quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Teatro Amazonas

Óperas, glamour e história em Manaus



Vista de longe, a cúpula do Teatro Amazonas destaca-se no centro de Manaus como símbolo de um tempo glorioso. Há 100 anos, francês e inglês eram idiomas correntes nas ruas da capital amazonense, na boca de homens de negócio que portavam no bolso notas de libras esterlinas. Senhoras esbanjavam elegância em roupas finas encomendadas a costureiros da Europa. Pairava no ar o espírito da modernidade, do crescimento econômico e da renascença cultural. Manaus, na época, era “a única cidade brasileira a mergulhar de corpo e alma na franca camaradagem dispendiosa da belle époque”, observa o escritor Márcio Souza em seu livro História da Amazônia.
Estou sentada no largo São Sebastião, na frente do belo teatro de paredes rosadas, sorvete na mão para amenizar o calor. Casais apaixonados beijam-se sem pudor e pessoas circulam animadas pela noite. Gosto de vir para cá desde que morei em Manaus, em 2007. Já assisti a inúmeros concertos, espetáculos de dança, shows de jazz. Espremi-me na multidão para contemplar o prédio iluminado na noite de Natal. Não importa quanto tempo eu fique longe da cidade: sempre que volto, corro a essa praça que povoa minha mente de lembranças da história local.
A riqueza que fez de Manaus uma cidade cosmopolita e levou à construção do teatro foi gerada por uma árvore da floresta, a seringueira. No fim do século 19, a borracha, flexível e à prova d’água, causou furor em um mundo em plena expansão industrial, mas acostumado a lidar apenas com madeira e ferro. O látex, suco que emana da seringueira e é a matriz da borracha, respondia, em 1910, por um quarto de todas as exportações brasileiras, e saía da Amazônia em barcos a vapor direto para a Europa e os Estados Unidos, onde fábricas da Goodyear produziam de espartilho a mola para porta e zepelins.
A alta sociedade manauense apreciava a dramaturgia estrangeira, mas reclamava de seus palcos acanhados. O projeto do grande teatro ganhou corpo em 1893, com o governador Eduardo Ribeiro. “Ele queria usar a beleza para transforma a cidade”, diz Otoni Mesquita, professor da Universidade Federal do Amazonas. “E, naquele momento, aspirar melhores condições de vida implicava em reproduzir o modelo europeu.”
No porto no rio Negro, a cidade viu desembarcar materiais, arquitetos, construtores, pintores e escultores renomados vindos do Velho Mundo. Espelhos foram importados de Veneza; lajedos e escadarias de pedra, de Lisboa; a cúpula, em verde , amarelo e azul, possui 36 mil peças de escamas de cerâmica esmaltada e telhas vitrificadas na França. No começo de 1897, uma semana depois da inauguração, via-se no palco La Gioconda, de Ponchielli, apresentada pela Companhia Lírica Italiana. O Guarani, Fausto, Carmen e La Traviata foram outras famosas óperas assistidas a seguir no coração da selva. Doenças tropicais não impediam a vinda dos artistas, animados pelos ótimos cachês. (De acordo com o historiador Mário Ypiranga, em 1900, pelo menos seis deles morreram de febre amarela por não cuidar da saúde e se entregar a “excessos boêmios”.)
O teatro era um espaço social tão importante que mantinha o próprio jornal, A Platéa. Em 4 de maio de 1907, os textos mostravam indignação com o fato de que poucos cavalheiros sabiam vestir corretamente o smoking. A mesma edição revela que o chapéu das mulheres era uma questão polêmica: por menor que fosse, atrapalhava a vista de quem se sentava na poltrona de trás.
Entre outras regalias, as elites locais mandavam lavar roupa em Portugal e passavam férias em Nova York. Essa vida fácil iludiu os senhores da borracha. Para eles, a seringueira, ao contrário do ouro, uma riqueza finita da floresta, era uma planta que crescia em um ritmo de fartura eterna. Mas tanto esplendor começou a ruir diante da ambição de um único homem, o jovem inglês Henry Wickham, que convenceu o comandante de um navio a contrabandear 70 mil sementes de seringueira, a pedido do diretor do Jardim Botânico de Londres. Da Inglaterra, elas seguiram para a Malásia, onde milhares de árvores dispostas em plantações sistemáticas resultaram em produção intensa e regular – uma ideia simples e eficiente ignorada pelos barões de Manaus, acomodados na exploração extrativista.
Em 1914, o preço da borracha despencou no mercado internacional; dois anos depois, 200 firmas foram à falência em Manaus. E assim acabou o sonho de quem acendia charutos com notas de 1 000 réis. A cidade entrou em colapso, como descreve Márcio Souza: “Numa manhã calorenta, apareceram os quadros da falência: suicídios, navios lotados de arrivistas em fuga, famílias inteiras de mudança, palacetes abandonados”.
Por Karina Miotto, na NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL