segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

As lições de Jetro!



Jetro, sacerdote de Mídia, teria se aborrecido ao aguardar durante o dia inteiro, em uma fila, a oportunidade para falar com o genro, Moisés.

Quando, após a longa espera, viu Moisés à sua frente, questionou, sem meias palavras:

-Que é isto que fazes ao povo? Por que te assentas só, e todo o povo está em pé diante de ti, desde a manhã até o pôr-do-sol?

Ao obter a resposta, ficou mais impaciente ainda. Moisés tentou explicar a longa fila argumentando que a ele acorria todo o povo em busca de solução para seus problemas. Jetro então orientou que Moisés escolhesse, dentre seus homens mais capazes e que não comungassem da avareza, líderes do povo, que seriam designados chefes de 1.000, chefes de 100, chefes de 50 e chefes de 10. A esses chefes caberia a resolução dos problemas de mais simples solução, restando a Moisés somente os que passassem pela peneira da hierarquia dos líderes, os problemas de natureza mais complexa.

Ao atender ao conselho do sogro, Moisés estabeleceu um dos primeiros arranjos organizacionais que se tem referência na civilização.

A um só tempo descentralizou a gestão, hierarquizou o comando e o nível das decisões, delegou competências, incorporou os mais aptos no processo gerencial, conseguindo impregnar a administração do Êxodo de racionalidade, de eficácia.

No período que se estende de 4.000 a.C a 2.000 a.C, os egípcios perceberam as vantagens do planejamento e desenvolveram técnicas eficazes de organização e controle, estimulando a descentralização nas suas organizações.

Apesar do aprendizado humano nessa área remontar a períodos tão distantes, como demonstram os exemplos descritos, no Brasil muito pouco avançamos nesses setores.

É raro o cidadão comum recorrer a uma instituição qualquer, pública ou privada, sem que seja submetido a uma via sofrida e tortuosa de filas e esperas, mais filas e mais esperas. E quando de desvencilha de um setor, lá vai ele enfrentar fila em novo departamento.

Nas repartições públicas, as filas se multiplicam como erva daninha. Rompem em todos os departamentos e setores, desdenhando e fazendo pouco caso dos contribuintes, dos cidadãos.

Num mundo globalizado em que as relações econômicas e financeiras se processam em tempo real, todos nos tornamos escravos do sistema bancário. A agência bancária é, sem dúvida, o lugar onde amargamos as mais longas e estressantes filas, o lugar onde percebemos nossas vidas se perder como areia escapando dentre os dedos. Ao contrário de diminuir, à medida que passam os anos, as filas se tornam mais longas e estressantes.

Em 1994, os 11 maiores bancos do país tiveram um lucro de R$ 1,3 bilhão. Passados nove anos, em 2003, esses mesmos bancos acumularam lucro da ordem de R$ 13,8 bilhões, um incremento de mais de 1.000%. Vá o leitor pesquisar os lucros obtidos em 2013... Se uma parte desses lucros - irrisória que fosse - tivesse sido aplicada na erradicação das filas e na qualificação do atendimento ao cliente, o problema estaria solucionado ou ao menos reduzido a um tamanho administrável.

Mas também na educação, a modernização administrativa se restringe ao acervo documental e às cartas de intenções. As filas se multiplicam por todos os lados. Há filas para solicitar informações, filas para se inscrever aos processos seletivos, filas para pré-matricular, filas para confirmação de matrícula, filas para requerer documentos, declarações e certificados, filas para acessar a secretaria, filas para demandar a coordenação pedagógica, filas para interagir com a direção, filas até mesmo para utilizar os equipamentos culturais e esportivos e para fazer uso do banheiro.

E de tal forma as filas se tornaram parte de nosso cotidiano que passamos a acreditar que elas são naturais, inerentes, da estrutura e da essência do sistema.

Se as escolas e unidades de ensino se constituem (deveriam ao menos!) num centro de estudos, pesquisas e reflexões sobre a sociedade e suas organizações, seria razoável supor que pelo menos nelas, este tipo de distorção encontrasse algum tipo de reação. Não é o que ocorre.

Os educadores não podem perder de vista que, pelo fato de lidar com a pesquisa, a reflexão social e a investigação científica, cabe a eles um papel muito maior de racionalizar o fluxo de pessoas – sejam ou não clientes - e os processos de atendimento. Admitir filas em qualquer instituição já é uma distorção, uma mostra da incompetência generalizada da direção responsável. Já filas numa instituição de ensino é aberração injustificável e das mais inaceitáveis.

Quem sabe deveríamos retornar aos idos de Moisés e escutar com mais atenção às lições do velho sacerdote Jetro?!

Antônio Carlos dos Santos criou a metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e a tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.