1945. A grande guerra que varreu
o planeta acabara de terminar deixando um rastro de 50 milhões de mortos.
De São Paulo, cinquenta famílias japonesas pertencentes à Seita Shindo
Renmei – Liga do Caminho dos Súditos, resolveram fugir para o interior do
cerrado.
A seita era alvo de aguerrida perseguição. Implacavelmente a polícia
combatia seus integrantes em virtude dos assassinatos promovidos contra os que
reconheciam como verdadeiras as notícias sobre a derrota do império japonês.
A Shindo Renmei era uma organização secreta que exercia forte influência
ideológica sobre a colônia nipônica radicada em São Paulo, mas diluída também
nos demais estados brasileiros. Com estruturação paramilitar e radical difusora
das milenares tradições japonesas, a Liga do Caminho dos Súditos afirmava que a
notícia sobre a derrota dos países do Eixo não passava de propaganda enganosa produzida
pelos países aliados. Na realidade, as ondas de rádio da BBC de Londres
divulgando ininterruptamente a rendição japonesa não passavam de artifício madraço
para minar o inquebrantável moral dos saldados leais ao imperador,
contra-divulgava a liderança da Shindo. E passaram a perseguir e assassinar
todos os integrantes da colônia nipônica que ousassem dar crédito às notícias
emanadas da rádio londrina. Para os militantes da seita radical era intolerável
duvidar da invencibilidade nipônica ostentada em mais de 2600 anos de
sucessivas vitórias, sem que o país tivesse perdido uma guerra sequer.
A Shindo preparou, então, seus esquadrões de matadores – os tokkotai - e
foi à caça dos que acreditaram na vitória dos países liderados pelas forças
aliadas: Inglaterra, EUA e URSS. Assassinaram quase 30 imigrantes, deixando
feridos mais de 150.
A reação da polícia não demorou. O DOPS paulista encarcerou mais de 30
mil suspeitos e não menos de 400 foram condenados a penas que variaram de um a
30 anos de cadeia.
Por interferência direta do mais alto dirigente da República um decreto
presidencial deporta, para o Japão, 80 integrantes da seita. Todavia, no
indulto do Natal de 1956, o presidente Juscelino Kubitschek coloca todos em
liberdade, imaginando, assim, virar uma página negra da história brasileira.
Com a generosidade do ato o presidente mais popular dentre todos já
havidos imaginou ter lançado uma pá de cal sobre a tragédia que assolou os 200
mil imigrantes japoneses. Ninguém percebeu - nem os serviços de inteligência
das três armas - que 50 dos maiores dirigentes e matadores da Shindo Renmei
migraram, com suas famílias, para o interior do cerrado brasileiro.
No mínimo dois membros de cada uma das famílias que agora evadia para o
Planalto Central foram impiedosamente torturados e mortos nos porões do DOPS
paulista. Providencialmente a polícia permitiu que uns poucos sobrevivessem à
tortura com o único propósito de que – libertos – relatassem, na colônia, as brutais
técnicas de martírio e suplício. Afogamento, choque elétrico, estupro, pau de
arara, garrote vil, simulação de fuzilamento, retirada de órgãos do corpo, era
o mínimo que ocorria nos porões das delegacias de polícia.
Primeiramente as famílias vagaram a esmo pelos portos do Rio de Janeiro
e Santos esperançosos em encontrar os prometidos navios japoneses que os
levariam de volta à nação do sol nascente.
Após meses de uma angustiante espera resolveram, então, se refugiar num
lugar ermo, de todos desconhecido, inatingível ou, no mínimo, inalcançável
pelos braços da repressão policial. E se estabeleceram nos vales encobertos da
grande serra localizada no nordeste goiano onde somente os escravos, fugindo da
implacável perseguição dos capitães de mato, conseguiram alcançar.
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