sexta-feira, 31 de outubro de 2014

"Nosso projeto não é político, mas humano", diz Daniel Barenboim


Em entrevista à DW, pianista e regente explica como, em meio à escalada da situação no Oriente Médio, mantém em harmonia os músicos da Orquestra West-Eastern Divan, que completa 15 anos e reúne árabes e judeus.

Da Deutsche Welle
 

Nascido em 1942 em Buenos Aires, o maestro Daniel Barenboim fundou em 1999, ao lado do intelectual Edward Said, a Orquestra West-Eastern Divan. Reunindo músicos palestinos, israelenses, libaneses, sírios, jordanos, egípcios, turcos e iranianos, o grupo é um símbolo da tolerância.

Além da West-Eastern Divan, desde 1992, ele está à frente da Staatsoper Unter den Linden, em Berlim, e é diretor do Teatro alla Scala, em Milão. O prolífero músico também continua sua carreira como solista, tocando piano em alguns dos principais palcos do planeta.

Em entrevista à Deutsche Welle, o pianista e regente de origem judaica falou dos 15 anos da orquestra, da tolerância dentro do grupo e do conflito entre israelenses e palestinos.

"Uma coisa é a forma de interpretar acontecimentos históricos; outra é o dever moral da compaixão", afirma. "Nosso projeto não é político, mas humano."

Deutsche Welle: Como você avalia os 15 anos da Orquestra West-Eastern Divan?

Daniel Barenboim: Artisticamente foram muito positivos. Tudo começou como uma orquestra jovem com diferentes níveis de qualidade entre os músicos. Com o tempo, eles foram se homogeneizando e hoje desempenham um enorme repertório em eventos importantes, como o Festival de Salzburgo, Berlim, Londres... No aspecto extramusical, o resultado foi menos impressionante. A Orquestra West-Eastern Divan só alcançará sua verdadeira dimensão no dia em que puder tocar em Líbano, Síria, Jordânia, Egito, Israel, Palestina, Turquia e Irã, que são os países de onde vêm os músicos. Tocamos uma vez na Palestina em 2005, mas hoje isso seria impossível.

A situação no Oriente Médio se complicou há alguns meses. Esses acontecimentos influenciaram os encontros entre membros da orquestra?

Alguns deles ficaram em dúvida se viriam. No final, vieram todos. Os primeiros dias foram difíceis porque, no que se refere à guerra em Gaza, os relatos de Israel e da Palestina não têm nada em comum. Houve momentos bastante complicados. Mas você não pode esperar que um palestino tenha empatia por uma família israelense que sofre porque se sente ameaçada, nem que um israelense simpatize com as barbaridades que aconteceram em Gaza. Outra coisa é a compaixão. A simpatia e a empatia são reações emocionais, mas a compaixão é uma obrigação moral. Disse a eles: "Se há aqui um israelense que não sente compaixão pelos palestinos e um árabe que não sente compaixão pelos israelenses, não há lugar para você nessa orquestra." Uma coisa é a forma de interpretar acontecimentos históricos; outra é o dever moral da compaixão.

Houve discussão entre os músicos?

Nosso projeto não é político, mas humano. Não buscamos que haja um consenso político entre os membros da orquestra. Isso é impossível entre 120 pessoas vindas daquela região, mas buscamos que aceitem, indaguem e tentem entender a história do outro, principalmente quando não se concorda com ela.
Barenboim à frente da Orquestra West-Eastern Divan em apresentação em Berlim

Recentemente, a Deutsche Welle entrevistou o escritor israelense Amos Oz. Ele começou a conversa perguntando ao jornalista: "O que você faria se seu vizinho se sentasse na varanda do outro lado da rua, colocasse o filho no colo e começasse atirar em direção ao quarto do seu filho?" Você teria uma resposta para essa pergunta?

Muitas pessoas em Israel, nem todos, sabem formular perguntas sobre a obrigação do outro, mas não se questionam sobre suas próprias obrigações. Se nós fazemos a história, não podemos voltar apenas a julho passado, mas muito antes. A história começa, colocando em um marco razoável, na época da Primeira Guerra Mundial, quando a população judaica na Palestina era de menos de 15%. Como se chegou a essa situação de um Estado em que os palestinos se tornaram refugiados e voltaram a ser minoria em sua própria terra? Tem que se fazer perguntas de ambos os lados. Lamentavelmente, no que se refere ao passado, não há uma única e coerente resposta válida para ambos os lados. Desde a invasão de Gaza, justificada ou não, o que vem acontecendo? Muitas mortes, incluindo crianças e um ódio que será difícil de eliminar em muitas gerações. Pode-se, ainda que com dificuldade, falar do ódio entre adultos. Mas ódio entre crianças... O resultado da operação em Gaza é, para os palestinos, muito sofrimento, e para Israel se encontra no mesmo ponto que estava antes. É o que Felipe González, ex-primeiro ministro espanhol, chama de um "empate permanente".

Houve uma mudança na percepção internacional do conflito depois da última ofensiva em Gaza?

A percepção internacional é importante, mas, no final, o mais urgente é a qualidade de vida das pessoas na região. No que se refere a Israel, a pressão externa é muito fraca. Assim que as coisas são. Se a União Europeia quisesse, poderia resolver o conflito em três dias, pressionando o governo de Israel – não estou falando do Estado de Israel, mas do governo – porque todo o mundo ocidental está comprometido em garantir a existência e a segurança de Israel. Isso é justo, sobretudo depois do que aconteceu no Holocausto. Mas garantir isso, não assegura nada, somente esse "empate permanente" em que todo mundo sofre. Se a comunidade internacional se preocupasse de uma maneira honesta, sincera e decidida em lidar com o destino judaico, ela precisa saber que, apoiando a política do governo de Israel, ela só vai manter o maldito "empate permanente".

Você lançou em 2010 uma série de orientações para a União Europeia sobre o conflito. O tempo passou. Você esperava mais da política de Obama em relação ao Oriente Médio?

Quando me lembro do discurso dele no Cairo, pensei naquele momento que, pela primeira vez, se via uma luz no fim do túnel. Mas a realidade não mudou em função daquele discurso. Pelo contrário, o discurso mudou desde então em função da realidade.

Daniel Barenboim durante a entrevista com a Deutsche Welle

O conflito em Gaza passou para um segundo plano na cobertura da imprensa. Você teme que a agenda política também passe para o segundo plano, movida pela ameaça permanente do Estado Islâmico e da epidemia do ebola?

O mundo sofre, desde a queda do Muro de Berlim, que está completando 25 anos, de uma falta de liderança. Havia um equilíbrio durante a Guerra Fria. Depois, tudo se voltou para um lado, e o Ocidente atuou com um triunfalismo incontrolável, como se o capitalismo fosse a resposta para todos os sofrimentos do mundo. Com a perda de hegemonia e da autoridade moral dos Estados Unidos, nós estamos em um momento único na história, que permite vários conflitos, como o "Estado Islâmico", o terrorismo no Afeganistão, a situação na Ucrânia ou o conflito entre árabes e israelenses, permanecerem. Mas isso acontece porque os líderes do mundo não estão engajados, e nós simplesmente não temos uma liderança. Essa é o verdadeiro ponto, e o que eu estou vendo desde a queda do Muro.

Além de fazer seu trabalho, por que você acredita que é necessário se envolver com os problemas do mundo?

Meu amigo Edward Said escreveu um livro sobre esse tema, concretamente, sobre o papel do intelectual na sociedade. Said diz que o intelectual tem a obrigação moral de criticar o establishment. No que se refere à música, há muitas pessoas, tanto interpretes como público, que veem a música como algo maravilhoso, mas vivem em uma torre de marfim. Eu não gosto das torres de marfim. Sinto que é minha responsabilidade o que faço com a Orquestra West-Eastern Divan. A democracia que temos nessa parte do mundo nos dá direitos, mas também responsabilidade.

Você chegaria a se envolver na política?

Não, absolutamente não. O que eu digo, eu digo pelo meu direito de cidadão de expressar o que penso. Aí entra uma questão muito perigosa, o antissemitismo. Não pode ser que, por criticar o governo de Israel, você seja automaticamente considerado um antissemita. Não podemos nos esquecer de duas coisas: em primeiro lugar, os palestinos são tão semitas como nós, os judeus. E em segundo lugar, se critica a atuação de um governo, e não seu povo.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Viva a França!

Os prêmios Nobel de Modiano e Tirole devolve à cultura francesa o esplendor perdido

Por Álex Vicente, no El País



Um músico às margens do rio Sena, em Paris. / DANIEL MORDZINSKI

Repli sur soi. Há anos que os franceses se autodiagnosticam com uma doença à qual se referem com esta expressão, onipresente nos meios de comunicação, e que poderia ser traduzida como "ensimesmamento", "autoisolamento" ou, literalmente, "recolhimento em si próprio". Isso reflete as atribuições de uma cultura que, até pouco menos de um século atrás, era dominante no planeta. Hoje, por outro lado, é afetada por seu narcisismo e autossatisfação, diminuída por um agravado déficit de influência e condenada pelaprofunda crise institucional vivida pela quinta maior potência mundial.

Os ideólogos deste declínio cultural se multiplicaram em uma década e meia. Eles dizem que a literatura francesa deixou de ser relevante lá pelo Nouveau Roman, movimento literário característico da década de 1950. Que os livros traduzidos do francês não representam sequer 1% do mercado anglo-saxão, enquanto quatro em cada 10 títulos publicados na França têm origem estrangeira. Que o cinema não rendeu nada de bom desde os tempos de Godard e Truffaut. Que os intelectuais franceses já não são estudados nas universidades — sentem falta de Sartre e Camus, ou de Proust e Balzac. Que os artistas franceses importam entre pouco e nada: na lista dos 100 nomes mais cotados que a Artprice acaba de publicar não há nenhum francês nascido depois 1945. Nos anos setenta, Yves Klein, Arman e Victor Vasarely estavam na lista dos 10 mais expostos no planeta – apesar deste último ter nascido na Hungria e desenvolvido sua obra na França.
Não faltam números, dados e opiniões para garantir que o panorama é quase catastrófico. Mas algo falha nesta inclemente explicação. Por que a cultura francesa continua sendo, além da balança comercial de compra e venda, uma referência no mundo? Por que os cidadãos franceses se agarram à cultura quase como fator diferencial? Por que seu orçamento não diminui apesar dos apertosfinanceiros que vivem? E como se explicariam, então, os dois prêmios Nobel concedidos este ano a Patrick Modiano e Jean Tirole, e ainda, para maior afronta, em dois campos supostamente irrelevantes na França atual, como a literatura e a reflexão econômica? A boa nova vinda de Estocolmo e sua hiperbólica visibilidade midiática fizeram com que essa teoria da decadência cambaleasse. "Depois de Patrick Modiano, outro francês no páreo: felicidades a Jean Tirole! Pequena surpresa para o French bashing", tuitou Manuel Valls ao saber do segundo prêmio. O primeiro-ministro se referia a esse suposto menosprezo sistemático pelo francês, do qual os cidadãos se dizem vítimas, embora não tenham dúvidas na hora de praticá-lo em ocasião oportuna, divididos entre o chauvinismo e uma nova tendência à autoflagelação.
Le Monde escreveu um eufórico editorial após o Nobel de Modiano. "É uma prova de que a literatura francesa continua ardendo fora de suas fronteiras", defendeu. É apropriado interpretar tal fato como um renascimento? "O Nobel não está orientado pela ideia de recompensar a França, mas a ocasião nos permite questionar o que leva este país a se autodenegrir tanto. Sempre me pareceu uma doença nacional", respondeu Jack Lang, sentado próximo às gelosias que Jean Nouvel projetou para o Instituto do Mundo Árabe, do qual Lang é diretor desde 2013.
Antes, ele teve outra vida: foi ministro de Cultura de François Mitterrand entre 1981 e 1993. À frente dessa pasta, conduziu uma ambiciosa política dotada de um orçamento excepcional. Quando Lang assumiu o cargo, o Governo gastava 2,6 bilhões de francos em assuntos culturais; e ao deixá-lo em 1993, a quantia era seis vezes maior. Se o panorama cultural se transformou no que é hoje, sem dúvida foi graças a ele (ou por culpa dele). Lang se abriu às novas formas de expressão, da arte contemporânea à história em quadrinhos, e às culturas urbanas, além de ter acompanhado a mudança social representada pela chegada dos socialistas ao poder.
Lang não observa declínio cultural algum. "A política e a economia vão mal, mas o cenário cultural e intelectual, que ocupa todos os cantos da vida francesa não. Nosso país é aberto e universal. Existem outras cidades no mundo como Paris? Basta observar a programação de qualquer cinema, as traduções presentes nas livrarias ou os artistas que expõem em qualquer museu", afirmou. "Agrada-nos que nossa cultura viaje pelo mundo, mas não gostamos menos de acolher a de outros lugares. É isso que nos transforma em uma cultura rica". Lang está convencido de que a política cultural que fomentou, partidária de um Estado forte e intervencionista, continua sendo "mais necessária do que nunca" diante da hegemonia do mercado e da dependência crescente do mecenato privado.
Caricaturas de escritores franceses. Da esquerda para a direita: J. M. G. Le Clezio, Annie Ernaux, Atiq Rahimi, Patrick Modiano, Mathias Enard, Yasmina Reza, Jonathan Littell, Pascal Quignard, Fred Vargas e Irène Nemirovsky. / FERNANDO VICENTE
A árvore que atrapalha a visão da floresta. Os pessimistas utilizam esta metáfora para afastar todo o triunfalismo. Para eles, os dois Nobel seriam a exceção que confirma a regra, igual ao fenômeno protagonizado este ano por Thomas Piketty, economista estrela e autor do livro O Capital no Século XXI, que teve 200.000 exemplares comercializados em todo o mundo. Imerso em um ofegante tour promocional, Piketty dá uma resposta que ecoa seu descontentamento: "O problema da França — e também da Europa — é seu Governo, e, em nenhum caso, sua cultura ou seus pesquisadores".
A imprensa americana, herdeira da secular relação de amor, ódio e respeito à França, também acha que uma árvore frondosa impede a clara visualização do que acontece. O The New York Times garantiu, há poucos dias, que as condecorações não fazem mais do que refletir "a estratificação entre uma pequena elite hipereducada e o resto do país". E, em 2008, a revista Time já havia semeado o pânico ao publicar uma capa com um título para escandalizar: A morte da cultura francesa.
Michel Onfray tem argumentos diferentes, mas seu ponto de vista também é negativo. "Acredita, de verdade, que o Nobel de Economia significa que a França dispõe de uma economia saudável? Ou que o de Literatura diz algo sobre o estado de nossa literatura?". Traduzido para 13 línguas, o filósofo criou, em 2012, a Universidade Popular de Caen, por meio da qual compartilha seminários gratuitos para democratizar o acesso à cultura. Em sua opinião, não existe um renascimento. "Para renascer, a França precisaria ter morrido, o que nunca aconteceu". Mas ele observa uma decadência. "Sua raiz se encontra no momento em que o socialismo abraçou o liberalismo, um regime em que o dinheiro dita a lei. É isso que ocorre hoje nas áreas de educação, saúde, segurança e trabalho, e também na cultura".
É difícil encontrar vizinhos europeus onde a criação artística ocupe o mesmo espaço
No entanto, é difícil encontrar vizinhos europeus para os quais a criação artística ocupe o mesmo espaço no imaginário coletivo, onde os debates intelectuais tenham a mesma importância e os orçamentos para a cultura a mesma proporção. Na França, o Ministério receberá sete bilhões de euros (21,8 bilhões de reais) em 2015, quantia à qual serão acrescentados outros 7 bilhões adicionais fornecidos por regiões e municípios. Na Alemanha, o orçamento federal para a cultura é de 1,2 bilhão de euros (3,7 bilhões de reais) – embora os Länder financiem a maior parte do orçamento, e o total se aproxime de 8 bilhões de euros (24,9 bilhões de reais). No Reino Unido, o Arts Council só recebeu o equivalente a 2,6 bilhões de reais este ano, após sucessivos cortes. E, na Espanha, a verba orçamentária de Cultura será de 749 milhões de euros (2,3 bilhões de reais) em 2015.
Nem sequer Nicolas Sarkozy, que tinha insinuado que suprimiria o Ministério da Cultura se assumisse o poder, se atreveu a realizar cortes de gastos quando assumiu a presidência. Enquanto o resto do continente fazia o setor minguar após a irrupção da crise, Sarkozy o aumentou em 20% durante seu mandato. Os boatos atribuíram tal atitude a seus amores por uma cantora, embora o motivo fosse puramente político. De demonstrar menosprezo por A Princesa de Clèves, leitura obrigatória para concursos públicos, Sarkozy passou a enumerar de cor a filmografia de cineastas neorrealistas. "E o que dizer de DreyerOrdetGertrud... E esse Bergman... Gritos e Sussurros é maravilhoso. Essas três mulheres... É duro, né? Vejo uma centena de filmes por ano", disse em 2010, com indubitável ostentação, perante um grupo de estudantes desconcertados. Ele entendia que defender esse patrimônio era inerente ao cargo que ocupava. Um espetáculo similar em qualquer outra latitude se adequaria melhor a uma obra de ficção científica do que à realidade.
Ao falarmos de cinema, cabe acrescentar que o francês reconquistou o primeiro lugar em termos de fração de mercado em 2014, subindo para 46,3% em setembro e superando os 45,7% do cinema americano, em parte, graças a uma série de incentivos estatais aprovados em caráter de urgência para corrigir os maus resultados do ano passado. Os franceses também são líderes europeus em termos de público. Segundo dados do Observatório Europeu de Audiovisual, em 2013, a França vendeu 193,6 milhões de ingressos de cinema, mais que o Reino Unido (165 milhões), a Alemanha (130 milhões), a Itália (107 milhões) e a Espanha (78 milhões). Seus filmes são menos exportados do que em outras épocas, mas ainda despontam sucessos inesperados regularmente. Ícones como O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001) e O Artista (2011) costumam aludir a um passado lembrado com saudade.
Autor do influente ensaio Storytelling, La Machine à Fabriquer des Histoires et à Formater les Esprits, sobre como a noção de narrativa invadiu a política e a comunicação, Christian Salmon acaba de publicar Les Derniers Jours de la Cinquième République, onde vincula a crise institucional e econômica a uma desconcertante perda de controle sobre seu próprio destino. "O país perdeu seu caráter narrativo, deixou de contar uma história. Só se fala de si. É um país subordinado aos Estados Unidos e a Bruxelas, que imita as poses de um Estado soberano. Assistimos ao crepúsculo de uma França que, às vezes, era arrogante demais, mas que, pelo menos, tentava refletir sobre o mundo", lamentou. Salmon não encontra entre seus correligionários ninguém "do nível de Foucault, Deleuze, Baudrillard, Derrida e Bourdieu". "A cultura francesa de hoje reflete um país que duvida de si mesmo e que é assombrado pelo fantasma dessa soberania perdida. Preste atenção em Houellebecq", ressaltou.Une certaine idée de la France. A célebre fórmula de Charles De Gaulle constitui um ponto chave para enfocar o debate. O país continua agarrado a essa "certa ideia da França", que definia a nação como "um país diferente dos demais", como repetiram todos os presidentes desde então. De Gaulle entendia perfeitamente o papel estratégico da cultura. "À medida que a França deixava de ser um grande Império e se transformava em uma potência média, a cultura funcionou como arma para compensar o retrocesso geopolítico e econômico", afirmou Robert Frank, historiador e professor emérito de outra fortaleza da cultura chamada Sorbonne. Frank é o autor deLa Hantise du Déclin, um recente livro que percorre a história de um sentimento fatalista que não é precisamente recente, e que invadiu o clima político "desde os tempos da Belle Époque", às vezes de maneira irracional. "Não existe um declínio cultural. A cultura francesa ainda conta no mundo. O que há é uma crise moral, política e econômica muito profunda. Mas, se esta crise durar, aí sim acabará produzindo uma decadência".
A cultura é nossa única marca mundial. É quase nossa Coca-Cola", ironizou o diretor da emissora France Culture
É inegável que no passado houve épocas mais gloriosas. O primeiro ocupante do cargo de ministro da Cultura da República Francesa se chamava André Malraux. Sua obsessão, de acordo com a estratégia gaullista, era promover o chamadorayonnement da cultura francesa. Ou seja, a promoção de seus artistas além de suas próprias fronteiras. Foi desenvolvida, então, uma alucinante rede de diplomacia cultural, já existente desde 1909, mas que chegou ao apogeu nos tempos do gaullismo. Essa teia se transformou no que é, hoje, o Institut Français. Olivier Poivre d'Arvor é o atual diretor da emissora France Culture, mas entre 1999 e 2010 esteve à frente desta poderosa rede de centros culturais. Enquanto ocupava o cargo, viajou para 190 países promovendo a cultura francesa. "A obsessão por brilhar além de nossas fronteiras está relacionada ao fato de não ter lidado bem com o luto provocado por nosso declínio. Não o digerimos bem. Quando se foi um grande império colonial, econômico e cultural, é normal que, ao se olhar no espelho a cada manhã, a França tenha dúvidas sobre sua atual identidade". Poivre d'Arvor acredita que a cultura de seu país continua sendo importante, "mas sua capacidade de irradiação é menor do que em outras épocas", admitiu. "Se não, o resto do mundo seria queimado por nosso sol. E isso já não acontece, embora, às vezes, alguns raios continuem chegando".
Sobre a questão interna do país, Poivre d'Arvor defende que existem poucas sociedades que dão tanta importância à cultura. "Tem uma grande importância no plano simbólico. Aclama nossos ancestrais, é um legado para nossos descendentes e estreita laços na sociedade de hoje. Para um francês, receber o Nobel de Literatura é tão importante quanto ganhar a Copa do Mundo para outros países", garantiu. "Os franceses gastam 80 bilhões de euros (249,9 bilhões de reais) por ano em consumo cultural. E a cultura é nossa única marca mundial. É quase nossa Coca-Cola", ironizou. A importação dos museus franceses por parte das economias emergentes reforça seu ponto de vista. O Louvre abrirá uma sede em Abu Dhabi no final de 2015 e o Centro Pompidou pode inaugurar outra na China em um futuro próximo.
Para um francês, receber o Nobel de Literatura é tão importante quanto ganhar a Copa do Mundo para outros países
Poivre d’Arvor
Os norte-americanos de dois séculos atrás acreditavam na doutrina do Destino Manifesto, que os impulsionava a continuarem se expandindo além de suas fronteiras quase que por ordem divina. "Com matizes, a França e os Estados Unidos se parecem bastante nisso: acham que têm uma mensagem universal para dar aos demais e se utilizam de sua cultura para transmiti-la", confirmou Robert Frank. "A diferença é que a França mudou de estratégia oficial após o relatório Rigaud de 1979, quando decidiu ver os intercâmbios culturais sob o prisma da troca e não da influência unilateral. Mas, embora o Quai d'Orsay [margem do rio Sena onde estão concentrados alguns museus] já não se valha dessas práticas, essa noção antiquada e quase colonial do rayonnement continua muito viva no imaginário coletivo".
Para a França, a cultura também representa, hoje, uma fonte de riqueza que não pode ser transferida para Bangladesh em busca de menores custos, assim como seu reconhecido conhecimento, ousavoir faire, no mercado da moda e do luxo. Pode ser que seu autêntico poder se encontre aí. O Executivo francês encomendou, no ano passado, um estudo que apontou que a cultura contribuía para o PIB sete vezes mais do que a indústria automobilística. "A cultura também faz parte de nossa vontade de endireitar o país", disse esta semana a nova titular do Ministério da Cultura e das Comunicações, Fleur Pellerin. Desde que assumiu o cargo, esta promissora política, nascida na Coreia do Sul e adotada por franceses quando tinha seis meses de idade, exibe um discurso sem complexos a respeito do aspecto industrial da cultura. Não parece vê-la apenas como um simples prazer sensorial e estético, mas, ao mesmo tempo, não se esquece dos símbolos e da evocação dessa grandeur degradada. "A França é uma grande nação cultural, se não a maior, e devemos nos apoiar nessa excelência para favorecer sua irradiação para o exterior", disse Pellerin ao tomar posse. Em tempos de grandeurdecadente e finanças à deriva, qualquer boa notícia para a vacilante autoestima francesa é bem-vinda.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O que Lou Reed estava ouvindo?


Por Jessica Soares, na Super Interessante

lured
“Música é tudo. As pessoas deviam morrer por ela. Estão morrendo por qualquer outra coisa, então por que não pela música?”, declarou certa vez o músico de personalidade ácida, Lou Reed, que faleceu em uma manhã do domingo, no dia 27 de outubro. Com quase cinco décadas de carreira, a influência de Lou no mundo da música não é medida em discos de platina – nunca foi um grande vendedor de álbuns, mas começou a fazer história em 1964, quando fundou a banda The Velvet Underground, que sacudiu o cenário dominado pelo rock psicodélico. A banda, apadrinhada pelo artista Andy Warhol (que emprestou uma de suas ilustrações para a capa do primeiro e icônico álbum do grupo, de 1967), tinha como personagens de suas músicas doidos, prostitutas, traficantes, ladrões – a galerinha da pesada de Nova York. Gravou quatro discos com a banda antes de partir para a carreira solo, marcada tanto por radicalismos musicais quanto por seu mau humor característico.
Em 2013, com 71 anos e saúde debilitada (foi submetido a um transplante de fígado em abril), o artista, que lançou seu último álbum, Lulu (2011), em parceria com o Metallica, não queria saber de ficar parado, e participou de uma turnê para a divulgação de um livro de fotografias clicadas por Mick Rock. Estava também ligado ao cenário atual da música – além de não poupar elogios ao álbum Yeesus, de Kayne West, sua playlist no Spotify (serviço de streaming musical) era uma mistura de hits atuais e clássicos atemporais. Abaixo, você pode escutar as canções que estavam na lista intitulada “o que estou ouvindo agora” do músico:

Come on a cone, de Nicki Minaj (2012)


Spiritual rebirth, de Albert Ayler (1966)
Clique aqui, para ouvir.

Ooby Dooby, de Roy Orbison (1956)


Life in paper, de Fucked Up (2011)


I’ll be loving you, de The King Khan & BBQ Show (2009)



Waymore’s Blues, de Waylon Jennings (1975)


Kali Yuga, de Georgia Anne Muldrow (2012)


Crazy in love, de Antony and The Johnsons (2009)


I asked for water (she gave me gasoline), de Howlin’ Wolf (1959)


That Lonesome Road, de Lonnie Johnson (1942)


Shake, de Otis Redding (1965)


My heart cries, de Etta James (1959)


The maid needs a maid, de Emily Haines (2006)


Dark parts, de Perfume Genius (2012)



Melted, de Ty Segall (2010)



terça-feira, 28 de outubro de 2014

Filme mistura documentário e ficção ao mostrar um dia na vida de Nick Cave

Da Deutsche Welle

Uma das mais intrigantes figuras do rock é o tema central de "20.000 dias na Terra". Dirigido pelos ingleses Iain Forsyth e Jane Pollard, longa é um ensaio visual que retrata o universo do músico de forma inovadora.
Nick Cave – 20.000 dias na Terra é mais do que um documentário sobre o ídolo do rock. Com uma estética marcante e um jogo fascinante entre o real e o imaginário, o filme busca ser um retrato da alma e da essência do australiano, um dos mais importantes compositores dos últimos 30 anos.
Entre realidade e ficção, música e palavra, a obra dirigida pelos artistas e cineastas Iain Forsyth e Jane Pollard cria um ensaio visual que expõe Nick Cave e, ao mesmo tempo, reflete sobre a vida em geral.
"Conhecemos Nick há mais de sete anos, quando trabalhamos em alguns videoclipes. Quando estava entrando no estúdio para gravar Push the sky away [último álbum do cantor lançado em 2013], ele nos convidou para nos juntarmos a ele", contou Pollard no lançamento do filme na Berlinale, em fevereiro deste ano. "O material que registramos foi tão fantástico, tão diferente, que sabíamos que tínhamos que fazer algo com ele."
A ideia para o filme surgiu quando a dupla de diretores se deparou com um caderno de Nick Cave, em que, entre letras e anotações desconexas, estava escrito "20.000 dias na terra".
Ode à memória
Em mais de 35 anos de carreira, Nick Cave conseguiu um feito quase impossível para a maioria dos grandes nomes do rock: envelhecer com dignidade e ainda ser artisticamente relevante. Se sua voz mantém o tom sombrio, suas letras continuam sendo contos de amor e desespero, sua música quase nunca perde o vigor, tanto por sua poderosa guitarra quanto por seu poético piano.
"O que eu gosto sobre o filme é que ele me deu oportunidade de falar e refletir sobre coisas em que eu estava realmente interessado. Isso geralmente acontece numa situação de entrevista jornalística. Foi me dada a oportunidade de escrever e falar sobre coisas inesperadas, para as quais eu não estava realmente preparado", disse Nick Cave no lançamento do filme em Berlim.
Os diretores foram a fundo na ideia de recriar o 20.000º dia de Nick Cave na Terra: do despertar de seu relógio numa manhã nublada até o passeio noturno ao longo da praia após um show. Esse retrato é atmosférico e vai fundo na busca da poesia visual adequada para destrinchar a essência do artista.
Em certo momento, Nick Cave – que, além de cantor e compositor, também é escritor e ator – diz que as memórias são o que somos. O filme busca criar um processo para recontar essa história com elementos cinematográficos do presente. Num dia na vida do músico, os cineastas traçam um paralelo entre o processo de criação do compositor e o processo criativo de fazer o filme.
Longa traça um paralelo entre o processo de criação do compositor e o processo criativo de fazer o filme
Verdades e mentiras
"Quando você escuta o Nick falar sobre as imagens, foi tudo roteirizado [Nick Cave escreveu os textos]. O resto não foi. Tínhamos planos, storyboards; criamos situações, mas os diálogos são essencialmente improvisados. Sabíamos que queríamos uma visita a um terapeuta e aos seus arquivos pessoais, por exemplo", afirma Forsyth.
Em alguns momentos, o filme pode soar esquemático e artificial, o que por vezes é acentuado pelo seu forte caráter imagético. Mas as boas ideias entre mesclar ficção e realidade criam um retrato original do artista. Nick Cave nunca perde seu cool, mas revela, mesmo que de forma orquestrada, suas vulnerabilidades e nuances de sua personalidade, que podem surpreender os fãs e criar empatia com o grande público.
"Por um lado, o filme não foge do fato de que o que você está vendo é uma mentira, uma ficção. Acho que através do processo de contar a mentira, muitas verdades podem ser descobertas", revela Nick Cave.
"Muito pouco do que você vê é a verdade do que realmente acontece em frente às câmeras, mas a verdade não é tão interessante. Seguir esse caminho é afunilar nossa imaginação. Queremos chegar a um ponto mais rico e inspirador de contar uma história, a tornando mais cinematográfica", completa a diretora.
Diretores recriaram o 20.000º dia de Cave na Terra: do despertar numa manhã nublada até um passeio noturno
Fantasmas do passado
Nick Cave veio do punk. Ainda na escola, ele montou sua primeira banda, The Boys Next Door, que depois se tornou a The Birthday Party. O grupo, que misturava pós-punk com letras sombrias, alcançou relativo sucesso e trocou Melbourne por Londres e, depois, por Berlim Ocidental. Em 1984, o músico formou o Nick Cave & The Bad Seeds, com o qual já lançou 15 discos. Entre 1990 e 1993, Nick Cave viveu em São Paulo.
As cenas capturadas pela dupla de diretores no estúdio são um belo retrato da relação de Nick Cave com a música e seu processo de composição, que culminam numa apresentação ao vivo. "Eu vivo para me apresentar. Algo acontece quando você está no palco, onde você é transportado", revela o músico em certo momento do filme.
Ao invés de buscar músicos e pessoas que construíram a carreira de Nick Cave para entrevistas, os diretores foram muito felizes ao escolherem colocar essas pessoas ao lado do músico – parceiros do presente e fantasmas do passado.
O cotidiano ao lado do atual parceiro, Warren Ellis, é pontuado por conversas sobre a vida e música, criando suas canções no estúdio ou dividindo a catarse do palco. No carro, enquanto dirige por Brighton, cidade litorânea inglesa onde vive, Nick Cave tem encontro com alguns de seus "fantasmas".
Com um interessante simbolismo – uma gaiola com dois passarinhos empalhados, um olhando para o outro na porta malas de seu carro – Nick Cave não tem como fugir de suas conversas com os antigos parceiros. Ele discute o que é ser uma estrela do rock com Mick Harvey (ex-The Birthday Party), tem uma conversa agridoce com Blixa Bargeld (do Einstürzende Neubauten, ex-The Bad Seeds) e, numa das mais belas cenas do filme, fala com a estrela pop Kylie Minougue sobre sua relação com a plateia.
"Queríamos fazer uma obra da qual pudéssemos nos orgulhar. Nossa ambição era fazer um filme como nunca se viu antes, ir além das barreiras do que vemos em filmes sobre música. Para isso, você tem que quebrar algumas regras. Esse era um projeto que nunca poderia correr o risco de envolver vaidade. Nossa lei, desde o começo, foi não criar um veículo de promoção", completa Pollard.
Nick Cave – 20.000 dias na Terra foi exibido no Festival do Rio em setembro deste ano, mas ainda não tem data de estreia nos cinemas brasileiros.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Ouvido absoluto - Um dom de gênio

Aqueles que identificam de ouvido qualquer nota musical provocam espanto até entre os músicos. Agora, esse poder misterioso - o ouvido absoluto - começa a ser decifrado nos seres humanos e nos pássaros canoros. E há cientistas que acham que ele é acessível a qualquer mortal.




por Nelson Jobim, na Superinteressante



Muito antes de ficar famoso pelas Bachianas Brasileiras e outras obras-primas da música erudita, Heitor Villa-Lobos já era um menino prodígio, violoncelista profissional aos 12 anos de idade. Mas seria impossível dizer quanto desse talento precoce já tinha nascido com ele. Desde cedo, o genial compositor foi educado pelo pai, músico amador dos mais apaixonados – e professor ultra-rigoroso. Parte de seu método consistia em obrigar o filho a identificar quais notas musicais eram emitidas em qualquer som ambiente, do pio de um passarinho ao freio de um trem. E, toda vez que errava – crock! –, o pobre Heitor entrava no cascudo.
Agora a Ciência está descobrindo, tal como no caso do maestro brasileiro, que o ouvido absoluto não é um dom divino, mas algo que pode ser adquirido por meio de treinamento, desde que feito na infância. Até há pouco, acreditava-se que ele era um privilégio inato e raríssimo, prerrogativa de uma em cada 10 000 pessoas. Essa visão começa a ser derrubada. Há pesquisadores que acham até que todos nascemos com esse potencial.

A educação do ouvido começa cedo
É fácil para um professor de música reconhecer os alunos que têm ouvido absoluto. Essa tribo superdotada costuma sofrer da compulsão de identificar musicalmente qualquer ruído. Há até uma anedota a respeito do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) quando jovem. Uma vez ele teria exclamado “Sol sustenido!” ao ouvir o guincho de um porco.
Mozart, a mais célebre criança prodígio na história da música, tinha em comum com Villa-Lobos um pai ambicioso e exigente, que o obrigava a estudar noite e dia. A questão é saber se ele desenvolveu seu talento extraordinário porque começou cedo ou se começou cedo porque tinha um dom natural.
Nos Estados Unidos, uma pesquisa apresentada em novembro à Sociedade Acústica Americana conclui que todos nós temos, pelo menos em potencial, um ouvido absoluto. Sua autora, a psicóloga Diana Deutsch, da Universidade da Califórnia, partiu de uma analogia com as línguas tonais – as diversas línguas, na maioria asiáticas e africanas, em que uma mesma palavra pode ter diferentes significados apenas variando a entonação.
Deutsch fez um grupo de vietnamitas e chineses repetir os mesmos vocábulos em dias diferentes, analisando os resultados em computador. As diferenças não ultrapassavam um semitom. Tão pouca alteração sugere que os falantes de línguas tonais teriam, todos, ouvido absoluto, pois dependem disso para se entender. “Não quer dizer que sejam capazes de identificar notas musicais. Afinal, não foram treinados para isso”, explicou a pesquisadora à SUPER. “Mas, como aprenderam uma língua tonal na infância, desenvolveram o dom. Se eles puderam, todos podemos, desde que a educação musical não seja tardia”, garante.

De pai para filho
É claro que a disposição genética também conta. O geneticista Peter Gregersen, da Universidade de Nova York, pesquisou 600 indivíduos com ouvido absoluto e descobriu que “25% dos seus filhos também têm essa capacidade, em comparação com 1% dos filhos de músicos sem ouvido absoluto”.
Mesmo assim, Diana Deutsch e Daniel Levitin, psicólogo da Universidade McGill, no Canadá, acham que todos podemos ser educados até desenvolver o dom, independentemente da nossa herança genética. “Cerca de 95% dos filhos de falantes de persa também falam persa”, disse Levitin à SUPER. “Isso não é um fenômeno genético, mas um fato cultural e lingüístico. Tanto que, se você aprender uma língua depois de uma certa idade, sempre terá sotaque e dificuldade de raciocinar nela.” A diferença está, segundo Levitin, em aprender entre 3 e 6 anos. No máximo até os 9 anos.
Na música, dizem os pesquisadores, aconteceria a mesma coisa. Quando uma criança ouve a mãe dizer: “Isto é vermelho, aquilo é marrom”, aprende a identificar a cor com a palavra. Se ouvir um instrumento de som nítido, como piano ou xilofone, e lhe disserem “isto é um dó”, fará a mesma ligação. “O aprendizado transforma essa associação num reflexo condicionado”, diz Levitin (veja na página 58).
Combinar genética com educação é a receita de sucesso. Quem nunca teve um músico na família, certo, tem menos chance. Mas basta os seus pais cantarem afinado no banheiro para você poder investir no treinamento do seu filho como um novo Villa-Lobos – talvez até melhor, sem cascudo. O essencial é educá-lo na infância. “Não acredito que o dom seja 100% natural nem algo que qualquer um possa aprender”, diz o neurologista alemão Gottfried Schlaug, hoje na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. “Afinal, muitos já tentaram, sem sucesso. Mas ninguém desenvolve ouvido absoluto sem estar exposto à música desde cedo.”
Resta um detalhe. O dom não garante criatividade na composição nem genialidade na interpretação. Helen Tucker, professora de música para crianças em Londres, faz questão de ressaltar à SUPER: “Um músico com ouvido absoluto pode tocar como um robô. Perfeição técnica não significa expressividade.”

Cérebro de músico é bem especial
Lobo temporal é o nome da região do córtex cerebral onde são processados os sinais sonoros. “Deduzo que a habilidade de produzir música também deve estar lá”, afirma o neurologista alemão Helmut Steinmetz, um dos pesquisadores da Universidade Henrich Heine, de Düsseldorf, Alemanha, responsáveis pela descoberta de que os músicos têm o lobo temporal esquerdo maior que o dos outros indivíduos.
Steinmetz e seu parceiro Gottfried Schlaug compararam, em exames de ressonância magnética, o cérebro de trinta músicos – onze com ouvido absoluto e dezenove sem – com os de outros trinta indivíduos. Em todos, o lobo temporal esquerdo é um pouco maior que o direito, mas essa diferença chega a ser duas vezes maior entre os músicos e maior ainda entre os portadores de ouvido absoluto.
Para o neurologista Robert Zatorre, do Instituto Neurológico de Montreal, no Canadá, essa constatação torna-se ainda mais surpreendente se considerarmos que o lado esquerdo do cérebro é associado a funções verbais e analíticas e o lado direito à intuição e às artes. Se os músicos têm o lobo temporal esquerdo maior, isso significa que esse hemisfério cerebral também recebe informações musicais – e não apenas o direito. O que indica, claramente, que a música, além de arte, também é linguagem. “Cada um desses hemisférios deve processar diferentes elementos musicais”, conclui Zatorre.
Na experiência realizada por Steinmetz e Schlaug na Alemanha, o mais extraordinário foi a conclusão de que o cérebro pode aumentar de tamanho com treinamento. Schlaug disse à SUPER que “um lobo temporal esquerdo maior do que o direito é a condição necessária para a formação de um ouvido absoluto”. Parece espantoso, mas não é. Segundo Daniel Levitin, as imagens do desenvolvimento do cérebro feitas pela neurologista Helen Neville, em 1994, na Universidade de Oregon, “revelam um enorme crescimento das conexões neurais até os 9 anos de idade e o final desse processo aos 18 anos”. Isso explica tanto a facilidade das crianças de aprender línguas ou de adquirir ouvido absoluto quanto de até aumentar o tamanho do cérebro. Assim, ter percepção genial fica mais fácil.

Para saber mais
Voz Cantada, Henrique Olival Costa e Marta de Andrada Silva, Editora Lovise, São Paulo, 1998.

Na Internet
www.provide.net/~bfield/abs_pitch.html

Algo mais

O ouvido humano só é capaz de perceber sons nas freqüências entre 20 e 20 000 hertz, ou ciclos por segundo. Quanto mais alto esse número, mais agudo é o som.

Galeria extraordinária

Conheça alguns donos de ouvido absoluto que se destacam entre os artistas.
"Um regente que tem ouvido absoluto consegue afinar o grupo sem o diapasão. Ele evita que durante a música as pessoas baixem o tom, tendência natural num coral. Villa-Lobos e Bartók compunham sem chegar perto do piano, porque tinham ouvido absoluto e, dentro deles, a memória dos sons de cada nota musical."
Nelson Ayres, pianista brasileiro, maestro da Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo – que não tem ouvido absoluto

"Meu ouvido absoluto me ajuda quando vou escolher instrumentos para meus arranjos. Consigo imaginar uma música apenas lendo a partitura, como se fosse uma história num livro. Sei como cada instrumento vai soar no conjunto sem precisar ouvi-lo."
Pedrinho Mattar, pianista e arranjador brasileiro

Os bem-dotados

Nem todos os gênios musicais identificam qualquer nota de ouvido. Compositores como Wagner, Stravinsky, Schumann e Ravel raramente conseguiam realizar essa proeza. Mas a turma abaixo tinha ou tem ouvido absoluto comprovado.
Haendel (1685-1759), compositor alemão
Mozart (1756-1791), compositor e pianista austríaco
Beethoven (1770-1827), compositor e regente alemão
Chopin (1810-1849), compositor e pianista polonês
Béla Bartók (1881-1945), compositor húngaro
Pierre Boulez, compositor e regente francês, 75 anos
Arthur Rubinstein (1887-1982), pianista polonês
Glenn Gould (1932-1982), pianista canadense
Yo-yo Ma, violoncelista chinês, 44 anos
Nat King Cole (1919-1965), pianista americano
Oscar Peterson, pianista canadense, 74 anos
Keith Jarrett, compositor americano, 55 anos
Frank Sinatra (1915-1998), cantor americano
Barbra Streisand, cantora americana, 58 anos
Julie Andrews, cantora inglesa, 65 anos
Stevie Wonder, compositor americano, 50 anos
Yngwie Malmsteen, guitarrista sueco, 37 anos
Ritchie Blackmore, guitarrista inglês, 55 anos
Hermeto Paschoal, composito brasileiro, 64 anos

Anatomia do talento

Exames de tomografia, no Canadá e na Alemanha, revelam a rota da percepção musical no cérebro.
A onda da percepção

A expectativa de um estímulo – como o de identificar uma nota musical tão logo ela seja tocada – dispara do lobo temporal, a região auditiva do córtex, uma onda cerebral chamada P300. Ela tem esse nome por ser uma onda de carga elétrica positiva e por demorar 300 milésimos de segundo para atingir o córtex frontal, a camada externa do cérebro onde os estímulos se tornam conscientes. A P300 funciona, portanto, como um marcador neurofisiológico da atenção, assinalando a passagem da sensação à percepção.

Nos indíviduos com ouvido absoluto, a mesma onda P300 parte do lobo temporal e busca a identificação da nota no lado frontal esquerdo do cérebro, relacionado à memória de longo prazo. A descoberta é do neurologista Robert Zatorre, do Instituto Neurológico de Montreal, após examinar músicos com e sem essa capacidade.

Quando alguém que não tem ouvido absoluto é desafiado a identificar uma nota musical, a onda P300 percorre o lado frontal direito do córtex, associado à memória operacional.

A diferença cerebral
Músicos com ouvido absoluto têm o lobo temporal do lado esquerdo maior que o dos outros músicos. A descoberta foi feita pelos neurologistas Gottfried Schlaug e Helmut Steinmetz, na Universidade Heinrich Heine, em Düsseldorf, Alemanha.

Aprendendo com os mestres

Pássaros canoros são muito mais musicais que os seres humanos
Com ou sem ouvido absoluto, os músicos não são páreo para as aves canoras. O psicólogo Ron Weisman, da Queen’s University, em Ontario, Canadá, comparou o ouvido do tentilhão europeu (Fringilla coelebs) com o de artistas profissionais. Os bichos tinham que entoar a nota certa para abrir uma caixa que continha alimento.
As dez aves estudadas acertaram o tom 85% das vezes, enquanto dez músicos só conseguiram em 50% dos casos.
A perícia é justificada. Afinal, a música está ligada à sobrevivência das aves, seja para o acasalamento, seja para a defesa, seja para a procura de comida. "Os pássaros usam com freqüência as mesmas variações rítmicas e de tons, combinações e permutações de notas encontradas na música", diz o ornitólogo Luis Baptista, da Academia de Ciências da Califórnia, em São Francisco. A sul-americana corruíra (Troglodytes musculus) canta numa escala cromática – aquela na qual todas as notas, mais os sustenidos e os bemóis, são entoadas. Os rouxinóis da família dos turdídeos entoam um tema, depois criam variações sobre ele e então retornam à melodia original, como Bach fez nas famosas Variações Goldberg.
Baptista afirma que os passarinhos inspiraram compositores. Quando o estorninho (Sturnus vulgaris) de estimação de Mozart morreu, ele chamou os amigos para o enterro, cantou e leu um poema no funeral. Oito dias depois, compôs o Divertimento ou Sexteto para Cordas e Sopro. O ornitólogo está certo de que foi uma homenagem póstuma. Beethoven, por sua vez, teria se inspirado num melro para escrever as primeiras frases do rondó de um concerto de violino. Joseph Haydn (1732-1809) e Franz Schubert (1797-1828) aproveitaram o grito da codorna. E o próprio Villa-Lobos intitulou de Uirapuru uma de suas peças mais conhecidas.

Hit parade animal

Pelo menos três aves deveriam gravar CDs.
Contraponto consigo mesmo

Os pássaros conseguem realizar algo impensável para os humanos. Em vez de cordas vocais, eles têm duas siringes – laringes inferiores que funcionam como caixas de ressonância. Elas emitem, ao mesmo tempo, dois sons distintos, um dote que as aves usam para cantar simultaneamente em diferentes tons. Fazem contraponto consigo mesmas.

O estorninho era o pássaro de estimação de Mozart

O melro inspirou a abertura de um concerto de Beethoven

O rouxinol é capaz de criar variações sobre uma melodia

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Mesmo sem hábito em casa, surgem novas gerações de leitores

Do portal Terra

Roseane Santos da Silva

Primeira da família a entrar para a universidade, Roseane Santos da Silva, 20 anos, faz parte de um novo grupo na geração de leitores brasileiros: universitários de famílias simples onde nem sempre existe o gosto pela leitura. De família religiosa, o único contato da estudante baiana com os livros na infância eram materiais ligados à crença; não havia muito incentivo à leitura em casa, conta. Os pais da baiana não concluíram o ensino médio e acreditavam que, terminado o colégio, era mais importante para a filha entrar no mercado de trabalho do que tentar uma vaga na faculdade.

Foram os livros que abriram a cabeça de Roseana. `Quando você lê, cria consciência do mundo, percebe outros caminhos e realidades. Aprende que existem outras culturas que devem ser respeitadas. Eu queria mudar a realidade em que vivia. Foi a leitura que me proporcionou a visão de mudança”, afirma.

Quando ingressou no ensino médio, a menina passou a frequentar a biblioteca da escola pública onde estudava, a convite de uma colega. “Na verdade, o que chamávamos de biblioteca, na época, era apenas um espaço com algumas obras. A biblioteca mesmo estava em construção. Tivemos de convencer o diretor a nos emprestar os livros. Assim, conheci outros tipo de leitura, e meu primeiro autor favorito, o escritor russo Fiódor Dostoievski. Nunca mais parei de ler”, conta. Depois de se preparar em um pré-vestibular comunitário - voltado a egressos de escola pública -, foi aprovada em dois vestibulares. No ano passado, iniciou o curso de psicologia na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), e abriu mão da vaga conquistada em história, na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Difícil acesso aos livros ou falta de hábito em casa são obstáculos para desenvolver o gosto pela leitura. E é o prazer pelos livros que deve ser perseguido por programas de incentivo e políticas públicas que buscam aumentar o número de leitores no País. Para Sandra Bozza, professora de Pós-graduação em Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa na Universidade Positivo, do Paraná, as pessoas têm de ler todos os dias, qualquer tipo de texto. O exemplo da leitura em casa faz a diferença na formação de um leitor, diz. Se a criança vê os pais lendo com prazer, a tendência é imitá-los. Os pais também podem incentivar seus filhos os levando à biblioteca para fazer ficha e retirar livros, ensina.

Se o exemplo de casa não existe, a responsabilidade passa para o governo e para a escola, onde o professor tem papel fundamental. “O professor deve compreender a importância de ler, pois sendo um leitor melhor poderá formar também leitores melhores”, opina Sandra.

Quando chegam ao ensino médio, alguns alunos ainda não criaram o gosto pela leitura, pois há escolas que tratam o ato de ler apenas de maneira utilitária, para aplicação de provas, por exemplo. Segundo a coordenadora pedagógica da Fundação Vitor Civita, Regina Scarpa, a falta da leitura na passagem do ensino médio ao superior é uma barreira que pode dificultar a vida acadêmica do aluno. “É recomendado que tanto no ensino fundamental quando no ensino médio, as escolas deem um tratamento diferenciado às leituras feitas para avaliações e às leituras apenas por lazer, reconhecendo que existem diversos tipos e objetivos ao ler”, explica.

A especialista ainda reforça que não se deve desistir do aluno que não gosta de ler. A escola pode promover ações de leitura não só em aulas de português, mas englobando todas as outras disciplinas, pois todas necessitam de interpretação, estimulada pela leitura. Acima de tudo, é importante que a escola disponibilize livros aos alunos na biblioteca.

Filhos ensinam mãe a ler

Os livros podem incentivar alunos a superar dificuldades e continuar estudando. Agnaldo dos Santos Guimarães, 22 anos, o terceiro de seis irmãos de uma família quilombola, saiu de Cavalcante, interior de Goiás, para continuar seus estudos em São Paulo. A família é humilde, seu pai cursou até a 4ª série e a mãe não estudou, mas a condição não os impediu que incentivassem Agnaldo a não abandonar os estudos. Para eles, `o estudo qualificado é a única maneira de melhorar na vida`. “Todos os meus irmãos agora estão estudando. Estamos até ensinando minha mãe a ler e escrever, ela já consegue ler algumas coisas”, conta.

Aluno de escolas públicas da zona rural, Agnaldo conta que teve de parar de estudar após o 4º ano do ensino fundamental por motivos financeiros e só pôde voltar à escola três anos depois. Sempre gostou de ler, mas seu único acesso aos livros era na biblioteca da escola. Para o universitário, as escolas têm um papel importante como canal de acesso aos livros e devem fazer campanhas de incentivo à leitura, tomando cuidado para as preferências dos alunos. “Tem alunos que gostam mais de livros, outros de gibis. É importante que as escolas mostrem autores novos também, despertando a curiosidade”.

Em agosto de 2013, Agnaldo passou no vestibular da Faculdade de Engenharia São Paulo (Fesp), para Engenharia Civil. “Sempre quis estudar engenharia. Para estudar para o vestibular, tive de ler muito, mesmo meu foco sendo nas ciências exatas. Portanto, a leitura teve grande importância nessa conquista, pois se eu não conseguisse interpretar as questões, teria ido mal na prova”, conta.

Para garantir um tempo para ler no meio da correria de de quem trabalha e estuda, Agnaldo carrega um livro consigo o tempo todo. “Não existe outro caminho para mudança e melhora da sociedade que não a educação. A leitura é a base para que o aluno desenvolva ideias, para que consiga interpretar um texto, seja ele um livro ou uma notícia. Assim ele se envolve mais na sociedade”, conclui.

Para poeta, o jovem de hoje escreve como nunca

Em fevereiro de 2001, morador da periferia paulista, o poeta Sérgio Vaz estava lendo sobre a Semana da Arte Moderna e lembrou de uma fábrica abandonada em Taboão da Serra. Pensou que poderia fazer ali um “canibalismo da cultura que vinha do centro para as periferias”. Estava criada assim a Cooperativa Cultural da Periferia, a Cooperifa. O maior objetivo é levar a cidadania às pessoas da comunidade, por meio da arte e da leitura. “O jovem atualmente, através da tecnologia, está lendo e escrevendo como nunca. Quem lê enxerga melhor, sabe votar, sabe cobrar melhor seus direitos”, comenta.

Apesar da vida simples, a relação de Sérgio com a leitura nasceu cedo, incentivada pelo pai. “Na minha casa, nunca faltou nem alimentos, nem livros. Lendo, descobri minha importância no mundo como cidadão. É instruído pelos livros que tento mudar a realidade do meu bairro e município”, conta.

A Cooperifa realiza várias ações de incentivo à leitura e à arte. Os saraus no Bar do Zé Batidão, na periferia paulista, tem como objetivo incentivar a escrita e a leitura de poesias entre a população. É um ambiente onde as pessoas leem criações próprias umas paras as outras. O sarau também acontece nas escolas. Há ainda outras atividades: no Cinema na Laje, são passados filmes não para a comunidade, e no projeto Chuva de Livros, dezenas de livros são distribuídos entre os participantes. “No sarau literário, um cara vê o outro fazendo literatura e percebe que pode fazer também. Estamos com um novo projeto, o Poesia contra a Violência, mostrando a importância da leitura associada às ruas”, conta Vaz.

Há também um benefício social quando a leitura passa a fazer parte do cotidiano das periferias. O morador da comunidade começa a perceber que também pode ser sujeito na criação da literatura e sua autoestima aumenta. “A cultura e a arte conseguem te colocar no mundo. O morador começa a entender porque mora na periferia. Antes, queríamos nos mudar da periferia. Agora, queremos mudar a periferia”, diz.

Para Vaz, o escritor também tem a responsabilidade de formar leitores, com campanhas e eventos literários onde haja uma aproximação do leitor com o escritor, desmitificando a literatura. “Dificilmente encontramos escritores em uma praça ou em escolas públicas e particulares falando sobre sua obra. Eles também são responsáveis pela elitização da literatura. É importante que o autor esteja presente na vida desses leitores e na comunidade”, aponta.

Séries ampliam a quantidade de leitura entre os jovens

Para o doutor em educação e comunicador do Canal Futura, João “Alegria”, o Brasil vive um movimento de crescimento do acesso aos livros e do aumento do hábito de ler. No mercado consumidor, o jovem representa uma fatia grande. Em 2012, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro, mostrou que 14% dos 5.012 entrevistados de 18 a 24 anos eram leitores, lendo uma média de 3,74 livros nos três meses anteriores à pesquisa. Dos 40 aos 69 anos, esse número cai para 12%.

A pesquisa também revelou que adolescentes entre 14 e 17 anos liam em média 5,9 livros por ano. Já nos adultos de 40 a 49 anos, a média caiu para 2,6 livros. “O aumento dos leitores jovens não ocorreu de um dia para o outro. Desde o início dos anos 90, houve o surgimento de uma geração de escritores de livros infantis e adultos que hoje são consagrados na literatura e que trouxeram um aumento da procura por livros no Brasil, como o personagem Harry Potter”, explica. Existem também os grandes eventos de literatura, como a Bienal do Livro, que neste ano ocorreu no Rio de Janeiro, no início de setembro. “Houve uma quantidade enorme de jovens folheando livros, comprando e participando das atividades no evento. Inclusive, o que mais vende para jovens são as séries, o que mostra que os jovens estão aumentando a quantidade que leem”, comenta Alegria, que foi curador do Acampamento na Bienal, onde os leitores puderam encontrar seus escritores favoritos para bater um papo.

Estimulados pelas escolas, os jovens leitores acabam levando o hábito da leitura para outras esferas da sociedade, inclusive para dentro de suas casas. “No acampamento, tinha um menino de uns 10 anos que puxava o pai para a conversa com um dos autores. Eu mesmo já li livros apresentados por meus filhos. Os novos leitores têm o poder de contagiar o restante da sociedade”, conclui.