma praia de Santa Mónica, na Califórnia.
Luciano Serafim dos Santos foi para a escola com 9 anos de idade e, para não trabalhar no corte de cana junto com os pais, escolheu estudar. Acabou se apaixonando pelos livros, foi fazer o curso de Letras em Dourados, no interior do Mato Grosso do Sul, e, agora, produz artesanalmente os próprios livros.
Jornal Dia Dia
Ele é acadêmico do curso de Letras e escritor. Foi para a escola com 9 anos de idade, no interior do Nordeste brasileiro e, para não trabalhar no corte de cana junto com os pais, escolheu estudar. A leitura possibilitou a Luciano Serafim dos Santos conhecer vários lugares e histórias sem sair do lugar, abrindo “outro mundo” em sua vida.
Em Dourados desde 1994, foi com uma professora do ensino médio, em escola pública, que Luciano foi incentivado a confeccionar suas próprias publicações. Segundo ele, a professora reunia os textos dos alunos produzidos durante o ano, montava um livro da disciplina “e quem não se dedicava não entrava no livro. Rosa Decian fazia o aluno ter interesse em produzir seu próprio livro”, conta.
Hoje, Luciano ensina professores a fazerem o mesmo em sala de aula, tema do minicurso oferecido durante a Feira do Livro e da Leitura, que integra a programação da Maratona Cultural promovida pela UFGD, na Unidade 2. “Além disso, essa forma de atuação desperta o aluno para a aula de redação, incentivando a leitura e o estudante a tornar-se escritor”.
Integrante do Grupo Literário Arandu desde 1997, Luciano veicula, desde o ano passado, juntamente com outros autores, o “Arrebol Coletivo”, uma série de publicações confeccionadas artesanalmente, com capa de cartolina colorida, miolo impresso e grampeado. Já foram lançadas cinco edições: ‘Contos Infames’, ‘Nu Silencioso’, ‘Só não disse’, ‘Raiz Transeunte’ e ‘Rabiscos que Sufocam’.
“O livro possui técnicas perenes e foi uma das maiores invenções do homem. A ideia do minicurso foi levar o entendimento desses aspectos de construção e que, no fundo, passam despercebidos ao leitor comum. Hoje já é mais fácil ser um escritor iniciante”, destacou.
O minicurso
O minicurso "Produção de Livros Artesanais: da seleção de textos à festa de autógrafos” abordou a história da escrita desde o tempo do antigo Egito até a invenção do papel e da impressão no oriente e no ocidente. Luciano também apontou a popularização do livro e da leitura no século 19 e o desenvolvimento da imprensa e da literatura.
Depois, o escritor apresentou os trabalhos da Câmara Brasileira do Livro e do Plano Nacional Biblioteca da Escola, criado para promover o acesso à cultura e incentivar a leitura nos alunos e professores, por meio da distribuição de acervos de obras literárias, de pesquisa e referências.
Na segunda parte do minicurso, Luciano ensinou os professores participantes a manusearem o livro artesanal e a produzi-lo, incluindo seus textos, impressão e acabamento.
A nova versão da canção "Do they know it's Christmas?", que lembra o 30° aniversário da campanha beneficente da Band Aid, se tornou número um em vendas no Reino Unido após a comercialização de mais de 300 mil cópias na última semana.
Esta canção natalina, que foi apresentada em 16 de outubro no programa do concurso de música "X Fator", da emissora "ITV", tem como objetivo conseguir dinheiro para a luta contra o ebola no oeste da África.
Bob Geldof (dir.), o diretor do single beneficente do ebola comemora sucesso da canção. EFE/Arquivo
Bob Geldof, o diretor do single de maior sucesso em 2014, agradeceu todo o apoio recebido e disse estar "muito orgulhoso" pelos resultados que o projeto está tendo.
Esta é a quarta versão da canção que foi lançada, disponível nas plataformas "online" por um preço de 99 pence (1,26 euros; 1,57 dólares), e nela destaca-se a participação da banda Bastille e da cantora e atriz Rita Ora.
Bono, Ed Sheeran, Chris Martin e Emeli Sandé colaboraram nesta nova versão da canção que há 30 anos foi parte da campanha benéfica Band Aid contra a crise de fome na Etiópia e que nesta ocasião destina todas as arrecadações à luta contra o ebola.
No número dois da lista das canções mais vendidas no Reino Unido está o single "Real Love", do grupo de música eletrônica Clean Bandit e a cantora britânica Jess Glynne.
Olly Murs, o jovem cantor britânico que ficou famoso através do programa "X Fator", entrou nesta semana no número três da lista com o single "Wrapped Up", no qual conta com a colaboração do rapper americano Travie McCoy.
Se pensamos nos magos da Pixar, talvez imaginemos seus inesgotáveis diretores ou a magia que tiram de atores bastante conhecidos. Ou os roteiristas que elaboraram essas fábulas ilusoriamente simples que parecem parar o tempo; está aí a trilogia de Toy Story como prova. Ou inclusive os designers que conseguiram que um velho intratável como o Up: Altas Aventuras termine parecendo simpático, que o monte de metal sem capacidade de falar de Wall-E emocionasse como se tivesse sido parido pelo E.T. Mas poucas pessoas pensam nos matemáticos.
Na realidade, o verdadeiro segredo dessa magia aparentemente intangível da casa não está na arte, mas na ciência. Sem a matemática pura e dura, muitas das histórias não teriam sido contadas como as conhecemos agora. Um novo vídeo, protagonizado pelo físico-chefe na Pixar, Tony DeRose, no portal matemático Numberphile, revela tudo isso. A chave não está nos uns e zeros dos computadores da empresa, mas na geometria. Nas milhões de diminutas formas que, graças à arte de DeRose, se escondem sob a pele dos personagens e que são o que lhes dá personalidade.
Tão importante quanto os roteiros são as formas geométricas sob a pele dos personagens
Para entender isso basta ver o vídeo no minuto 1:30: DeRose converte um losango em uma superfície suave. No minuto 2:45 mostra o mesmo processo em 3D e no 3:17, o uso que ele tem no cinema. Se o processo parece excessivamente simples – o próprio apresentador diz isso –, podem passar à explicação que começa no minuto cinco com todos os números. Tudo obedece a um sentido estético cimentado nos números que ditam as proporções de cada forma microscópica.
Se não conseguiram ver o vídeo, DeRose explica sua técnica com um losango. Seu método cria pontos médios nas arestas do polígono e depois desloca todos os pontos até a metade da distância do ponto vizinho convertendo o losango em um hexágono irregular. Repete este processo quantas vezes achar necessário até conseguir a suavidade que está procurando, deixando a forma cada vez mais semelhante a um círculo. Isto é o que faz, com maior complexidade, com os modelos em três dimensões que criam os animadores até lhes dar o aspecto desejado.
Do departamento de matemática da Pixar saem a cada ano numerosos artigos sobre animação com nomes tão sugestivos como Simulação artística do cabelo encaracolado, que explica a criação do motor gráfico que anima o cabelo da protagonista Merida, de Brave
E por que tudo isto é tão especial? Tony DeRose, formado em Física e com doutorado em Ciência Computacional pela universidade da Califórnia, é uma das mentes matemáticas mais respeitadas da Pixar. Tem dezenas de artigos científicos em seu currículo. Professor de 1986 a 1995 na universidade de Washington, seus escritos tocam sempre no mesmo tema, o campo dos gráficos gerados por computador. Não é casualidade que, depois de deixar a academia, tenha se unido à divisão das mentes matemáticas da Pixar, onde sua primeira grande contribuição lhe valeu um Oscar com O Jogo de Geri (Geri's Game), um curta-metragem de um ancião que vence a si mesmo no xadrez.
E a técnica que ele explica – claro, no edifício batizado com o nome do benfeitor econômico da empresa, Steve Jobs –, é a que lhe deu fama, reunida em um texto com o título Subdivision Surfaces in Character Animation. O texto é um clássico na área e tem sua origem no momento em que DeRose chegou ao mundo da animação: a forma mais habitual de modelar superfícies complexas e suaves era usando NURBS, um modelo matemático que calcula superfícies curvas a partir de polígonos.
Mas, conforme explica o artigo do DeRose, esse modelo apresentava alguns problemas. Era caro, tendia a apresentar falhas nas cifras e, ao animá-los, aquela suavidade necessária desaparecia. O autor dava como exemplo todo o trabalho manual que foi preciso no Toy Story para esconder esse defeito no rosto do protagonista.
É aí que entra sua técnica. “A experiência é extremamente positiva”, avisa em seu artigo, acrescentando que dá aos modeladores uma liberdade que não tinham com o NURBS, “o que reduz dramaticamente o tempo que devem dedicar a criar e planejar um modelo inicial” e facilitando seu trabalho. DeRose lidera hoje a divisão de pesquisa da Pixar, que emprega onze pessoas, principalmente especialistas em computação.
O verdadeiro segredo dessa magia aparentemente intangível da Pixar não está nas artes, mas na ciência
A Pixar se alimenta da paixão no casamento entre a ciência e a arte. Suas origens remontam a 1979, quando George Lucas, depois do recorde de bilheteria de Guerra nas Estrelas, contratou Ed Catmull, um cientista louco por animação, para sua divisão de gráficos computadorizados. Depois de anos dedicando-se a desenvolver as técnicas de efeitos especiais gerados por computador para a LucasFilm, Catmull decidiu tornar-se independente e fundar a Pixar junto com 38 colegas de trabalho, com Steve Jobs como principal investidor.
Doutor em Ciências da Computação, Catmull é um pioneiro em sua área, criador de várias técnicas de animação, como o efeito de profundidade conhecido como z-buffer, e programas como o Renderman, usado nos efeitos do Titanic ou nas prequela de Guerra nas Estrelas. As equações que a técnica do DeRose usa para formas complexas foram desenvolvidas há 40 anos por Catmull e seu parceiro Clark. Seu braço direito era Alvy Ray Smith, outro desses gênios da animação com um doutorado em Ciências da Computação, professor em Berkeley até 1974 e que acabou indo trabalhar para a Microsoft após vários desentendimentos com o fundador da Apple.
Com essa bagagem não é de se estranhar que a Pixar tenha, desde seus inícios, esse departamento científico. Dali saem a cada ano numerosos artigos sobre animação com nomes tão sugestivos como Simulação artística do cabelo encaracolado, que explica a criação do motor gráfico que animou o cabelo da protagonista de Brave, ou Todo mundo pode cozinhar, dentro da cozinha de Ratatouille. Há outros com títulos tão soporíferos como Problemas avançados no nível de detalhe ou Mapeamento de texturas para um melhor modelo dipolar. A questão é que tanto os artigos divertidos como os entediantes são os que fazem os personagens da Pixar triunfarem como resultado do amor entre a ciência e a arte.
A Unesco anunciou nesta segunda-feira o lançamento de uma biblioteca científica, de forma gratuita e multilíngue, a estudantes de todo o mundo, além da comunidade científica, por ocasião da jornada mundial da ciência ao serviço da paz.
Este instrumento, batizado como Biblioteca Mundial de Ciência (WLoS, por sua sigla em inglês), conta com a parceria e patrocínio da revista científica "Nature" e do laboratório farmacêutico "Roche", indicou em comunicado a Agência da ONU para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
A diretora geral da Unesco, Irina Bokova, acredita que o mundo precisa de mais ciência e cientistas para enfrentar os desafios atuais. EFE/Arquivo
Seu objetivo é "dar acesso a estudantes do mundo inteiro, sobretudo nas regiões mais pobres, às informações mais recentes sobre a ciência".
Além disso, "os estudantes terão também a possibilidade de compartilhar suas experiências e lições através de debates com outros estudantes em um contexto de ensino compartilhado".
Por enquanto, a WLoS conta com mais de 300 artigos de referência, 25 livros e mais de 70 vídeos, cedidos pela "Nature".
"O mundo necessita de mais ciência e cientistas para enfrentar os desafios atuais", indicou a diretora geral da Unesco, Irina Bokova, que pediu "uma educação científica mais apropriada e acessível".
Com este instrumento, a Unesco pretende favorecer a igualdade de oportunidades, melhorar a qualidade do ensino, reforçar a ciência e a educação, promover o uso de conteúdos educativos de livre acesso e fomentar a criação de comunidades de estudantes e docentes.
Alunos brasileiros perdem em média um dia de aula por semana por conta de desperdício de tempo em sala de aula, gasto com atrasos, excesso de tarefas burocráticas (fazer chamada, limpar a lousa e distribuir trabalhos) e em aulas mal preparadas pelo professor - tempo este que deixa de ser gasto com o ensino de conteúdo.
Essa foi uma das principais conclusões de um estudo recém-lançado pelo Banco Mundial que analisou o trabalho de professores na América Latina e seu impacto sobre a qualidade do aprendizado, a formação dos alunos e o desempenho desses países em rankings internacionais de educação.
A pesquisadora Barbara Bruns, uma das autoras do estudo, lembra que o tempo de interação entre aluno e professor é o momento para qual se destinam, em última instância, todos os investimentos em educação. "Nada desse investimento terá impacto na melhoria do aprendizado, a não ser que impacte sobre o que ocorre na sala de aula", diz ela.
O Banco Mundial avaliou 15,6 mil salas de aula, mais da metade delas no Brasil (classes dos ensinos fundamental e médio em MG, PE e RJ), e calcula que, em média, apenas 64% do tempo da classe seja usado para transmissão de conteúdo, 20 pontos percentuais abaixo de padrões internacionais.
Confira a entrevista que Bruns, estudiosa da educação brasileira há 20 anos, concedeu por telefone à BBC Brasil: BBC Brasil - O fato de um tempo tão significativo de aula ser perdido ajuda a explicar o desempenho abaixo da média dos países latino-americanos em avaliações internacionais? Barbara Bruns - Sim, definitivamente é um fator. Em escolas no leste da Ásia, Japão, Cingapura, Finlândia e Alemanha, você não vê professores chegarem à sala de aula sem um material pronto, sem essa percepção de que o tempo precisa ser usado para ensinar e manter os alunos engajados, algo crucial para o aprendizado.
E com frequência nas salas de aula da América Latina parece haver uma falta de organização por parte do professor. Não parece haver a percepção da limitação do tempo e do que economistas chamam de custo de oportunidade de não usar esse tempo para o ensino.
E o tempo entre alunos e professores na sala de aula é o ponto em que culminam todos os investimentos em educação: gastos com salários dos professores, com a formulação do currículo escolar, infraestrutura, material, gerenciamento. Nada desse investimento terá impacto na melhoria do aprendizado, a não ser que impacte no que ocorre na sala de aula.
Vemos que na América Latina muitos países gastam uma proporção alta de seu PIB na educação, e não estão obtendo resultados porque esses investimentos não estão sendo usados (para aprimorar) o momento que os professores têm com os alunos.
Se professores estão perdendo 20% do tempo de instrução com os estudantes, é como dizer que estão sendo perdidos 20% dos investimentos em educação, porque não estão sendo usados para o ensino. BBC Brasil - Como resolver isso? Bruns - Primeiro, mudar a forma como o professor é preparado antes de entrar ao sistema de ensino. Na América Latina, há muito pouca ênfase (nos cursos preparatórios) sobre como gerenciar uma sala de aula, como ser um professor eficiente. Ouço com frequência de ministros e autoridades: as faculdades de pedagogia falam muito de filosofia, história da educação, das disciplinas (do currículo), mas muito pouco sobre a prática do ensino.
Fazendo uma analogia com a medicina, ninguém ia querer um médico que fosse treinado apenas em história da medicina e em questões teóricas. Médicos passam vários anos aprendendo como lidar com pacientes reais. Os professores precisam dessa mesma oportunidade de praticar.
E o que vemos em sistemas educacionais de alta performance, desde Cuba – que tem boa tradição de treinamento de professores – ao leste da Ásia e ao norte da Europa, é que professores em treinamento passam muito tempo observando outros professores e sendo orientados. Isso quase não ocorre na América Latina.
Outra coisa que precisa mudar é o apoio a professores que já estão em sala de aula. Eles precisam receber "feedback" sobre sua performance, ver bons exemplos e ser estimulados a compartilhar conhecimento.
O Rio está fazendo isso no Ginásio Experimental Carioca (projeto que traz mudanças em gestão e currículo escolar nos anos finais do ensino fundamental da cidade), mudando o calendário escolar para criar momentos em que os professores se reúnem para trabalhar juntos; ou colocando professores novos para observar os melhores e mais experientes.
Uma das descobertas mais importantes e surpreendentes de nossa pesquisa é que, dentro de uma mesma escola, há grande variação na forma como os professores ensinam – desde o professor excelente até o que é muito pouco eficiente.
Por isso, é preciso encontrar formas de estimular os professores a trabalhar juntos na escola, como fazem no Japão e na Finlândia.
O Banco Mundial tem um projeto com a Secretaria de Educação do Ceará para criar uma comunidade de aprendizado dentro de cada escola. Daqui a um ano saberemos que tipo de impacto isso terá (no ensino) de 350 escolas. BBC Brasil - A preparação de professores é um dos maiores desafios educacionais da América Latina? Bruns - Uma das estratégias mais importantes de curto prazo na região deve ser o treinamento de professores para que eles usem o tempo de aula de forma mais eficiente e, além disso, mantenham os estudantes engajados.
Ao observar as salas de aula, descobrimos que, mesmo enquanto os professores estão ensinando, metade do tempo eles não conseguem manter os alunos focados no conteúdo.
Víamos os estudantes dormindo, digitando no celular, conversando entre si, olhando pela janela. E isso jamais seria permitido pelos professores do leste asiático, por exemplo – eles estariam dando um jeito de fazer com que todos estivessem engajados. Sabemos que, para aprender, os estudantes têm de estar engajados.
No longo prazo, porém, o desafio é atrair um novo tipo de profissional à carreira de professor: fazer com que ela seja uma carreira atraente para os formandos de melhor performance (acadêmica), como acontece na Finlândia e Cingapura. Daí ficará muito mais fácil obter professores excelentes.
Já na América Latina e nos EUA, a profissão ficou tão degradada que os professores acabam sendo recrutados entre estudantes de pior performance. Ou seja, é necessário criar incentivos para que pessoas com bom desempenho escolham a carreira.
E também acho que, quanto aos aumentos salariais – e há muitas evidências de que os salários dos professores precisam aumentar para atrair pessoas competentes -, eles devem ocorrer de forma diferenciada (de acordo com o desempenho). Não pode ser que professores bons e professores ruins ganhem a mesma coisa.
É preciso criar incentivos para que as pessoas trabalhem melhor e para que os mais inteligentes entrem na profissão. Na América Latina, a maioria das promoções de carreira é com base em tempo de casa, em vez de desempenho. Então em alguns casos, dois professores ganham o mesmo salário, mas um faz um trabalho excelente e outro não faz nada.
A cidade de Washington fez uma grande reforma educacional, estabelecendo claros parâmetros para a excelência de professores e avaliando professores segundo esses parâmetros. Os que não os cumprissem eram demitidos ou tinham um ano para melhorar seu desempenho. Já os excelentes tiveram seus salários dobrados. Passados quatro anos, mesmo em meio a polêmicas, os professores gostaram (do projeto), e o desempenho dos alunos de Washington passou a estar entre os melhores do país.
Mas é bom acrescentar que o Brasil vive um momento empolgante: muitos secretários de educação e prefeitos querem fazer mudanças. Vemos diversas experimentações e inovações promissoras pelo país. Se conseguirmos medir esses experimentos, teremos (armas) poderosas. Nos 20 anos que estudo o Brasil, pude ver muitos avanços. Mas obviamente há muito a melhorar.
Após renovar três cadeiras em outubro, a entidade fundada em 1897, segue com a missão de cultuar a língua e a literatura do Brasil. Saiba como ela funciona
Por Camila Moraes, no El País
A fachada da ABL, no Rio de Janeiro. / Guilherme Gonçalves/ABL
“Vocês aí gastando o nosso dinheiro público!”, diz um ou outro que passa pela avenida Presidente Wilson, onde fica a Academia Brasileira de Letras, no centro do Rio de Janeiro. A reclamação, segundo Domício Proença Filho, é constante, ainda que descabida. A ABL guarda um tom estatal, é verdade. É um lugar de tradições, ritos e com uma importante missão para o país – cultuar e preservar sua língua e sua literatura –, mas ela faz isso com recursos próprios, coisa que poucos sabem, explica o acadêmico. Aliás, pouco se sabe, além do velho papo sobre imortalidade, fardões e discursos longos e inflados, sobre o dia a dia da Academia, que em outubro deste ano substituiu três de suas 40 cadeiras, num processo de renovação pouco comum para a casa.
A Academia Brasileira de Letras é o retrato de um Brasil. Um Brasil elitista, mas que resiste e é necessário. Foi fundada em 1897, em solo carioca, por um grupo de letrados que escolheu Machado de Assis para presidir a instituição privada e independente, criada para advogar pelos direitos e deveres da língua e das letras nacionais. À época, o país tinha uma população de cinco milhões de pessoas, das quais só 30% sabiam ler. Por isso, ela surge com um pensamento meio messiânico, de transmitir o conhecimento de um pedestal, afirmando que “toda sociedade tem suas elites” e que a ABL “é a elite do pensamento brasileiro”. Era preciso angariar os eruditos para instruir as massas e sentá-los em cadeiras perpétuas, só substituídas em caso de morte.
O modelo do projeto foi a Academia Francesa de Letras, com toda sua pompa e circunstância. E é da França, em 1923, que a ABL ganha finalmente uma sede: o Petit Trianon, prédio que ela ocupa até hoje, construído aqui pelos franceses que queriam uma réplica do palácio de Maria Antonieta em Versailles para um evento diplomático. Foi só nos anos 60 que o presidente da Academia à época negociou com o Governo Juscelino Kubitscheck e conseguiu que o terreno ao lado fosse também doado. Ele então levantou um financiamento para construir nele um prédio de 27 andares, hoje ocupado por escritórios e afins, e essa passou a ser a renda primeira da casa, junto com outros imóveis no Rio de Janeiro, também doados.
Domício Proença queima os votos após eleições. / G. Gonçalves/ABL
Hoje, mais dinâmica, aos 117 anos, algumas coisas mudaram. Alguém se deu conta de que esse grupo exclusivo não sobreviveria se não abrisse suas portas também aos “notáveis” da sociedade, ampliando um pouco a coisa da erudição.
Foi assim que Ivo Pitanguy, o famoso cirurgião, conquistou em 1990 seu assento, sentando-se à mesa com grandes escritores da nação. “Pitanguy é um dos maiores cirurgiões plásticos do mundo. Ele melhorou a beleza de várias mulheres... Mulheres famosas etc. Além de ter um trabalho social fantástico”, diz Domício Proença. Algo parecido aconteceu em 2002 com a chegada de Paulo Coelho, ele sim um escritor, porém, para muitos, mais localizado no setor dos best sellers que no do olímpio literário.
As mulheres – que atualmente correspondem a 12,5% dos acadêmicos –, também foram abrindo espaço. Hoje elas são Ana Maria Machado, Cleonice Berardinelli, Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon e Rosiska Darcy de Oliveira. Mas a estreia feminina só aconteceu em 1977, 80 anos depois da fundação da ABL, com a romancista, dramaturga e prolífica cronista Rachel de Queiroz. Para Domício, “a entrada da mulher na Academia é um evento totalmente natural, tranquilo, no ritmo da mudança da sociedade”.
Os imortais são sempre escolhidos mediante eleição por escrutínio secreto. Neste passado mês de outubro, os acadêmicos tiveram de se reunir para esse evento tão especial, geralmente bem mais espaçado no calendário, três vezes. Elegeram Ferreira Gullar, depois de anos de resistência do poeta em lançar sua candidatura, para a cadeira de Ivan Junqueira; Zuenir Ventura no lugar de João Ubaldo Ribeiro; e Evaldo Cabral de Mello em substituição a Ariano Suassuna. Apesar dessa mudança ter um efeito imediato de revigoração, o principal impacto da morte repentina dos companheiros foi o que mais afetou a casa, explica Domício. “É muito raro acontecer isso: em três semanas, três partidas inesperadas. São como membros da família que se vão”.
Mas o dia a dia da Academia tem que seguir, e hoje em dia ele é até que bem agitado. Não só os acadêmicos opinam e se alinham em torno de opiniões oficiais sobre temas atuais, como os direitos de autor e a polêmica ao redor das biografias, como tratam – desde 1907 – de chegar a um acordo com os demais países lusófonos sobre a reforma ortográfica que pretende criar um consenso de caráter principalmente político e mercadológico entre todos. Também têm de criar uma programação cultural interna ativa, que inclui conferências com os imortais, seminários com palestrantes externos, exposições, concertos e até sessões de cinema e shows de música popular. Tudo o que eles pensam e fazem é decidido no tradicional chá das quintas-feiras às 16h, ao qual a maioria (residente no Rio, como obriga o estatuto) tenta estar presente, apesar disso ser realmente difícil para alguns por conta da idade avançada.
O tal chá, apesar de rotineiro, é um evento que obedece perfeitamente o gosto da Academia pelo ritual. Muito ali é tradição, afinal o protocolo e as regras são seu grande patrimônio. “Isso é o que nos garante. Eu costumo dizer que “o rito avaliza o mito”, afirma Domício. A verdade é que para ser um membro da ABL não basta publicar livros, fazer densos discursos e assumir como sua a missão da casa. É preciso acreditar que essa dança das cadeiras mantém viva a nossa reduzida e notável sociedade intelectual. Afinal, que seria do Brasil sem suas elites?
Indice é o mesmo de cinco anos atrás; dados são do Ministério da Cultura. Tocantins é o estado com a maior oferta; Rio de Janeiro tem a pior taxa.
Por Thiago Reis, no G1
Brasil tem uma biblioteca pública para cada 33 mil habitantes, em média. São 6.148 no país. É o que mostra levantamento feito pelo G1 com base nos dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, do Ministério da Cultura, atualizados neste segundo semestre.
O índice é o mesmo de cinco anos atrás. Apesar de terem sido criados mais espaços no período, o aumento da oferta não foi maior que a taxa de crescimento da população.
A meta do governo de zerar o número de municípios sem bibliotecas também não foi alcançada ainda. Hoje, 115 cidades ainda não contam com o equipamento de cultura. Em 2009, eram 361.
Biblioteca Pública dos Barris, em Salvador (Foto: Mateus Pereira/Secom)
A presidente do Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB), Regina Céli de Sousa, diz que os dados não refletem a realidade, ainda mais crítica. “Há casos em que a biblioteca é listada no sistema, mas ela está fechada.” O conselho diz que não estão em funcionamento várias das bibliotecas listadas no site do governo federal.
“Em muitos estados, o que existem são apenas espaços com amontoados de livros sem nenhum tipo de controle, organização, serviço e produtos para a sociedade. Estão lá apenas para justificar as verbas recebidas”, afirma a presidente do CFB. “É difícil encontrar nas bibliotecas públicas do país espaços prazerosos, com um acervo atualizado, e isso é fundamental para que a população frequente os espaços.”
Na semana passada, foi comemorado o Dia Nacional do Livro. Segundo o Instituto Pró-Livro, 76% dos brasileiros não frequentam bibliotecas. Dados da associação mostram também que 50% das pessoas com mais de 5 anos não praticam o hábito da leitura no Brasil – mais da metade diz que a falta de tempo é um dos principais motivos.
Para Regina Céli, um outro problema é a falta de profissionais qualificados atuando nos espaços. “Grande parte não conta com um bibliotecário, que tem um papel fundamental. Além de gerir bases de dados e desenvolver produtos e serviços de qualidade à população, ele atua com mediação e rodas de leitura, com a hora do conto”, diz.
Diferenças regionais
O estado com a maior oferta de espaços por habitante é o Tocantins. São 141 bibliotecas – uma para cada 10 mil pessoas. Já o Rio de Janeiro registra o pior índice: um equipamento para cada 111 mil. O estado, que tem 16 milhões de habitantes, abriga apenas 148 bibliotecas.
Entre as regiões, a que possui o maior número absoluto de bibliotecas é a Sudeste: 1.968. Na Nordeste, são 1.873. A região Sul possui 1.263, a Norte, 525, e a Centro-Oeste, 519.
Compromisso
A Fundação Biblioteca Nacional diz, no entanto, que tem realizado ações para ampliar a quantidade de bibliotecas e que a meta de zerar o número de municípios “vem sendo pactuada junto aos governos estaduais e municipais”. O órgão não comenta as críticas do CFB.
Segundo a fundação, por meio do projeto ‘Mais Bibliotecas Públicas’, o Sistema Nacional de Bibliotecas tem realizado um processo de “mobilização local” em busca da ampliação. O órgão diz ainda que, com o programa, foi possível reunir 1.400 gestores públicos de mais de 350 cidades do país. Vários encontros já foram feitos nos estados.
Também está em curso, de acordo com a fundação, um projeto que tem o objetivo de transformar bibliotecas em referência em acessibilidade. “O governo federal investe na área de bibliotecas integrando as instituições de ensino na área de biblioteconomia”, informa
.
Tom Cruise e Paul Newman no filme “A cor do inheiro”, de Martin Scorsese
Por Sérgio Rodrigues, na revista VEJA
Lendo um texto literário, tento decifrar por que ele me agrada tanto e chego à ideia de precisão vocabular. Será isso? Não, claro que nunca é uma coisa só, mas será isso em primeiro lugar – a precisão na escolha das palavras? O fato de as palavras vestirem as ideias como uma malha justa, roupa de mergulhador, segunda pele através da qual a ideia exibe suas formas com perfeição, quase como se já não fosse a ideia de uma coisa, mas a coisa mesmo?
* Um dos aspectos intrigantes da caça ao vocábulo preciso, aquilo que Gustave Flaubert chamava de le seul mot juste, é o fato de, sendo tão inerente ao bem escrever, ser tão difícil de ensinar. Para começar, não é nada fácil de definir, e a malha ou segunda pele é uma metáfora desesperada que reconhece essa dureza. Identificamos a precisão quando a temos diante do nariz, mas em que ela consiste exatamente?
*Aqui talvez seja necessário afastar a ideia, folclórica mas nunca distante dessa conversa, da “palavra justa” como frescura e álibi para a paralisia do escritor – como parece ter sido muitas vezes para o próprio Flaubert. Se você está escrevendo um conto policial e não consegue se decidir entre “revólver” e “pistola”, jogue uma moeda para o alto e vá em frente, pelo amor de Chandler. A questão da precisão é mais séria e mais sutil do que isso.
*Não é só na literatura: em termos de bom uso da língua em geral, a precisão vocabular conta mais do que a correção gramatical. No entanto, muito se fala de correção e pouquíssimo de precisão. É nesta, na adequação das palavras ao que se diz, que um texto (ou fala) seduz. A correção opera negativamente, evitando que ele seja rejeitado. A precisão é positiva, propositiva. É quando você diz ou não diz a que veio.
*Um cultor da simplicidade hemingwayana ou sabínica vai dizer que é tudo muito simples: chame a casa de casa, o gato de gato. Mas estará sendo simplório, porque o que funciona num texto hemingwayano ou sabínico pode ser um desastre em outros. O preciso aqui é impreciso acolá – a precisão está subordinada à totalidade do efeito pretendido. É quase como Calvinbol: se o narrador alucina, chamar a casa de, sei lá, gaiola, universo ou cubo mágico pode ter uma precisão de bisturi.
*Outro problema da precisão é que muita gente a confunde com preciosismo, com o uso de palavras raras, “difíceis”. Autran Dourado confessou num ensaio ter ficado muito feliz no dia em que descobriu que aquela pedra redonda dos amoladores de faca se chama rebolo. Um leitor certa vez censurou brandamente um conto meu por citar uma máscara carnavalesca veneziana nariguda e não nomeá-la com a palavra justa em italiano: nasone.
Nunca usei a palavra “rebolo”, embora não descarte vir a fazê-lo, e a narradora daquele meu conto, uma senhora idosa e simples, não falaria assim. Aí é que está: ser preciso não é encontrar a palavra justa em abstrato. É encontrar a palavra justa para aquela situação. É possível ser preciso com um vocabulário de 3 mil palavras e impreciso manejando 30 mil.
*Em seu livro “Como funciona a ficção”, o crítico inglês James Wood não fala exatamente de precisão vocabular. No entanto, ao abordar as metáforas, cita uma frase do italiano Cesare Pavese que ilustra bem o que é precisão-no-contexto: o narrador de uma história ambientada numa aldeia atrasada da Itália fala da lua amarela “como polenta”.
Hã? Será que Pavese não tinha algo melhor, mais “literário”, com que comparar a lua? Uma moeda de ouro, por exemplo? Não. Os camponeses de sua história nunca tinham visto uma moeda de ouro, mas comiam polenta todo dia.
*Sabe aquele verso de Aldir Blanc, “caía a tarde feito um viaduto”? Pois é.
*Se a precisão tem regras movediças regidas pela “totalidade do efeito pretendido”, é sobretudo dela, precisão, que depende tal efeito para deixar a bruma das boas intenções autorais e adentrar esse país cobiçado, mas perigoso, chamado cabeça do leitor, onde palavra vira ideia que vira coisa.
*O texto acima é uma fusão/reelaboração de ideias abordadas inicialmente em diversos posts de minha coluna Sobre Palavras.
Maior voz literária de Israel, Amós Oz examina, em seu novo romance, a figura de Judas — e também narra uma delicada história de amor e amizade
Por Jerônimo Teixeira, de Tel-Aviv, na revista VEJA
NA TRINCHEIRA DA RAZÃO – Amós Oz: “Por toda a minha vida, fui chamado de traidor por causa de minhas posições políticas. Mas isso vale por uma medalha de honra” (Isolde Ohlbaum/LAIF/GLOW IMAGES/VEJA)
Você vai ver Amós? Amós Oz?”, pergunta, em inglês, o motorista de táxi — magro, óculos escuros, cabelo grisalho com rabo de cavalo — ao ser informado do endereço em Ramat Aviv, bairro elegante de Tel-Aviv. Não, ele não conhece pessoalmente esse que talvez seja hoje o maior dos escritores israelenses, mas já conduziu outros passageiros para o lar do autor de Fima e A Caixa Preta. O passageiro pergunta se o taxista leu algum dos livros de Oz, e o tom da conversa logo muda de amistoso para beligerante. “Não, eu não concordo com o que ele pensa”, responde o motorista. E engata um longo discurso sobre a absoluta impossibilidade de paz entre israelenses e palestinos. “Não podemos negociar com esses animais”, diz. Minutos depois, Oz recebe a reportagem de VEJA na ampla sala de seu apartamento no 12º andar, cercado de prateleiras de livros e com um janelão aberto para a paisagem da cidade, apenas uma franja azul do Mediterrâneo no horizonte. Acomodado no sofá, ao lado do afável gato Freddie, o escritor, escaldado no debate público, não se surpreende quando ouve a respeito das opiniões do taxista. “Israel é um país de 8 milhões de cidadãos, 8 milhões de primeiros-ministros, 8 milhões de profetas e messias. Todos acham que sabem o que é melhor. Taxistas, quando me reconhecem de alguma entrevista na televisão, de imediato começam a me educar em política e literatura”, diz. Adiante na entrevista, porém, ele fala de traição, um tema basilar em seu novo romance, Judas (tradução de Paulo Geiger; Companhia das Letras; 368 páginas; 44,90 reais, ou 29,90 reais na versão eletrônica) — e volta ao motorista: “Por toda a minha vida, fui chamado de traidor por causa de minhas posições políticas. Suponho que seu taxista deva pensar que sou um traidor. Mas, em alguns casos, o título de traidor vale por uma medalha de honra”, diz, fazendo o gesto de quem prega uma condecoração na própria camisa. Oz esclarece que não está falando do “traidor trivial”, que vende sua lealdade por dinheiro, mas de pessoas que afrontam a resistência a mudanças de seu tempo e lugar. Cita exemplos históricos como Abraham Lincoln, que, ao abolir a escravidão nos Estados Unidos, terá sido visto como traidor por metade do país. E houve traidores na sua vizinhança: “Quando o presidente egípcio Anuar Sadat veio a Israel para firmar o acordo de paz, grande parte do mundo árabe o chamou de traidor. Quando o primeiro-ministro israelense Menachem Begin devolveu o Sinai a Sadat em troca de paz, muitos israelenses o chamaram de traidor”. Em um ousado lance criativo do romancista, Judas, o apóstolo que traiu Jesus por trinta moedas de prata, é incluído nessa companhia.
Aos 75 anos, Amós Oz é, além de grande escritor, um eloquente defensor da divisão do país em dois Estados, um judeu e o outro árabe, como a única alternativa para a paz. “Pelo barulho que se faz aqui, parece que o país tem o tamanho do Brasil ou da China, mas é menor que a Sicília. No entanto, aqui é o único lar dos árabes palestinos e dos judeus israelenses. Será doloroso mas inevitável dividir essa terra em dois países”, diz. Identificado com a esquerda moderada, Oz viveu décadas em um kibutz, fazenda coletiva de inspiração socialista, e diz que lá aprendeu lições sobre a natureza humana que foram preciosas para seu ofício (Entre Amigos, livro de contos recentemente publicado no Brasil, é todo ambientado em um kibutz). Estabeleceu-se na cosmopolita Tel-Aviv há poucos anos, para viver mais próximo de filhos e netos — antes, levava uma vida mais bucólica em Arad, no Deserto de Negev. Não é propriamente um pacifista: lutou na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e na Guerra de Yom Kippur, em 1973, e ainda neste ano apoiou, com ressalvas, a ação militar israelense na Faixa de Gaza. Diz que conversa regularmente com intelectuais palestinos, mas não aceita ouvir o Hamas, grupo terrorista que domina Gaza e que prega a extinção do Estado de Israel. “Não há concessão a fazer com quem quer o fim de Israel. Não posso sugerir que Israel exista só às segundas, quartas e sextas”, diz.
A expressão “voz da razão” é recorrente, quase um clichê, em reportagens sobre o autor na imprensa ocidental. Como é esperado dele, Oz responde a perguntas sobre política recente com serenidade e agudeza, mas também com certa impaciência. Seu desejo é falar da nova criação ficcional. “Qualquer taxista pode dar uma conferência sobre a política no Oriente Médio. Mas só eu escrevi Judas”, diz.
Falemos, então, de Judas. O título do romance é esse na maior parte das traduções ocidentais, mas, no original, seria O Evangelho segundo Judas — ocorre que em hebraico o nome Judas (Iehuda) é muito comum, e não levanta, por si só, as conotações de traição a que a palavra está associada no mundo cristão. Apesar do título, esse não é um livro centrado em eventos bíblicos. Embora admire O Evangelho segundo Jesus Cristo, do português José Saramago, Oz diz que não queria escrever sobre “personagens que vestem túnica e sandálias e vivem entre cabras”. A história se passa na Jerusalém moderna, entre 1959 e 1960, quando a cidade ainda estava dividida, com uma zona controlada pela Jordânia. O jovem Oz viveu nessa Jerusalém conflituada e define a experiência como “claustrofóbica”. O protagonista é um jovem e atrapalhado estudante, Shmuel Asch, que tem vagos planos de escrever uma tese sobre como os judeus, ao longo da história, viram a figura de Jesus Cristo. A tese empaca; quase ao mesmo tempo, Shmuel é abandonado pela namorada e perde o sustento, pois seus pais passam por sérias dificuldades financeiras. Há algo de cômico no azar do personagem (Oz permitiu-se um fugaz mas satisfeito sorriso quando o entrevistador lhe disse que Shmuel lembrava uma criação humorística do russo Nikolai Gógol), mas ele ao mesmo tempo é dotado de inteligência e sensibilidade. Shmuel aceita uma estranha oferta de emprego e moradia como acompanhante de um idoso e idiossincrático intelectual, Guershom Wald — que, mais do que um cuidador, precisa de um interlocutor, alguém que escute suas perorações sobre a natureza criminosa de todas as crenças e ideologias redentoras (Shmuel, de início socialista e admirador da então recente revolução cubana, aos poucos vai absorvendo esse ceticismo). Na casa, mora ainda a impetuosa e independente Atalia, viúva de Micha, o filho de Wald. O pai de Atalia, Shaltiel Abravanel, fora um excêntrico militante sionista: acreditava que Israel não deveria ser uma nação independente, mas um território sob mandato internacional, onde viveriam lado a lado árabes e judeus. Por essas ideias heterodoxas (e irreais), ele acaba expulso do movimento sionista. Sai com a pecha de traidor: reaparece o tema de Judas.
Há apenas um capítulo em que Judas, o próprio, aparece como personagem — fica a sugestão de que se trata de um escrito de Shmuel, mas isso não é dito explicitamente. Na versão do romance, Judas não vendeu Jesus por dinheiro. Preço médio de um escravo então, trinta moedas de prata não representariam muito para um homem de família rica. Ele seria, na verdade, o mais fervoroso dos seguidores de Jesus: acreditava que seu mestre era mesmo o Messias e que desceria da cruz, à vista de todos, para instaurar uma nova era de paz sobre a Terra. Não é, como o próprio Oz diz, o que “os meninos católicos ouvem na escola”. Mas não há aqui nenhuma iconoclastia barata: o escritor afirma que a figura de Jesus lhe inspira fascínio e admiração, e isso de fato transparece na narrativa.
O centro da história, porém, está no presente, na improvável mas genuína relação de afeto (eventualmente algo mais do que isso) que se estabelece entre Shmuel, Atalia e Guershom Wald. “Um pequeno milagre acontece ali”, disse Oz na entrevista. É um romance sutil, delicado, sustentado mais pela lenta composição de personagens do que por grandes viradas de enredo. E, embora não se recuse a mergulhar na história, recente (Micha morre nos conflitos que se seguiram à independência de Israel) ou de longo curso (a associação antissemita entre Judas e o povo judeu é extensamente discutida), o livro conquista o leitor de fato pela frágil e comovente humanidade de seus três protagonistas. Haverá outras vozes da razão em Israel — mas nenhuma outra voz capaz dessa narrativa.
Não se vira a outra face
Respeitada voz pública nos debates sobre o conflito israelo-palestino, o escritor Amós Oz deseja a paz — mas não quer conversa com o Hamas, grupo terrorista que governa Gaza Durante a guerra em Gaza, em julho e agosto, o senhor disse que a ação militar israelense foi “excessiva mas necessária”. Por quê? Quando Israel é bombardeado por uma chuva de mísseis, não se pode esperar que o país ofereça a outra face. Mas não era necessário destruir tantas casas em Gaza para repelir a agressão do Hamas. Isso poderia ter sido realizado de forma mais sutil e cautelosa. Qual a perspectiva de paz duradoura? A razão profunda da tragédia em Gaza é o desespero. Quando eu era criança, minha avó me disse: “Nunca lute com um garoto que não tem nada a perder”. É vital para Israel que Gaza deixe de ser esse garoto. Acredito que, se um Estado palestino existir na Cisjordânia, próspero e em paz com Israel, as pessoas de Gaza terão tanta inveja que derrubarão o Hamas. Traço esta linha: simpatizo com o sofrimento do povo de Gaza, mas desprezo o Hamas. Não pode haver solução de compromisso com quem prega o fim de Israel. Qual a chance de uma solução de compromisso entre as atuais lideranças de Israel e da Autoridade Palestina? Não votei nem votarei no primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Seu governo é intransigente. Faltam-lhe empatia e imaginação, necessárias para a resolução de conflitos. E as mesmas qualidades faltam à Autoridade Palestina.
Um interno da Fundação CASA é finalista
de um concurso nacional de poesia
Sonhar com o prêmio, diz o adolescente de 17 anos,
mudou a sua vida
Por María Martín, no El País
O adolescente é finalista da Olimpíada de Língua Portuguesa. / M. Martín
O adolescente é
finalista da Olimpíada de Língua Portuguesa. / M. Martín
O tema escolhido este ano para o concurso nacional de poesia da Olimpíadade Língua Portuguesa foi “O lugar onde vivo”. Entre os quase 54.000
poemas recebidos, chegou à final o de um garoto de 17 anos, preso pela terceira
vez por tráfico de drogas na Fundação CASA, como são
chamados de forma amigável os centros de internação para menores infratores em
São Paulo. O lugar onde ele vive é formado por quatro celas, um banheiro
dividido entre 30 internos, um refeitório e duas salas de aula com vista para
uma pista esportiva.
Os muros com arame farpado não deixam ver nada do que está do
lado de fora. O jovem, que tem dois filhos gêmeos de um ano, aos quais só
conseguiu ver duas vezes, intitulou seu poema de “Vida em Transição”.
A semifinal em Belo Horizonte, de onde saíram 38 finalistas,
levou o menino pela primeira vez para fora de São Paulo com sua professora e um
agente de segurança. Nunca havia entrado em um avião – “como é grande, né?”,
disse ao vê-lo de perto –, nem sabia o que era se hospedar em um hotel. “Estava
com medo porque pensei que iam me tratar mal, eu era o diferente, há muito
preconceito. Mas fiz amigos e vi pessoas que não conhecia chorando pela minha
vitória. Nunca havia tido essa experiência de gente apostando pelo bem dos
outros. Essa viagem mudou minha vida, me fez ver que, apesar de estar onde
estou e o que fiz, há outras vidas que eu também posso viver”, conta na sala de
aula onde estuda das 7h30 às 12h. O concurso premiou os finalistas com uma
tablet, um computador e um vale de 300 reais em livros. Ele gastou o dinheiro
em vários contos infantis, mas também em JoséSaramago e Agatha Christie.
Alguns dados da
Fundação CASA
10.203 jovens estão internados hoje nos 149
centros da Fundação CASA. 95,36% deles são homens
31,8% dos internos são brancos. O maior
porcentual é de pardos (53,8%). Os pretos são 13,9%
O crime mais comum dos internos é roubo
qualificado (43,44%), seguido de tráfico de drogas (37,57%).
Uma minoria foi detida por crimes mais
graves. Assim, o latrocínio – roubo seguido de morte – representa 0,79% do
total. Os homicídios somam 1,44% de internos e o estupro 0,76%.
A reincidência nestes centros é hoje de
13,5%. Em 2006 era de 29%.
Fonte:
Fundação CASA
A primeira vez que 'Luan Santana', apelido que foi dado pelo
diretor do centro, pisou na instituição tinha 13 anos e foi preso pelo mesmo delito que faz com que 37,5% dos
10.000 menores internos ingressem nestes centros em São Paulo. “Me
pegaram na viela da minha casa com dinheiro e disseram que era do tráfico de
drogas”, afirma. Entre idas e vindas, Luan passou preso mais de dois anos de
sua vida.
Hoje, depois de 12 meses na instituição, espera que o juiz lhe
conceda a liberdade pela última vez. Segundo o centro, está pronto para se
integrar de novo a sociedade e ele não tem dúvidas: “Este não é um lugar
apropriado para ninguém. Eu vou mudar minha vida. Antes nem pisava na escola,
hoje quero ir à universidade. Com tudo isto, descobri um potencial que tinha
escondido.” Na 5ª série, Luan está seis anos atrasado nos estudos. “Faltava
tanto que repeti muitas vezes, mas o empenho é a base de tudo. Vou chegar.
Agora tenho que ser o exemplo para meus filhos”, se anima.
Luan sabe que só a intenção de querer mudar seus passos não será
suficiente. “Uma boa parte dos rapazes que saem daqui com planos de mudança,
emprego e família, acaba voltando a delinquir ao se reencontrar com suas
antigas amizades”, explica o diretor do Centro, Christian Lopes de Oliveira.
“Quero voltar ao meu bairro, mas não quero mais viver ali.
Pretendo sair, fazer novos amigos para ter uma vida diferente”, diz Luan sem
afastar os olhos da conversa. “Estou vendo muito o sofrimento da minha família
e dos meus filhos.” Luan, filho menor de quatro irmãos, vê pouco seus filhos
gêmeos e sua mulher, aos que prefere manter longe dali.
“Independente do ato que cometi, minha família não merece isto.
Preferi que ela não viesse me ver aqui e tenho que aprender a lidar com isso.”
De seu pai, com quem morava, sabe pouco, tirando seus problemas
com álcool. “Viver com ele fez com que despertasse desde cedo algo em mim:
tentar ser independente.” Assim, com 10 anos, começou sua prematura carreira de
trabalho em trabalho: em uma oficina de motos, de carros, em uma empresa de
produtos de limpeza e, no final, na rua. “O bom de estar aqui é que consegui
dar a volta para acima. Por fim entendi que não quero mais isto para mim, quero
é estar perto da minha família.”
Na semifinal de Belo Horizonte, disse, sentiu-se estranho por
estar rodeado de tantas crianças, pois o concurso tem como foco meninos entre
10 e 11 anos.
“Era esquisito no começo, porque eu era o mais velho de todos.
Achava que não ia me enturmar, que não seria capaz de demonstrar minha
capacidade, mas voltei a ser criança. Até os meninos que não ganharam se
alegraram por mim, me disseram que eu merecia.”
A final da Olimpíada será em Brasília no próximo dia 1º de
dezembro. Sua mãe, uma auxiliar de limpeza desempregada que hoje chora de
orgulho, viajará com ele pela primeira vez. O juiz deve decidir se podem ir
sozinhos ou acompanhados de um agente da instituição. “A liberdade é tudo,
senhora.”
Depois de deixar um caderno alguns minutos em suas mãos, Luan o
devolve com uma palavra escrita no meio de uma página em branco: “saudade”.