Maria Helena foi chorar ao pé da
encosta. Nada mais estava ao seu alcance. Agora só restava chorar, lamentar ter
permitido a felicidade esvair dentre os dedos da mão.
Guilherme e Maria Helena eram metalúrgicos em uma pequena indústria no
interior de Goiás. Enveredaram-se na luta sindical auxiliando a organização dos
trabalhadores, mas atuavam também nas obras de assistência social promovidas
pelas Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica.
Maria Helena, mulher negra, alta, forte, beleza marcante e Guilherme
Arantes, branco, frágil, beleza dissimulada, conversa encantadora,
conheceram-se e dois meses depois estavam casados. Perceberam-se no primeiro
olhar e surpreenderam a todos com a festa de casamento, modesta, parcimoniosa,
mas ao mesmo tempo farta no incontável número de amigos.
No primeiro dissídio coletivo os calorosos discursos realizados na porta
da indústria custaram os empregos de ambos. Sem ter o que fazer na cidade e
desprovidos das condições de sobrevivência resolveram entrar de cabeça no
movimento dos agricultores sem terra. E mudaram-se com as escovas de dentes
para um gigantesco acampamento localizado às margens da rodovia federal e que
reunia não menos que dez mil famílias. O primeiro censo precisou o número de
sobreviventes da cidade proibida, miserável, mas impecavelmente organizada,
surgida do nada, numa madrugada fria e desconsolada: 55.632 habitantes.
Homossexualidade, bebedeira, reuniões após as vinte e duas, jovens com brincos
ou piercing, entrevero, bate boca ou discussões entre acampados, questionar
decisões da direção, não cumprir as tarefas determinadas, um conjunto de
atitudes e procedimentos que implicava em severa punição passível de expulsão.
A experiência sindical e a liderança que brotava natural em ambos logo
os remeteram à direção central do movimento. À Maria Helena coube a
vice-presidência da Sessão de Mulheres Agricultoras do Brasil, a Semab. E
Guilherme Freitas ficou responsável pela Coordenação Geral de Formação Política
– Cofopo e pela Diretoria Financeira da Cootrab, o principal cargo executivo da
cooperativa dos trabalhadores da reforma agrária.
Na Semab Maria Helena cuidava das questões específicas das mulheres do
campo, as questões de gênero. Em cada quadra residencial contavam com duas
mulheres eleitas para representar as demais e reuniam-se todos os sábados,
discutindo a discriminação, a dupla jornada de trabalho, a violência doméstica
e a de estado, a educação dos filhos, a distribuição das cestas básicas
entregues pelo governo e a realização do trabalho na Cooperativa, instituição
criada e administrada pelo movimento para organizar os negócios e as finanças,
sobretudo, a comercialização da produção.
Na Cootrab Guilherme implementou uma gestão profissional, eficaz, que
levou a cooperativa a sair do vermelho, passando a ostentar lucros sempre
crescentes, alcançando inclusive o mercado externo com a exportação de produtos
orgânicos. Foi de Guilherme a ideia de mobilizar os trabalhadores para
qualificar a produção, plantação sem a utilização de agrotóxicos, sem agressão
ao meio ambiente, predicados que escancarou as portas do mercado internacional.
As exportações dirigidas ao mercado europeu revelaram-se fundamentais para a
sustentabilidade econômica dos trabalhadores rurais, de sua luta e
organizações. Não só conseguiram agregar valor à produção alcançando
competitividade e preços, mas independência financeira para manter a política
de ocupação de terras.
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