segunda-feira, 13 de julho de 2009

A fartura do lixo

O desperdício é um mal que grassa entre nós. E nas dimensões que vem ocorrendo, reflete o nível e a qualidade de nosso desenvolvimento: sofrível, perdulário, indigente.

Para onde se mira o olhar, qualquer que seja a direção, o horizonte se apresenta sempre fosco e nublado, tomado por uma fuligem densa que impede a claridade e o sopro do ar. A paisagem é emoldurada por um deserto inóspito e o que se vê na tela é desperdício, puro desperdício, nada que escape à noção de desperdício.

Na indústria, no comércio, na prestação de serviços, não há setor da economia que consiga se manter ao largo dos gigantescos e avassaladores tentáculos do desperdício.

E não se trata de coisa pequena ou figura de retórica. Os índices são alarmantes, vergonhosos, indecorosos para dizer o mínimo.

Na construção civil, por exemplo, a conta chega a um patamar incestuoso: 30% de desperdício. Seria como se, de cada dez edifícios construídos, três fossem escolhidos para serem implodidos, destinados aos containers de lixo, computados como custo desperdício. Mas em alguns setores específicos da engenharia civil, os índices deixam de ser alarmantes para cair na vala do “acredite se quiser”. É o caso de alguns materiais como argamassa, cujas perdas, com freqüência, chegam à casa dos 90%. Isso mesmo, 90%! E não há aqui o mínimo de exagero. Esses dados foram obtidos com rigor científico. Resultam de pesquisa realizada pela UFMG em conjunto com 15 outras universidades brasileiras, levantamento amplo, largo, realizado em 12 unidades da federação.

Na agricultura, o IBGE retirou um véu que escondia a realidade medonha do calvário. O Brasil jogou na lata do lixo 81,5 milhões de toneladas de grãos de arroz, feijão, milho, soja e trigo nas fases de pré e pós-colheita das safras agrícolas entre 1996 a 2003.

Com um problema tão candente como a fome e a subnutrição, o país consegue a proeza de jogar fora mais alimentos do que consome. Quando se trata de hortaliças, por exemplo, a soma anual de desperdício chega a 37 quilos por habitante, enquanto o consumo por cidadão é de dois quilos a menos, 35 quilos de alimentos por ano. Só na Central de Abastecimento do Rio de Janeiro o desperdício diário é de 40 toneladas de alimentos. Não custa enfatizar, desperdício que ocorre em um único dia e que se repete invariavelmente.

Um outro setor estratégico também apresenta diagnóstico de absoluta gravidade. O desperdício chega a ser um escândalo para qualquer um dotado de uma mente medianamente sã. Nada menos que 45% da água tratada para abastecimento das 27 capitais brasileiras é desperdiçada antes mesmo de chegar ao consumidor. Traduzindo para o bom português, quase metade da água potável produzida no país não chega, sequer, às torneiras do consumidor. São 6,14 milhões de litros do líquido precioso perdidos dia sim e o outro também, volume suficiente para abastecer 38 milhões de brasileiros diariamente.

Tanto desperdício decorre, naturalmente, de um sem número de problemas, a maioria deles, de uma forma ou de outra, relacionada a questões de logística e infra-estrutura física, mas, fundamentalmente relacionados à educação e a cultura. Sim, porque um certo grau de desperdício é administrável e ocorre mesmo nos países desenvolvidos. Mas no volume e na dimensão que o problema se verifica por aqui, só mesmo nos países periféricos.

Muito do desperdício resulta de um caldo cultural direcionado para o consumismo, o esbanjamento, a completa ignorância sobre o que seja reduzir, reutilizar, reciclar. A educação não é a panacéia capaz de per si resolver – qual uma varinha mágica – todos os nossos problemas. Mas não resta dúvidas que sem ela, o destino sempre nos parecerá ingrato. E o desperdício sempre será maior.

Antônio Carlos dos Santos – criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br