sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Tiradentes, o mazombo


   Maria Luiza sentiu um calafrio singrar a espinha até ancorar na parte posterior da cabeça. Preocupava-se quando o fenômeno se repetia reiteradamente, como vinha ocorrendo no decorrer da semana. Aflita, desde a noite anterior esperava Joaquim, o homem de sua vida, forte, alto, inteligente e generoso o suficiente para tirá-la da vida fácil, tornando-a ainda menina, mulher completa e feliz.

   Palpitações, calafrios e sobressaltos sempre foram, em sua vida, sinais de maus prenúncios. Ora anunciavam um aborrecimento iminente, ora um dente que latejaria dali a minutos, a maior parte das vezes uma tragédia abrupta, uma perda irreparável, o desaparecimento de alguém próximo e amado.

   Nessas horas lembrava-se das agruras do amado. Recordou quando, tempos atrás, sobressaltos repetitivos se confirmaram como um perigoso e grave incidente. Joaquim, indignado com a humilhação e o suplício que um senhor impunha ao seu escravo, resolveu intervir. E por sair em defesa do negro, foi punido com a perda da tropa que lhe assegurava o sustento. Anos e anos de sacrifícios, mascateando entre o Rio de Janeiro e Minas, percorrendo toda aquela dispersa e inóspita região, formando uma sólida rede de amigos e fregueses compradores para colocar tudo a perder em decorrência de seu altruísmo e senso de justiça.

   De nada adiantava Maria Luiza estrilar, espernear, reclamar para aquele homem magro, ombros largos, longos e belos cabelos acastanhados. Inútil implorar, suplicar para que se distanciasse das confusões. Joaquim era assim e pronto. Melhor resignar, conformar com a escolha daquele que considerava a justiça patrimônio inalienável da humanidade, valor extremo, superior a todos; para proteger os mais fracos não hesitava em colocar a própria vida em risco. Por isso Maria Luíza revirou-se na cama por toda a noite sem conseguir pregar os olhos. Mal rompeu o dia e os calafrios já reverberavam suas preocupações premonitórias.

   “O destino está inscrito nas estrelas e nos planetas” dava cordas ao pensamento a menina-mulher. Como se preparando para a notícia que tardava, mas que sabia, viria fatídica. Algo de muito cruel se anunciava para seu amor.


   Um dos predicados que Luíza herdou da mãe foi a prestidigitação e a facilidade de - esquadrinhando os astros - ler o futuro das pessoas. Desenvolvera como ninguém a habilidade de fazer desaparecer objetos, a arte do ilusionismo. No estudo das leis da abóbada celeste especializou-se na ciência do tempo, na astrologia. Através da marcha do sol avaliava o tempo de vida que restava nos que a procuravam. E da posição das estrelas e constelações extraia as possibilidades de materialização dos sonhos, desejos, aspirações que chegavam aos seus ouvidos na forma de cabalísticos sussurros. Interpretava os sonhos e desnudava seus mistérios. Para continuar a leitura e acessar outros 19 contos, clique aqui.

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