Maria Luiza sentiu um calafrio singrar a espinha até ancorar na parte
posterior da cabeça. Preocupava-se quando o fenômeno se repetia reiteradamente,
como vinha ocorrendo no decorrer da semana. Aflita, desde a noite anterior
esperava Joaquim, o homem de sua vida, forte, alto, inteligente e generoso o
suficiente para tirá-la da vida fácil, tornando-a ainda menina, mulher completa
e feliz.
Palpitações, calafrios e sobressaltos sempre foram, em sua vida, sinais
de maus prenúncios. Ora anunciavam um aborrecimento iminente, ora um dente que
latejaria dali a minutos, a maior parte das vezes uma tragédia abrupta, uma
perda irreparável, o desaparecimento de alguém próximo e amado.
Nessas horas lembrava-se das agruras do amado. Recordou quando, tempos
atrás, sobressaltos repetitivos se confirmaram como um perigoso e grave
incidente. Joaquim, indignado com a humilhação e o suplício que um senhor
impunha ao seu escravo, resolveu intervir. E por sair em defesa do negro, foi
punido com a perda da tropa que lhe assegurava o sustento. Anos e anos de
sacrifícios, mascateando entre o Rio de Janeiro e Minas, percorrendo toda
aquela dispersa e inóspita região, formando uma sólida rede de amigos e
fregueses compradores para colocar tudo a perder em decorrência de seu
altruísmo e senso de justiça.
De nada adiantava Maria Luiza estrilar, espernear, reclamar para aquele
homem magro, ombros largos, longos e belos cabelos acastanhados. Inútil
implorar, suplicar para que se distanciasse das confusões. Joaquim era assim e
pronto. Melhor resignar, conformar com a escolha daquele que considerava a
justiça patrimônio inalienável da humanidade, valor extremo, superior a todos;
para proteger os mais fracos não hesitava em colocar a própria vida em risco.
Por isso Maria Luíza revirou-se na cama por toda a noite sem conseguir pregar
os olhos. Mal rompeu o dia e os calafrios já reverberavam suas preocupações
premonitórias.
“O destino está inscrito nas estrelas e nos planetas” dava cordas ao
pensamento a menina-mulher. Como se preparando para a notícia que tardava, mas
que sabia, viria fatídica. Algo de muito cruel se anunciava para seu amor.
Um dos predicados que Luíza herdou da mãe foi a prestidigitação e a
facilidade de - esquadrinhando os astros - ler o futuro das pessoas.
Desenvolvera como ninguém a habilidade de fazer desaparecer objetos, a arte do
ilusionismo. No estudo das leis da abóbada celeste especializou-se na ciência
do tempo, na astrologia. Através da marcha do sol avaliava o tempo de vida que
restava nos que a procuravam. E da posição das estrelas e constelações extraia
as possibilidades de materialização dos sonhos, desejos, aspirações que
chegavam aos seus ouvidos na forma de cabalísticos sussurros. Interpretava os sonhos
e desnudava seus mistérios. Para continuar a leitura e acessar outros 19 contos, clique aqui.
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