sábado, 29 de março de 2008

A intolerância racial e social


O Brasil tem uma tradição histórica cínica, dissimulada e atroz para com os de cor negra. Não bastasse o martírio ocasionado a milhões de egressos do continente africano, que aqui foram brutalmente humilhados e seviciados, fomos o útimo dos países a aderir ao fim do sistema escravo nas relações de trabalho.

A escravidão foi uma chaga que dilacerou o planeta, sendo até os séculos XVIII e XIX a forma dominante de organização do trabalho.

Tão grave quanto à escravidão negra, foi o nazi-fascismo que, originando-se na Europa, logo varreu o mundo, estendendo seus tentáculos pelos continentes, até chegar também ao Brasil.

O genocídio contra os judeus ilustra a que ponto pode chegar a atrocidade humana, quando impregnada de dogmatismo religioso ou ideológico. Os nazistas chegaram a exterminar dois quintos do povo judeu. No campo do dogmatismo ideológico a história de Olga Benário, mulher de Luiz Carlos Prestes é referência. Presa no Brasil foi entregue pelo governo brasileiro ao governo alemão, para ser torturada e executada em campo de concentração.

Os judeus constituem um dos povos do mundo mais marcados pela intolerância racial. De modo que causa espécie o fato de ter brotado no seio do judaísmo uma das mais perversas formas de racismo do mundo contemporâneo: o sionismo.

Quando as religiões e as ideologias impõem a hipocrisia do preconceito racial, a ciência anuncia uma descoberta que deve – em curto prazo, resgatar a tolerância e a harmonia entre os diferentes.

Os últimos avanços da ciência no campo da genética registram uma surpreendente novidade: os estudos apontam que os chipanzés apresentam 99,4% de semelhanças com o homem – quando se coteja as informações gravadas nos respectivos DNA`s. Ou seja, nos separam de nosso irmão macaco uma pequena fração de apenas 0,6% de diferenças. Em todo o resto somos iguais. Rigorosamente iguais.

O naturalista inglês Charles Darwin, já no século XIX, em seu livro A Origem das Espécies, provocou no mundo forte impacto, ao discorrer sobre a ancestralidade comum existente entre a espécie humana e os demais primatas. Recebeu forte pressão e resistência dos setores conservadores, sobretudo religiosos. Resistência que resiste aos dias atuais: em algumas escolas religiosas dos Estados Unidos da América, os livros e a teoria evolucionista de Darwin são simplesmente ignorados nas aulas de ciências.

O fato é que os recentes estudos genéticos impactaram de tal modo os intelectuais e os membros da comunidade acadêmica, que levou o cientista americano Morris Goodman a publicar na revista científica PNAS, um estudo em que defende a inclusão dos chipanzés (Pan troglodytes) no gênero Homo, dado às semelhanças do DNA.

Os estudos desmontam e desmascaram a farsa criada pelos ativistas racistas que estruturaram teorias embasadas em teses e conceitos aparentemente científicos, mas que agora se provou completamente artificiais, equivocadas e enviesadas ideologicamente.

A ciência evidencia de forma categórica que pode haver mais semelhanças entre os todos poderosos idiotas Adolf Hitler (alemão) e Id Amin Dada (africano), do que entre dois vizinhos africanos; ou dois amigos alemães.

Comungando a mesma origem e parte da mesma trajetória na escala evolucionista, os homens e Chipanzés tomaram diferentes caminhos há seis milhões de anos, período em que as diferenças, agora divulgadas, se processaram.

A realidade é que o homem conseguiu dominar a característica singular de captar, desenvolver, acumular e transferir conhecimento; característica que o tornou único no planeta.

Portanto, as diferenças entre os diversos povos, devem-se, quase em nenhum grau, aos fatores intrinsecamente raciais. O determinante nas diferenças decorrem sobretudo do componente ambiental, conformado pelas condições da natureza; e do componente cultural, determinado pelas relações sociais.

É o que já dizia, nos idos de 1933, o sociólogo Gilberto Freyre em seu Casa-Grande & Senzala, que recebeu o cobiçado premio norte americano de “a melhor obra sobre relações inter-raciais”.

À discriminação racial também se soma uma outra, em exponencial expansão no Brasil, a discriminação social. É cada vez maior no país o número dos despossuidos, dos excluídos, dos privados das condições mínimas de sobrevivência.

Expressões populares de humor duvidoso como “...no Brasil só três p`s habitam as cadeias; preto, pobre e puta...”; e “...branco quando corre está fazendo Cooper, e preto quando corre está fugindo da polícia...” evidenciam o quanto as discriminações racial e social estão incorporadas no imaginário popular.

No seio das famílias, nas escolas e na sociedade, os pais, professores e gestores públicos devem estar atentos para responder adequadamente a esta questão.

Não há como construir uma sociedade democrática e justa para todos, se nossos conceitos tiverem como parâmetro estrutural a intolerância. E a educação é o esteio capaz de assegurar que os educandos de hoje sejam os cidadãos fraternos e progressistas do amanhã.

Artigo publicado na Revista Bula e no portal da Associação dos Professores de São Paulo. Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo. acs@ueg.br

sexta-feira, 7 de março de 2008

A culpa é do gênio ou do gago?

À medida que passa o tempo, vai se tornando mais difícil a interação entre as pessoas. Apesar da era contemporânea disponibilizar técnicas e ferramentas, processos e tecnologias de comunicação mais eficazes, o homem, ao contrário de se expandir em direção ao outro, procura o isolamento, confina-se numa redoma hermética e indevassável. Ensimesmado, parece querer buscar na extremada auto-suficiência a massa vedante que permitirá deixar-se só, obstruir qualquer possibilidade de inserção e convivência social.

Manter-se o mais distante possível de seu próximo, ao que parece, tem sido o paradigma maior das sociedades globalizadas. Daí os muros de concreto e cercas eletrificadas, os sistemas de segurança monitorados eletronicamente, os momentos de convívio social cada vez mais efêmeros e voláteis, e a onipresença da televisão – o olho totalitário - companhia inseparável de nosso infortúnio coletivo.

Este sistema prisional constituído por uma parafernália tecnológica desenvolvida para nos manter ‘seguros’ em nossas residências, escolas e locais de trabalho, é internalizado na parte mais profunda de nosso subconsciente, fazendo emergir todo tipo de bloqueios em nossas relações interpessoais, obstruindo canais, enclausurando possibilidades, encarcerando numa masmorra invisível a perspectiva de um diálogo que se expresse intenso e liberto.

A pressão e o estresse da vida contemporânea, a depressão que se tornou estigma nesta virada de século, a violência brutal intrínseca do modelo excludente de desenvolvimento contribui, acentuadamente, para que todos se evitem mutuamente. Por outro lado, a opção por um sistema social altamente competitivo – originado ainda no berço, que perpassa a infância, a adolescência, a juventude, até chegar às fases adulta e senil, exigindo figurarmos sempre à frente, destacando como os melhores em tudo – desemboca em um estado de permanente insatisfação, perene desequilíbrio, contínua irritação, cenário de clima sempre hostil e tempestuoso, propício para o afloramento do que de pior existe na personalidade humana: inveja, vaidade, ganância e frivolidades, vezes dissimuladas, mas invariavelmente presentes no nosso cotidiano.

Nesse contexto, têm mais espaço e adeptos o ressentimento, o ódio e o rancor do que a admiração, o amor e o carinho. Tudo isso em caótica ebulição, fermenta e produz um caldo espesso, denso, que atua como uma barreira inibidora, uma muralha de ferro e granito a obstruir o processo de interação entre as pessoas.

A partir daí, muito pouco resta: um pântano sombrio e nauseabundo como cenário do ato de conversar, dialogar, entabular a prosa, conviver.

Mesmo nos encontros e reuniões em que participam pessoas preparadas, habilitadas à convergência, os mal-entendidos se manifestam generalizadamente, exigindo que a mesma coisa seja dita inúmeras vezes, de diferentes maneiras, para que sejam compreendidas.

Um pré-requisito indispensável à boa conversação é o planejamento, é pensar com antecedência sobre o quê, para quem e como dizer, contextualizando os objetivos que pretendemos atingir. Nesse processo, táticas e estratégias devem ser elaboradas para que as metas traçadas sejam plenamente alcançadas.

Rodoux Faugh afirma que "a comunicação é a forma mais sublime de amar", e Chacrinha, o Velho Guerreiro, popularizou a importância do processo de emissão, transmissão e recepção de mensagens com o premonitório jargão televisivo “quem não comunica se estrumbica”.

Às vezes a responsabilidade pelo fracasso da interlocução cabe ao emissor, que não sabe se expressar ou o faz de forma inadequada e por isso ineficaz.

É o caso do náufrago gago que teve o órgão sexual inteiramente arrancado pela mordida do tubarão. Quando, numa ilha deserta, tirou a rolha da lâmpada mágica, fez ao Gênio o primeiro de seus três pedidos:

– Eu ... eu ... eu ero um aralho.

E o gênio, obediente, deu de presente um baralho. Apreensivo, o Gago fez o segundo pedido, procurando agora ser mais claro:

– Eu ... eu ... eu ero um into.

No estalar dos dedos o Gênio fez aparecer, do nada, um cinto, e o fixou entre as pernas do náufrago. Já desesperado por ter desperdiçado dois pedidos, o sobrevivente gago solicitou seu último desejo. Com a voz trêmula, mas bem compassada, suplicou:

– Eu ... eu ... eu ero um ênis.

E de uma nuvenzinha de fumaça o Gênio da lâmpada tirou um tênis e o deu como o derradeiro desejo do infeliz que não se fazia entender.

Ao conversarmos é necessário que a mensagem chegue ao destino sem distorções. Para isso importa dar à voz tonalidade apropriada, volume, timbre e ritmo adequados, sem nos descuidarmos da pronúncia. Porém esse conjunto de condicionantes não é suficiente.

Num diálogo eficaz em que os interlocutores se sintam satisfeitos, o respeito mútuo deve ser o primeiro axioma. Significa que as pessoas devem se situar no mesmo patamar, no mesmo nível, sem que ninguém se coloque acima ou abaixo, mas todos se ombreando lado a lado. Esse princípio gera um conforto que acentua o compromisso das pessoas com o que está sendo pactuado. Postura arrogante e autoritária, pretensiosamente superior, conduz quando muito ao monólogo, às vias de mão única, à harmonia e paz dos cemitérios...

Quando se trata dos conteúdos, dos assuntos a serem tratados, é preciso abordá-los com profundidade e segurança. Não existe nada pior que discussão superficial que apenas tangencie as questões. Abordagens pobres levam os interlocutores à mediocridade, forjando relacionamentos banais, mesquinhos, vulgares. Navegar com profundidade nos assuntos é um sinal de respeito ao outro e a nós mesmos. Isso se traduz em municiar-se do maior número de dados e informações, selecionar as importantes, apresentá-las de forma objetiva, certificando-se anteriormente da sua exatidão e procedência. Na discussão é preciso também discernir entre o que é essência e o que é acessório, fixando-se nos fundamentos do assunto. É que muitas vezes o que reluz nas discussões é o acessório, a trivialidade, ofuscando e encobrindo as partes que de fato importam. Portando iluminar as partes mais relevantes dos conteúdos é uma etapa importante do processo.

A boa ordenação dos conteúdos não pode ser deixada de lado. A organização, a forma de melhor subordinar e hierarquizar os itens abordados enseja a construção de um raciocínio lógico consistente.

Mas tudo isso pode cair por terra se não adotarmos uma linguagem correta, clara e expressiva, no sentido de encantar o interlocutor. E nesse sentido o fecho final, a conclusão que damos à nossa intervenção é fundamental. É como uma orquestra sinfônica executando uma ópera ou uma peça musical clássica. Toda a construção melódica vai sendo conduzida num crescendo até chegar – ao final – à apoteose, quando músicos e platéia como que explodem em satisfação e aplausos.

Esses procedimentos deveriam ser, com especial interesse, adotados por nossos professores – formais e informais. Uma conversa ocorrida na informalidade de um cafezinho pode educar mais que uma aula convencional. Mas a liturgia de uma aula tradicional tem a responsabilidade de gerar resultados, a obrigação de ensinar, e bem! Os professores formais têm a obrigação de tornar suas mensagens atrativas, plenamente compreendidas. É o mínimo que se espera de nossos mestres. Essa é uma boa forma de avaliar o desempenho de nossos professores. Quando o aluno é reprovado, a responsabilidade nem sempre é do estudante.

Mas quem carrega o fardo do fracasso é tão-somente o aluno. Vivemos em nossas escolas uma realidade por demais injusta e que deve, de imediato, ser alterada. Mesmo ante e existência de um exército de gagos que acreditam ser do gênio a culpa por não terem seus desejos atendidos.

Artigo de Antônio Carlos dos Santos publicado na Revista Bula e no portal da Associação dos Professores de São Paulo. acs@ueg.br