sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A grande diáspora de cérebros



Desde as origens do capitalismo, quanto mais rara a mercadoria, maior seu valor agregado.

Como maior potência econômica do planeta, os Estados Unidos atraem, anualmente, uma leva de migrantes que provêm de todas as partes do planeta.

O Brasil é um desses países já categorizados como inesgotável fonte exportadora de ‘mão de obra barata’. Por várias e várias décadas, temos despachado, para o gigante do norte, médicos, engenheiros, arquitetos, profissionais liberais que lá chegando, vão se empregar ilegalmente como garçons, babás, operários da construção civil...

Mas neste fluxo que parece irreversível, um novo fenômeno começa a ocorrer. Como necessita movimentar sua descomunal e sempre crescente economia, os Estados Unidos não conseguem produzir mão de obra qualificada em número suficiente para satisfazer sua demanda interna. Então trata de resolver esta questão da maneira mais trivial: importando cérebros, atuando como um colossal aspirador que suga a inteligência produzida mundo afora.

É o que vem ocorrendo, e a cada ano de forma mais expressiva. Os dados disponíveis não deixam margens para dúvidas. Em apenas uma década, no período que inicia em 1996 e se estende até o ano de 2006, a quantidade de brasileiros que receberam visto dos Estados Unidos - oferecido tão somente a profissionais de alta qualificação - aumentou 185%.

É um fenômeno que tem como destino final não apenas os EEUU. Beneficiam-se dele também a Europa e as nações mais pujantes da Ásia. Praticamente dobrou a proporção de migrantes brasileiros com curso superior que optaram por viver nos países integrantes da OCDE, os mais ricos do mundo. Passaram de 1,7% para 3,3%, somente no período de 1990 a 2000.

O nome atribuído a este fenômeno não poderia ser mais apropriado, ‘fuga de cérebros’.

É uma característica da globalização que impacta todos os países em desenvolvimento. No passado, os impérios subjugavam as colônias extraindo minérios preciosos, riquezas minerais... Hoje lançam mão sobre o que construíram de mais nobre e valioso, a riqueza e o patrimônio intelectual.

A grande vítima desta nova modalidade de interação - entre os países ricos e os em desenvolvimento - é a Índia, país que, de longe, ostenta a posição de maior fornecedora de trabalhadores qualificados (com vistos legalizados) para a América. Desta ciranda não escapam sequer os pequenos como Jamaica, Guiana e Haiti - que apresentam proporção de suas populações (com curso superior) vivendo nos países ricos superior a 80%.

A tradicional migração de brasileiros para o primeiro mundo não arrefeceu. Geralmente, dentre os ilegais presos na fronteira pela polícia de imigração norte-americana, os brasileiros só perdem para os mexicanos.

A verdade é que o Brasil passou a ser reconhecido como um importante fornecedor de talentos para o mercado internacional. A questão é precisar o ponto em que este processo passa a impactar negativamente, comprometendo os interesses e a economia nacional.

Muitos dos que partem, por exemplo, são egressos de universidades públicas mantidas pelo Estado que banca uma educação cara, de qualidade, e gratuita para os emigrantes, mas extremamente onerosa para o conjunto da sociedade, sobretudo para sua parte pobre e excluída.

Neste caso pelo menos, o mínimo a exigir seriam retornos periódicos com transferências de tecnologia. Resolver, não resolve. Mas pelo menos mitiga o prejuízo.

Como as crises também geram janelas de oportunidades, talvez o Brasil esteja na iminência de reparar uma grande injustiça social. Como as classes mais abastadas não serão capazes de responder à qualificação exigida pelos mercados interno e externo, o Estado terá de, finalmente, investir na educação das classes mais populares, sob pena de volatilizar nossa economia.

Eis que a tão decantada aspiração “educação de qualidade para todos” pode estar bem mais próxima do que jamais ousamos imaginar.

Antônio Carlos dos Santos – criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br