domingo, 27 de fevereiro de 2011

Morre o gigante Moacyr Scliar

"Acredito, sim, em inspiração, não como uma coisa que vem de fora, que "baixa" no escritor, mas simplesmente como o resultado de uma peculiar introspecção que permite ao escritor acessar histórias que já se encontram em embrião no seu próprio inconsciente e que costumam aparecer sob outras formas — o sonho, por exemplo. Mas só inspiração não é suficiente".


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Aos 73 anos, morre Moacyr Scliar
Escritor estava internado desde 11 de janeiro e teve falência múltipla dos órgãos
estadão.com.br
O escritor Moacyr Scliar que havia sofrido um acidente vascular cerebral isquêmico (AVC) e estava internado no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre desde 17 de janeiro, faleceu à 1h deste domingo, 27 de fevereiro. Segundo boletim médico, Sclyar, morreu de falência múltipla de órgãos.

Tasso Marcelo/AEO escritor gaúcho, Moacyr ScliarInternado desde 11 de janeiro para uma cirurgia de extração de tumores no intestino, Scliar sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico no dia 16 de janeiro e foi encaminhado à Unidade de Tratamento Intensivo. No dia seguinte, sofreu uma cirurgia para retirada de coágulo decorrente do AVC, passando a ser mantido com um mínimo de sedação necessária. O escritor passava pela retirada gradual da sedação quando, no dia 9 de fevereiro, apresentou um quadro de infecção respiratória, voltando então a ser sedado e a respirar por aparelhos.

O velório acontece neste domingo, a partir das 14h, no salão Júlio de Castilhos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

O sepultamento será na segunda-feira, 28, em local e horário ainda indefinidos. Esta cerimônia será apenas para familiares e amigos.

História

"Não preciso de silêncio, não preciso de solidão, não preciso de condições especiais. Preciso só de um teclado." Em meio a dezenas de depoimentos de autores sobre as mais diferentes manias no momento de escrever, publicados desde o início do ano passado no blog do escritor Michel Laub, o do gaúcho Moacyr Scliar se destacou pelo pragmatismo: para o criador prolífico e naturalmente inspirado, o único impedimento para a escrita seria a falta da ferramenta com a qual levá-la a cabo.

Tanto era assim que, em quase 50 anos de carreira literária, o porto-alegrense publicou mais de 80 livros - o primeiro, Histórias de um Médico em Formação, em 1962, mesmo ano em que concluiu a faculdade de medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e o mais recente, o romance Eu Vos Abraço, Milhões, em setembro do ano passado. Entre um e outro escreveu romances e livros de crônicas, contos, literatura infantil e ensaios, numa média de mais de um livro por ano, com destaque para O Ciclo das Águas, A Estranha Nação de Rafael Mendes, O Exército de um Homem Só e O Centauro no Jardim.

Tudo isso mantendo os critérios que o tornaram um dos mais reconhecidos autores brasileiros contemporâneos em solo nacional, com uma cadeira na Academia Brasileira de Letras desde 2003 e três Jabutis (1988, 1993 e 2009) entre prêmios recebidos, e também no exterior, com obras publicadas em 20 países e honrarias como o Casa de Las Americas, em 1989.

E sem deixar de lado a carreira na medicina. Na área, destacou-se desde 1969 em cargos como chefe da equipe de Educação em Saúde da Secretaria da Saúde de RS e diretor do Departamento de Saúde Pública. Entre o lançamento do livro de contos que Scliar preferia considerar como sua primeira obra profissional, O Carnaval dos Animais, em 1969, e o primeiro romance, A Guerra no Bonfim, em 1971, encontrou tempo ainda para cursar pós-graduação em medicina comunitária em Israel. Ainda no início da década passada, em 2002, concluiu doutorado em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública, com a tese Da Bíblia à Psicanálise: Saúde, Doença e Medicina na Cultura Judaica.

A tradição judaica o acompanhou em toda a carreira literária, assim como o imaginário fantástico - nascido em 23 de março de 1937 no bairro do Bom Fim, que até hoje reúne a comunidade judaica de Porto Alegre, e alfabetizado pela mãe, Sara, que era professora primária, Scliar chegou a ter o romance O Centauro no Jardim incluído numa lista com os cem melhores livros relacionados à história dos judeus dos últimos dois séculos, elaborada pelo National Yiddish Book Center. Também se tornou um grande porta-voz do País sobre temas relativos ao judaísmo, mantendo laços de amizade com alguns dos maiores autores israelenses no mundo contemporâneo, como David Grossman, A.B. Yehoshua e Amos Oz.

A especialização em saúde pública, por sua vez, deu a Scliar a oportunidade de vivenciar temas como a doença, o sofrimento e a morte - características que podem ser percebidas tanto em sua ficção, em obras como A Majestade do Xingu, quando na não ficção, caso em que A Paixão Transformada: História da Medicina na Literatura é um dos exemplos mais claros. Ele pôde também conhecer de perto a realidade brasileira, o que fez da vida de classe média, sempre em textos leves e bem-humorados, outro de seus assuntos centrais.

Casado desde 1965 com Judith Vivien Oliven e pai de Roberto, nascido em 1979, Scliar também dedicou atenção especial às obras infanto-juvenis. Costumava dizer que escrevendo para os jovens reencontrava o jovem leitor que havia sido. Boa parte de sua produção nessa área foi considerada "altamente recomendável" pela Fundação Biblioteca Nacional.

Além de produzir textos para vários jornais e revistas, o autor também teve trabalhos adaptados para o cinema. Caso do romance Um Sonho no Caroço do Abacate, adaptado em 1998 por Luca Amberg sob o título Caminho dos Sonhos, em cujo elenco apareceram atores como Taís Araújo, Caio Blat e Mariana Ximenes. Em 2002, o romance Sonhos Tropicais também virou filme, sob direção de André Sturm, com Carolina Kasting, Ingra Liberato e Cecil Thiré entre os atores.

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moacyr scliar
estrela e guia

Jean-Paul Sartre escreveu boa parte de sua obra no Café de Flore, em Paris. Não foi o único. Muitos escritores procuraram em cafés o refúgio e o estímulo para a elaboração de suas obras. Café e bares, naturalmente. Podemos imaginar que ensaios e obras filosóficas são melhor escritos em café; mas para a poesia o bar é um cenário muito melhor. Aliás, a história da poesia brasileira poderia ser escrita tendo os bares como marcos históricos. Foi no Villarino, bar do centro do Rio, que Vinicius propôs a Tom Jobim a primeira parceria, dando início a uma gloriosa trajetória.

Mario Quintana também freqüentava bares. Não sabemos quantos poemas pode ter escrito ali, nem sabemos se o fez, mas sabemos que prestou ao bar, visto como refúgio, uma bela homenagem.

O poema chama-se, justamente, Canção de bar e começa assim: “Barzinho perdido / na noite fria / estrela e guia / na escuridão”.

Estes quatro versos são típicos da poesia e do poder criador de Mario Quintana. São feitos de palavras absolutamente comuns, destas que figuram no vocabulário de qualquer brasileiro. Nada de exageros, nada de arroubos, nada de vocábulos complicados: Mario era um poeta essencialmente democrático. Mas, com esta simplicidade, ele criava beleza. Mais criava um clima. Começamos a leitura e de imediato nos vemos em uma daquelas nevoentas noites do inverno porto-alegrense. O poeta vagueia sem rumo na noite porto-alegrense. Avista o bar, um pequeno estabelecimento, e de imediato vê nele “estrela e guia”. Entra esperançoso. E o poema prossegue: “Que bem se fica! / Que bem! Que bem! / Tal como dentro / de uma apertada / quentinha mão...” E por que se sente bem? Por causa das figuras imaginárias que encontra: “Rosa, a da vida”, que talvez tenha iniciado o poeta, como era comum no Rio Grande de outrora; “E o Pedro Cachaça / com quem me assustavam / (O tempo que faz!)”; “E o Anto que viaja / pelo alto mar”.

Ali também estão, em espírito, os poetas franceses que influenciaram o jovem Mario: Verlaine, Rimbaud, Villon. No fim, tudo tem a ver com poesia, até mesmo a caninha, que, pretensamente pura, foi batizada com “a mais pura água”. O que ao poeta não incomoda; porque “... poesia pura / ai seu poeta irmão, / a poesia pura / não existe não!” Claro, não era só em bares que o poeta encontrava a humanidade. Embora fosse um homem retraído, tímido mesmo, não era um misantropo, não recusava a companhia de outros seres humanos. Ao contrário, sentia-se bem em lugares freqüentados por muitas pessoas. A redação do jornal, para começar. Ali, diz Antonio Hohfeldt, que foi seu colega no " Correio do Povo", Mario passava horas, dedilhando seus textos na máquina, ou simplesmente pensando. Ou então no cinema: era um cinéfilo contumaz, via qualquer tipo de filme, desde faroeste até obras-primas. E por fim na praça: era comum encontrá-lo na Praça da Alfândega, no centro de Porto Alegre, caminhando no meio as multidão e sentindo-se inteiramente à vontade. Mario sabia que a poesia é coisa humana, e só pode existir em cenários humanos, como a redação do jornal, como o cinema, como a praça – e como um barzinho perdido na noite fria. Falando em barzinho, por que se fica bem, ali? Por causa da mão, apertada e quente, que nos envolve com um carinho materno. É a mão da poesia, no interior da qual Mario Quintana escreveu poemas que, um século depois de seu nascimento, continuam a nos encantar e a nos comover.

Canção de bar


Barzinho perdido
Na noite fria.
Estrela e guia
Na escuridão.
Que bem se fica!
Que bem! Que bem!
Tal como dentro
De uma apertada
Quentinha mão...
E Rosa, a da vida...
E Verlaine que está
Coberto de limo.
E Rimbaud a seu lado,
O pobre menino...
E o Pedro Cachaça
Com quem me assustavam
(O tempo que faz!)
O Pedro tão nobre
Na sua desgraça...
E Villon sem um cobre
Que não pode entrar.
E o Anto que viaja
Pelo alto mar...
Se o Anto morrer,
Senhor Capitão,
Se o Anto morrer,
Não no deite ao mar!
E aqui tão bem...
E aqui tão bom!
Tal como dentro
De uma apertada
Quentinha concha...
E Rosa, a da vida,
Sentada ao balcão.
Barzinho perdido
Na noite fria,
Estrela e guia
Na turbação.
E caninha pura,
Da mais pura água,
Que poesia pura,
Ai seu poeta irmão,
A poesia pura
Não existe não!

“Canções” de Mario Quintana

MOACYR SCLIAR é escritor e médico. Publicou Pai e filho, filho e pai (conto, 2002), Os leopardos de Kafka (romance, 2000), Dicionário do viajante insólito (crônica, 1995), Se eu fosse Rotschild (ensaio, 1993), entre outros mais de 60 livros. Recebeu prêmios literários como o Jabuti, o APCA e o Casa de las Americas e já teve suas obras traduzidas para doze idiomas. É colunista da Folha de São Paulo e pertence à Academia Brasileira de Letras.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O Sistema de Ciclos

É sempre assim, amigos leitores, a tranca só vai na porta depois que o ladrão já fez a festa. Leiam o que segue abaixo. Retorno logo após.


Deu no Estadão
O fim da reprovação

AE - AE

Depois de intenso debate travado entre 2009 e 2010, inclusive com a realização de audiências públicas em São Paulo, Salvador e Distrito Federal, o Conselho Nacional de Educação tomou a decisão de recomendar "fortemente" a todas escolas públicas, privadas e confessionais a substituição do sistema seriado - que permite a reprovação em todas as séries do ensino fundamental - por um "ciclo de alfabetização e letramento", em que os alunos são submetidos ao regime de progressão continuada, durante os três primeiros anos - ou seja, no período em que aprendem a ler e a escrever.

Para o CNE, o princípio da continuidade - especialmente na fase de alfabetização - traz mais benefícios para os alunos do que a chamada "cultura da reprovação". A medida, que não tem caráter de lei e é objeto de acirrada polêmica entre os pedagogos, foi homologada no final do governo Lula pelo ministro da Educação, Fernando Haddad. Com isso, os diretores de todas as escolas do País ganharam liberdade para decidir se continuarão reprovando alunos nos três primeiros anos do ensino fundamental ou se adotarão a recomendação do CNE.

O ensino fundamental tem 31 milhões de alunos estudando em 152 mil escolas, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Desse total, aproximadamente dez milhões estão matriculados nos três primeiros anos desse ciclo. Em 2009, a taxa de reprovação desses dez milhões de alunos foi de 5,1%. O índice é considerado alto pelos especialistas em pedagogia.

"Isso mostra que, de cada cem crianças, cinco ainda são reprovadas logo que ingressam na escola. As pesquisas apontam que, se o aluno é reprovado nessa fase, dificilmente terá sucesso. A recomendação do CNE é para garantir que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos" - diz a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar Lacerda. "A reprovação no ensino fundamental devia ser zero", afirma o professor da USP Ocimar Alavarsi, que coordenou a rede municipal de São Paulo, entre 1995 e 2008.

Vários professores também entendem que, na faixa etária dos 6 aos 8 anos, as crianças têm ritmos diferentes de aprendizagem e que reprovação logo no início do curso compromete o rendimento da alfabetização - o que desestimula as crianças, levando-as a abandonar a escola. No Norte e Nordeste, as regiões mais pobres do País, as altas taxas de evasão escolar têm sido atribuídas aos altos índices de reprovação nos anos iniciais do ensino básico. Segundo os defensores das diretrizes recomendadas pelo CNE, com a adoção do regime de progressão continuada nas três primeiras séries os professores podem avaliar cada criança e os alunos só podem ser reprovados no final do terceiro ano.

Para os críticos dessa política, a substituição da reprovação pelo regime da progressão continuada seria uma estratégia eficaz se as classes fossem pequenas, se os professores estivessem motivados e as escolas contassem com projetos pedagógicos realistas. "Na prática, porém, as escolas têm salas superlotadas, as aulas de reforço são dadas por voluntários, os professores têm pouquíssimo tempo para planejar aulas e as condições de trabalho são ruins. A sensação é que a proposta (do CNE) não foi feita por quem conhece o dia a dia das escolas" - diz Susana Gutierrez, coordenadora do Sindicato Estadual de Profissionais da Educação do Rio de Janeiro. Sem reformar o currículo e investir nos professores, "as crianças que não aprendem com o sistema seriado também não aprenderão no Ciclo de Alfabetização e Letramento", afirma Cláudia Fernandes, coordenadora do mestrado em educação da UniRio.

Aperfeiçoar o ensino fundamental é decisivo para que o país possa promover a revolução educacional. No entanto, a simples adoção da progressão continuada, nos termos em que foi proposta pelo CNE e pelo MEC - sem expansão da rede escolar e sem a modernização dos currículos - não garante melhor alfabetização nem aumento da qualidade da educação.

E agora, o texto que escrevi em 2007:
Sobre o sistema de Ciclos

Muitos apelidos e paradigmas pegam em função das oportunidades, dos interesses e até do humor do freguês. Às vezes escudam-se em justificativas inconsistentes, meias-verdades, arrazoados apenas envernizados de lógica. Não são poucas as vezes em que caem no domínio público em decorrência da mesquinharia que acomete meio mundo, mas não devemos perder de vista o impacto do preconceito sobre nosso comportamento.

Quantas vezes na vida já refugamos um bom livro, um filme interessante, uma idéia instigante por puro preconceito? Quem jamais se abrigou nas entranhas do jargão “não li, não vi, não conheço, e não gostei”?

Já faz um bom tempo que não encontro questão que galvanize tanta resistência e má vontade quanto o sistema de ciclos.

Este modelo surgiu como alternativa para substituir as antigas séries que avaliam os alunos ao término de cada ano letivo. No novo modelo as avaliações são realizadas ao longo do ciclo. Em decorrência da nova sistemática de avaliação, não existe mais a possibilidade do aluno ser reprovado ao final de cada ano, ao final de cada série. Quando não consegue responder ao demandado pelos professores, o aluno é reprovado ao final de cada ciclo. O ensino fundamental, por exemplo, está estruturado em dois ciclos, um da primeira à quarta série e o outro da quinta à oitava.

Como marco regulatório, o sistema de ciclos está amparado pela Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que assegurou autonomia para estados, municípios e unidades escolares decidirem se incorporam ou não a nova estratégia.

Cá entre nós, o sistema é o que existe de mais produtivo. Despreza a possibilidade das provas e testes estanques, determinados num único instante, e abraça a visão larga do processo continuado, onde as avaliações não constituem um fim em si, mas uma sistemática diuturna, que incorpora múltiplos formatos, variados componentes, ensejando a interação do ensino formal com apreendido no universo familiar e social do estudante.

Na realidade, o que está ocorrendo é um confronto entre duas concepções, uma ensandecida peleja entre dois modelos bastante distintos. De um lado, um sistema que aposta na fragmentação, na ruptura, na tensão que muitas vezes exclui. Na extremidade oposta, uma metodologia ancorada na continuidade, na inclusão e na permanência do aluno na escola. De um lado o porto seguro do professor-inquisitor, aquele que tudo pode e tudo sabe, e do outro, o ancoradouro do professor-orientador, o que domina os conteúdos pedagógicos, mas se abre com generosidade para o conhecimento egresso dos colegas, dos alunos, da comunidade na qual a escola se insere.

Na reprovação anual por série, a escola atua no sentido de excluir, expulsar, encaminhar o aluno para as ruas onde estará sujeito à marginalidade e à violência explicitas. Ocorre que o lugar da criança e da juventude é na escola. No sistema de ciclos, sistemáticas avaliações realizadas no dia a dia possibilitam que os problemas de aprendizagem sejam identificados com maior eficácia, ao longo do processo. No sistema seriado, a reprovação é um fardo carregado quase que exclusivamente pelo estudante. O novo sistema privilegia o colegiado, as responsabilidades compartilhadas, o envolvimento de toda a equipe pedagógica. No frigir dos ovos, atua como uma garantia adicional de permanência na escola para que se ampliem as possibilidades de aprendizagem.

Desde os primeiros instantes, o modelo de progressão continuada tem sido submetido a um bombardeio sem tréguas, a críticas – duras e ressentidas - embasadas numa visão distorcida e enviesada dos que o entendem como mecanismo de aprovação automática de alunos que mereceriam ser reprovados.

Os críticos do novo modelo procuram desqualificá-lo afirmando que a verdadeira intenção é escamotear o problema da repetência no país. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a abertura da 18ª Bienal internacional do Livro de São Paulo chegou a classificar de "erro histórico" o sistema de ciclos.

A solução para o caos em que se encontra a educação brasileira transcende os modelos seriado e de ciclo. O buraco é mais embaixo. O problema é que, qualquer que seja o sistema, nossos alunos estão saindo da escola semi-alfabetizados. Perdem oito anos da fase mais primorosa de suas vidas e não aprendem o mínimo necessário. Mas mesmo num cenário de terra arrasada quem poderia argumentar que um jegue é melhor que um puro sangue árabe? A questão de fundo é que o novo sistema é melhor, mais produtivo, enfrenta os desvios da reprovação-pela-reprovação e da evasão escolar.

Como as discussões sobre o assunto estão pautadas pelo preconceito e ignorância, poucos tem tido coragem e ousadia para adotar o novo sistema. Com exceção de São Paulo e Minas Gerais, poucas escolas no Brasil, não mais que 10%, trabalham exclusivamente sob o novo sistema.

O IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – em recente pesquisa desmistifica e lança por terra o muito de bobagem que, sobre o assunto, tem sido apregoado pelos quatro cantos do país.

Nas avaliações internacionais os países que sempre alcançam as melhores posições, as nações que sempre ostentam as notas mais altas, deixaram para trás o modelo da repetência seriada e, de forma quase generalizada, adotam o sistema de ciclos.

Na União Européia o sistema é exaltado pelo sucesso das sucessivas verificações levadas a efeito com vistas a aferir se as lições ministradas estão sendo processadas e assimiladas pelos alunos.

Japão, Coréia, Suécia e Noruega, por exemplo, ocupam as primeiras posições no ranking mundial da educação e não adotam o sistema de repetência por série.

Todos eles optaram pelo sistema de ciclos, pelo modelo de progressão continuada presente em todo o ensino fundamental. Característica comum nesses países: só admitem uma possibilidade para a reprovação do aluno: a ocorrência de faltas além do permitido. O mesmo ocorre com o Chile, Cingapura e Hong Kong que admitem reprovação, mas só a cada quatro anos.

E vejam que curioso: os países com pior desempenho nas avaliações internacionais refugam a progressão continuada, adotando e tecendo loas à repetência por série: é o caso do Líbano, Indonésia e Arábia Saudita.

Então responda você, caro leitor: onde está o erro histórico a que se refere o presidente Lula? No Japão, Coréia, Suécia e Noruega que estão no topo do ranking e adotam o sistema de ciclos? Ou no Líbano, Indonésia e Arábia Saudita, situados na rabeira da fila e que instituíram o sistema seriado?

Não custa insistir. O “ó do borogodó” não está no modelo. Em que pesem os países com melhor desempenho nas avaliações internacionais adotarem o sistema de ciclos, ocorrem exceções? Aliás, está para nascer regra que não tenha uma. A Bélgica ostenta alta posição no ranking apesar de manter o sistema de repetência por série. O que indica a sustentabilidade de uma tese que venho defendendo com ardor ortodoxo: o problema mais grave é o de gestão.

Que o Sistema de Ciclos é mais adequado e eficaz, os de bom senso já sabiam. As últimas pesquisas do IPEA apenas acabam de comprovar, como que lançando uma pá de cal sobre o antigo modelo.

Antônio Carlos dos Santos é professor, criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Mário Quintana (1906 - 1994)



"Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.

Quinta-essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!

Quer livres, quer regulares,
Abrem sempre os teus cantares
Como flor de quintanares.


São cantigas sem esgares.
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus quintanares.
São feitos esses cantares
De um tudo-nada: ao falares,
Luzem estrelas luares."
Trecho do poema Por isso peço não pares, Quintana, nos teus cantares, de Manuel Bandeira

Mário Quintana por ele mesmo

Site comemorativo do centenário de Mário Quintana

•Trechos do livro Mário Quintana

Obras

Poemas de Mário Quintana no Jornal de Poesia

Mário Quintana no Releituras

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos

colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
Como
uma pobre lanterna que incendiou!

Multimídia

Curta-metragem da RBS

Felicidade segundo Mário Quintana

Obituário de Mário Quintana no Jornal Nacional, da TV Globo

Concerto em homenagem a Mário Quintana

Fonte:PNLL

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Entre fantasmas e maracutaias...

Deu em O Globo

Política
Fraude na prefeitura na época de Lindberg
Informações falsas permitiram receber mais verbas federais para Educação
Demétrio Weber, O Globo

A Controladoria-Geral da União (CGU), órgão de fiscalização do governo federal, confirmou que a prefeitura de Nova Iguaçu fraudou o Censo Escolar de 2009, na época em que o prefeito era o hoje senador Lindberg Farias (PT).

Como O GLOBO revelou em março de 2010, a prefeitura prestou informações falsas ao Ministério da Educação, dando conta de que 99,8% de seus alunos de ensino fundamental (53.142 alunos) eram atendidos em horário integral. Isso permitiu que a prefeitura recebesse repasses maiores do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

A auditoria analisou dados de 20 escolas e constatou inconsistências entre os registros nos diários de classe, que atestam a presença dos alunos, e as informações repassadas ao censo.

"O relatório apontou que: a Prefeitura de Nova Iguaçu utilizou critérios destoantes dos estabelecidos pelo Inep/MEC para o enquadramento de alunos na educação integral; existiam inconsistências dos registros dos diários de classe com os dados informados no Censo Escolar; e a prefeitura não apresentava registros de frequência dos alunos no horário integral", diz nota da Controladoria.

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E logo abaixo o artigo que escrevi já faz um bom tempo, em 2007.

Onde estuda Gasparzinho, o fantasminha camarada?


Em um de seus contos, “A Ilha Idílica”, Rodoux Faugh revela a existência da terra dos sonhos, o lugar onde bastava dar asas à imaginação para que o objeto do desejo se materializasse. Como na terra encantada os sonhos eram plenamente possíveis, naturalmente todas as pessoas eram saudáveis, educadas, felizes. Por mais difícil e complexo que fosse a fantasia, não havia realidade capaz de inviabilizá-la. O imaginário sempre estava a brincar com a materialidade. Por isso não havia dor de espécie alguma e, conseqüentemente inexistia a máfia dos laboratórios, da indústria farmacêutica, das sanguessugas... Crianças abandonadas, maltratadas ou coagidas pelos pais? nem pensar. Desemprego? não sabiam do que se tratava. Hipocrisia, estupidez, demagogia, falta de educação? como jamais ocorrera isso por lá, ignoravam simplesmente. A ilha era um pedaço diminuto do céu que, numa tempestade bravia, dera de atracar na terra. Com direito a anjos, trombetas, imortalidade, felicidade eterna (cerveja, que ninguém é de ferro!) e tudo mais que o bom Deus só reservara, nos primórdios da criação, para o paraíso.

Pois não é que o Brasil, às vezes, se torna em tudo semelhante à tal Ilha Idílica? Pelo avesso, é evidente. Ou de ponta cabeça, caso prefiram.

Quem já não viu – ainda que pela TV – um pervertido qualquer, marginal de primeira hora, latrocida ignominioso, jurar inocência e arrependimento com os olhos marejados, a expressão cândida de ternura, isso após ter cometido o mais vil e hediondo crime, banalizando entre nós o estado de absoluta barbárie? E ganha progressão de pena, indulto de natal e outros penduricalhos legais para logo, logo, tornar à arte de aterrorizar as pessoas e a sociedade.

Ou um desses parlamentares pegos com a boca na botija, chorando lágrimas de crocodilo e rememorando a infância sofrida, tragada pelo ofício de engraxate e de vendedor de quitandas e picolés? E são absolvidos no conselho de ética ou então renunciam ao mandato para retornarem redimidos, rejuvenescidos, transformando a política em um cabaré de cego, um antro de prostituição e jogatinas.

Ou então um desses pregadores religiosos - a minoria, felizmente! – muito mais dados às coisas mundanas, aos prazeres terrenos que às virtudes do reino celeste, pois que se afeiçoam à pedofilia e ao charlatanismo? E por chicotear a boa fé da gente simples, ao contrário de desprezo e cadeia, são bonificados com missões na África ou designados para ‘evangelizar’ em outras freguesias, onde o conhecimento sobre as barbaridades que praticam não chega jamais.

Ao contrário da ilha idílica de Rodoux Faugh, onde só poderiam residir os justos e bons, em Pindorama, parece que são os maus que fazem história, que sempre vencem, que conseguem materializar seus insanos e nefastos desejos em detrimento dos sonhos e aspirações da comunidade.

E para isso valem do que se encontra ao alcance das mãos. Estatística, cálculos, equações complexas, números infinitesimais, indicadores múltiplos, dados e informações, a maquiagem que for para emprestar certo grau de seriedade às suas teses e proposições sorrateiramente urdidas.

A última jogatina acaba de sair do forno, da cumbuca, seu cheiro nauseabundo infecta o ar e chega a sapecar as narinas de tão quente.

O Ministério da Educação estima que pode haver um milhão e 200 mil alunos-fantasmas na rede pública. A conta é simples e seu resultado foi obtido quando os técnicos cotejaram os dados do censo da Educação Básica, versões 2006 e 2007.

Esses números não são definitivos e o ministro da Educação, Fernando Haddad, afirma que “a diferença de numeração é um erro que deve ser corrigido a partir da complementação dos dados do censo, que terminará no próximo mês”.

De qualquer forma, seja qual for a dimensão e amplitude do “erro”, todos sabemos da importância desses dados para as prefeituras municipais. O total de alunos é uma informação por demais relevante porque é um dos principais quesitos para a distribuição de verbas entre Estados e municípios.

Funciona mais ou menos assim: para terem ‘direito’ a um volume maior de recursos financeiros, muitos prefeitos e secretários de educação passam a exercitar as Ciências Ocultas Degenerativas, enamorando vampiros, assombrações e principalmente fantasmas (fantasminhas para ser mais preciso).

Com a picaretagem aplicam gatunagem ao quadrado: beneficiam-se de maneira criminosa, informando um total de alunos que jamais tiveram (recebendo por isso mais recursos do que teriam direito) e ao mesmo tempo retiram recursos dos municípios que efetivamente matricularam mais alunos (e que passam a receber bem menos do que a lei assegura).

Portanto, se algum dia adentrar uma sala de aula e percebê-la vazia, leve em conta, caro leitor, que apenas aparentemente as carteiras escolares estarão vazias. Na realidade, as salas estão abarrotadas de estudantes, as carteiras todas ocupadas. É que os coleguinhas de Gasparzinho são invisíveis para nós outros, reles mortais. Como? se os fantasminhas camaradas são computáveis para efeito de transferências de verbas? Ah e como são!?!?!?!

Antônio Carlos dos Santos é criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Professor: profissão atrai cada vez menos



Meus queridos, passem a vista no que noticia a Agência Estado. Retorno na seguência.

PROFESSOR


Profissão atrai cada vez menos

Agência Estado

São Paulo- O número de formandos nos cursos que preparam docentes para os primeiros anos da educação básica - como Pedagogia e Normal Superior - caiu pela metade em quatro anos, segundo os últimos dados do Censo do Ensino Superior, realizado anualmente pelo Ministério da Educação (MEC). De 2005 a 2009, os alunos que concluíram essas graduações foram de 103 mil para 52 mil, o que comprova o desinteresse dos jovens pela carreira.

Houve queda também nos graduandos em cursos de licenciaturas, que preparam professores para atuar no ensino médio e últimos anos do fundamental - em 2005 foram 77 mil, contra 64 mil em 2009. No mesmo período, o total de concluintes do ensino superior no País cresceu de 717 mil para 826 mil.

Pois bem, amigos, as raizes do problema todos sabemos. No início de 2009 escrevi o artigo que segue abaixo. Vale a pena ler. Aqui está:


A questão salarial é uma das que mais impactam a educação brasileira.

Não são poucos os que desdenham a questão, atribuindo quase nenhuma importância a este quesito, considerado mais reflexo das pressões oriundas das organizações corporativistas e sindicais.

Os que assim argumentam miram-se tão somente nas demandas associativas o que, inexoravelmente, os remetem a equívocos de formulação e avaliação.

Para tratar deste assunto é necessário mergulhar num universo mais amplo, adotando uma visão mais profunda e mais larga, que não esteja deslocada do contexto.

Em qualquer categoria profissional, a política salarial é apenas um dos componentes dos processos de qualificação. Mas, sem dúvidas, um dos que mais impactam na eficaz conquista das metas, um dos que mais contribuem para os sucessos individual, coletivo e institucional.

Os trabalhadores se preparam ao longo de toda a vida para que possam exercer, com competência e dignidade, a profissão escolhida. E nos dias que correm, a educação profissional não se esgota com a conclusão do ensino formal. O incontido e avassalador avanço das tecnologias, a ininterrupta modernização dos sistemas de produção, o advento dos novos e desafiadores paradigmas garroteando as antigas formas de fazer e pensar fez emergir um novo mundo a exigir que os indivíduos se atualizem permanentemente, estudando não apenas no período regulamentar, mas do nascimento ao encantamento, num processo de formação perene, continuada. No mundo interligado pelos revolucionários meios de comunicação, a educação deixou de se constituir numa mera etapa da existência para perpassar todo o ciclo de vida dos cidadãos. É contingência não somente do aprimoramento profissional, mas, sobretudo, da obstinação com que a sociedade persegue qualidade de vida.

E quando na lida diária, as pessoas necessitam de respeito, o que implica qualificar o ambiente de trabalho, as relações em que se processa a produção, tornando imperativo também a adoção de políticas sustentáveis para a remuneração do trabalho. Como poderia ser diferente? Qualquer que seja a área de atuação, o profissional precisa ser valorizado, ter reconhecido seu papel, sentir-se recompensado pelos estudos, dedicação e esforços despendidos. E responde a esse reconhecimento se aprimorando, progredindo, agregando qualidade ao seu modus operandi, aos seus produtos e resultados.

E, mais uma vez, enganam-se os que imaginam que no ensino privado a realidade seja diferente.

Pesquisa recente realizada pelo Sindicato dos Professores de São Paulo revela que 1 em cada 3 docentes da rede privada deixaria a profissão caso surgisse a oportunidade. Esses dados referem-se ao universo do sistema, tomando da educação infantil à superior. Todavia, quando o extrato se restringe ao ensino fundamental, o percentual dos que sonham abandonar a profissão de professor quase chega à metade, exatos 44,7%.

A pesquisa também identificou as razões que levaram os docentes do ensino privado a apresentar resultados tão surpreendentes, haja vista que o pensamento dominante era que esse tipo de insatisfação se restringia quase que exclusivamente aos professores do sistema público.

Do universo pesquisado, 31,8% expressaram a intenção de trocar de profissão identificando como causa o excessivo desgaste emocional. Mas nada menos que 59,7% manifestaram o desejo de procurar outra ocupação em decorrência das insatisfações salariais.

Não importa a profissão enfocada. Engenheiros, médicos, policiais, artistas, metalúrgicos, seja qual for a categoria profissional, não se obtém êxito prescindindo de políticas salariais sustentáveis, determinantes para a qualificação de qualquer processo. Porque então dentre os professores deveria ser diferente?

Evidentemente, de per si, aumentos salariais mais prejudicam que auxiliam. Adotado de forma isolada, se dilui no emaranhado da crise que historicamente tem acometido a educação nacional. Como também não conduz a bons resultados promover ações estanques, compartimentadas, nos demais setores, como o de infra-estrutura física, da informatização, da terceirização ou o que seja. Para alcançar a tão cobiçada qualidade do ensino urge incorporar uma visão do conjunto, uma visão que possibilite investir e atuar nos múltiplos setores buscando a eficácia e a harmonia, sem naturalmente abrir mão das necessárias medidas de recuperação salarial dos servidores. O que implica em firmar compromissos, estabelecer metas individuais e coletivas, valorizar e gratificar mais os que mais se destacam sob o ponto de vista do mérito, do compromisso e da dedicação. Vinculando enfim salário a desempenho.

A questão salarial - tão relevante para a qualificação do ensino - tem muito sentido, tem todo o sentido quando conseqüência do cumprimento de metas, do estabelecimento de compromissos, da adoção de sistemas com indicadores objetivos – plenamente conhecidos – e que consigam distinguir e premiar os professores com bom desempenho acadêmico. Fora deste contexto, não passa de panacéia: os professores continuarão fingindo que ensinam, os alunos que aprendem, os pais que se preocupam, e o governo que administra.

A metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e a tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo são criações originais de Antônio Carlos dos Santos.