domingo, 21 de fevereiro de 2021

Brasil quer dinheiro dos EUA para preservar Amazônia

 


Em reunião com representante de Biden, governo diz que precisa de apoio para combater desmatamento. Mas há dúvidas sobre seriedade da proposta. Bolsonaro travou bilionário Fundo Amazônia e atacou doadores europeus.

 

Em uma reunião com o representante para assuntos de clima do governo americano, John Kerry, membros do governo do presidente Jair Bolsonaro endereçaram um recado aos Estados Unidos: o Brasil está disposto a combater o desmatamento e queimadas, especialmente na Amazônia, mas precisa de apoio financeiro internacional para cumprir metas.

O assunto foi tratado num encontro virtual na última quarta-feira (17/02). Além de Kerry, participaram da reunião os ministros das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Segundo apurou o jornal O Estado de S. Paulo, o governo Bolsonaro argumentou que o Brasil vem se comprometendo a enfrentar as mudanças climáticas no âmbito do Acordo de Paris, mas não vem recebendo contrapartidas financeiras suficientes. De acordo com a publicação, uma fonte do governo resumiu os argumentos apresentados na conversa como "a gente faz, mas vocês vão ter de pagar".

Araújo e Salles mencionaram o encontro no Twitter. O ministro do Meio Ambiente classificou o encontro com uma "excelente reunião" e disse que o Brasil pretende negociar com os americanos questões envolvendo créditos de carbono – mecanismo por meio do qual países ou empresas que poluem podem comprar créditos de atores que preservam florestas como forma compensar suas emissões.

Já Araújo foi mais discreto, e reproduziu uma nota do Itamaraty que apontou que no encontro "foram examinadas possibilidades de cooperação e diálogo entre o Brasil e os EUA na área de mudança do clima e de combate ao desmatamento".

O americano Kerry, por sua vez, divulgou uma mensagem diplomática um dia depois, afirmando que "enfrentar a crise climática requer o tipo de grandes medidas que só podem ser alcançadas por meio de parcerias globais" e que teve uma "boa conversa" sobre "cooperação climática, liderança do Brasil e crescimento econômico sustentável" com Araújo e Salles.

Dúvidas sobre a postura do Brasil

Apesar de toda a simpatia exibida pelos brasileiros, há dúvidas sobre o grau de seriedade do governo Bolsonaro na elaboração de um plano de preservação financiado por atores estrangeiros.

Segundo o jornalista Jamil Chade, que cobre diplomacia internacional, técnicos do governo Joe Biden adotaram cautela com as promessas brasileiras e "não se deixaram convencer com a versão do Brasil de que o governo de Jair Bolsonaro está lidando de forma eficiente com o desmatamento no país".

"Em Washington, os argumentos foram considerados como 'insuficientes', inclusive sobre as metas do Brasil para atingir seus compromissos no Acordo de Paris", apontou o jornalista em seu blog.

Histórico de conflitos

Durante a campanha eleitoral dos EUA no ano passado, o então candidato Biden, durante um debate com o republicano Donald Trump, citou a questão ambiental no Brasil e disse que contemplava organizar um fundo internacional de 20 bilhões de dólares (R$ 108,4 bilhões) para ajudar o país sul-americano a proteger a Amazônia. No entanto, Biden advertiu que, se mesmo assim os brasileiros persistissem com o desmatamento, o Brasil poderia vir a sofrer consequências econômicas, sinalizando possíveis retaliações ou sanções. "Parem de destruir a floresta. E, se vocês não pararem, irão enfrentar consequências econômicas significativas", disse Biden.

À época, o governo Bolsonaro reagiu imediatamente. "O que alguns ainda não entenderam é que o Brasil mudou. Hoje, seu presidente, diferentemente da esquerda, não mais aceita subornos, criminosas demarcações ou infundadas ameaças", escreveu Bolsonaro logo depois do debate. "Nossa soberania é inegociável", completou o mandatário, um fã declarado de Trump e que torceu abertamente pela reeleição do republicano.

Numa entrevista publicada no início de novembro, Biden voltou a mencionar a Amazônia e a possibilidade de pressionar o Brasil economicamente para garantir proteção da floresta. Biden tem colocado a agenda ambiental como uma das prioridades do seu governo. Nesta sexta-feira, seu país voltou oficialmente ao Acordo Climático de Paris.

Em novembro, Bolsonaro chegou a insinuar que poderia ter que recorrer à força militar para driblar eventuais sanções econômicas impostas por Biden em resposta ao desmatamento desenfreado da Amazônia.

Impasse com outros doadores

A reunião desta quarta-feira sinaliza que, por enquanto, o governo brasileiro quer evitar voltar a antagonizar com Biden sobre clima e preservação do meio ambiente. Mas o histórico do governo brasileiro na área indica que envio de recursos financeiros em troca de preservação não são uma garantia de uma relacionamento harmonioso ou de que o Brasil venha a aceitar cobranças em troca de dinheiro.

A partir de 2019, o governo brasileiro prejudicou de maneira ativa a continuidade do Fundo Amazônia, programa bilionário de proteção à Floresta Amazônica que conta com doações da Noruega e da Alemanha.

No momento, o mecanismo atravessa sua maior crise desde a criação em 2008. O impasse começou no primeiro semestre de 2019, quando o ministro Ricardo Salles promoveu uma série de mudanças unilaterais na gestão do programa, incluindo a extinção de dois comitês, o que contrariou os alemães e os noruegueses, que não foram consultados previamente sobre a medida.

Além disso, Salles pretendia usar recursos do fundo para indenizar proprietários que vivem em áreas incluídas em unidades de conservação da Amazônia, o que foi rejeitado pelos europeus. Berlim e Oslo também demonstraram contrariedade com as insinuações – sem provas – do governo Bolsonaro de que há indícios de irregularidades em contratos do fundo.

Como resultado, o fundo segue paralisado, sem previsão de contemplar novos programas. Apenas iniciativas em andamento continuam recebendo financiamento. A Noruega era a maior doadora do fundo, tendo repassado 3,1 bilhões de reais para a iniciativa em pouco mais de dez anos. A Alemanha, por sua vez, doou cerca de 200 milhões de reais.

Ainda em 2019, a Noruega suspendeu novos repasses. A Alemanha, por sua vez, cortou programas de financiamento paralelos por causa do aumento do desmatamento e das queimadas no Brasil. Os valores retidos somavam 35 milhões de euros (cerca de 227 milhões de reais).

Após o anúncio dos alemães, Bolsonaro tratou o congelamento dos repasses com desprezo. "Ela [Alemanha] não vai mais comprar a Amazônia, vai deixar de comprar a prestações a Amazônia. Pode fazer bom uso dessa grana. O Brasil não precisa disso", disse o presidente no domingo.

Diante da resposta de Bolsonaro, a ministra alemã do Meio Ambiente da Alemanha, Svenja Schulze, reagiu: "Isso mostra que estamos fazendo exatamente a coisa certa." Logo depois, o presidente brasileiro voltou a atacar os alemães: "Eu queria até mandar recado para a senhora querida [chanceler federal] Angela Merkel. Pegue essa grana e refloreste a Alemanha, tá ok? Lá tá precisando muito mais do que aqui."

O mesmo tipo de recado foi endereçado aos noruegueses, maiores doadores do fundo. "A Noruega não é aquela que mata baleia lá em cima, no Polo Norte, não? Que explora petróleo também lá? Não tem nada a oferecer para nós. Pega a grana e ajuda a Angela Merkel a reflorestar a Alemanha", disse Bolsonaro.

No segundo semestre de 2019, o ministro Salles viajou a Berlim para tratar de um eventual descongelamento dos recursos. Ele foi recebido com protestos de ambientalistas e teve encontros discretos com membros do governo alemão. Ao final, ele deixou a capital alemã sem obter concessões do governo Merkel.

Logo depois da visita, um porta-voz do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha disse que a pasta não pretendia rever sua posição em relação à suspensão da verba até que houvesse "uma impressão bem fundamentada de que o dinheiro será bem investido". Nada foi liberado até hoje.

Imagem deteriorada

Outros episódios também ajudaram a deteriorar a imagem do governo brasileiro na Europa, como as ofensiva contra o Inpe e o desmonte de mecanismos de fiscalização, que precederam a retenção de valores de doadores.

Ao longo de 2020, o governo brasileiro tentou fazer alguns gestos midiáticos para melhorar sua imagem e vender a ideia de que estava comprometido com o combate ao desmatamento e queimadas. Em novembro, o vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia, comandou uma viagem a três cidades da região amazônica com embaixadores de diversos países.

No entanto, o embaixador da Alemanha, Heiko Thoms, afirmou à DW Brasil  que a viagemnão mudou a percepção do governo alemão sobre as ações de Bolsonaro e que não há previsão para a retomada das transferências ao Fundo Amazônia.

Na Deutsche Welle


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