Zeiri estava inquieto. Não parava um só
segundo correndo de um lado para outro, descobrindo cada quadrante da nova casa
em que a família acabara de se instalar, em Argel.
A família se fizera em Constantina quando o pai, Deval, desiludiu-se da
vida tortuosa e promíscua que levava na terra natal, Paris, e resolveu fazer a
vida na África do Norte. Chegou pelo mediterrâneo e na primeira semana
encontrou a mulher de sua vida, a bela, adorável e sensual Jamilat Síria com
quem se casou e partiu em busca de uma boa cidade para morar. Passaram por
Tizi-Uzu, Oran, Anaba, até se decidirem por Constantina, onde fixaram
residência e viveram inesquecíveis dez anos de plena felicidade.
A chegada do filho Zeiri Thiers e a preocupação com sua formação e
futuro os levaram a mudar para a capital onde compraram um amplo sobrado, o
mais imponente de Argel.
Deval enriqueceu na África. Já era um homem importante nas rodas empresariais
quando lidava com a produção de tabaco, algodão e vinhas. Mas se estabeleceu em
definitivo no rol dos gigantescos empreendedores do continente quando se
enveredou pela indústria da energia, a extração e comercialização do petróleo.
Portanto, mudar-se para a capital era uma medida mais que necessária, era,
também, uma diligência imposta pelas circunstâncias, pela dinâmica dos negócios,
e pela expansão da economia. De início a belíssima Jamilat impôs resistência à proposta
de mudança, mas, poço de compreensão e generosidade, logo estava ela atuando
como fonte de estímulo, incentivando todos, inclusive o filho; e passaram a ver
na transferência de cidade uma nova e promissora aventura.
Deval deixou a mulher, o filho e os criados cuidando da organização da
mudança e foi para a reunião com Ferhat Abbas, chefe do Governo Provisório da
República Argelina.
Era um entusiasta da libertação da Argélia. Manifestava-se publicamente
em reuniões abertas e, sobretudo, através de artigos que publicava na imprensa internacional,
o que acabou por indispô-lo de forma irreversível com o governo da França que
passou a acusá-lo de alta traição.
Sabia que a agressiva política colonialista que seu país impunha ao
continente africano era inócua, dispendiosa, desumana, ineficaz, e apenas
agravava a situação. Enquanto os europeus dominavam completamente a economia
controlando o comércio, a produção primária e a indústria, quase dois milhões
de beberes viviam na extrema pobreza. Com os franceses ocupando as melhores
terras, os mais produtivos vales, a população local foi lançada ao desterro, ao
êxodo rural, a um deslocamento interno sem precedentes, levando as cidades ao
estrangulamento; a proliferação descontrolada da miséria, a prostituição, a
criminalidade e a corrupção endêmica. A população sobrevivia de esmolas e da
caridade.
Estava ali formado o cenário, o caldo político para as ideologias
redentoras, arrebatadoras, sebastianistas. Desigualdade extrema e miséria
generalizada são os insumos de que se alimentam os extremistas de todos os
matizes, os radicais de todas as religiões, os ortodoxos de todas as correntes,
e os políticos de todas as facções ideológicas, independentemente do tempo,
independentemente do espaço.
Os atentados políticos perpetrados pelos inumeráveis grupos
emancipacionistas se intensificaram tanto quanto a repressão encetada pelo
exército francês de ocupação. Os dois lados disputavam qual dispunha de maior
capacidade e engenhosidade para no outro infligir mais dor, revolta, suplício e
tortura.
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