Durante
suas palestras, Ciechanoven invoca os jovens a questionarem as regras
estabelecidas, desafiarem seus professores, seguirem os seus sonhos e
trabalharem com algo em que realmente acreditem.
Durante sua passagem por Brasília, o cientista Aaron Ciechanoven,
natural de Haifa, Israel, disse que é impossível se fazer pesquisa e
desenvolvimento com pouco dinheiro. Ele também diz que não se pode interromper
os recursos para a ciência, pois trata-se de um investimento de longo prazo.
“Israel está fazendo muito dinheiro com ciência”, disse.
Prêmio Nobel em Química em 2004, Ciechanoven começou a carreira como
médico, mas decidiu seguir sua intuição e virar pesquisador. Seu grande feito
foi detectar um sistema chamado Ubiquitina, responsável por eliminar moléculas
de proteínas danificadas ou desnecessárias para o organismo, conhecimento que
mais tarde, descobriu-se, está intimamente ligado ao câncer e às doenças
degenerativas.
Durante suas palestras, Ciechanoven invoca os jovens a questionarem as
regras estabelecidas, desafiarem seus professores, seguirem os seus sonhos e
trabalharem com algo em que realmente acreditem. Nesta semana, ele fez
uma palestra em Brasília e, ao final, uma
estudante perguntou ao cientista premiado como ele fez para manter a motivação
por 40 anos pesquisando o mesmo assunto, sem ter a certeza de que ia chegar a
algum lugar. “Como ir de uma pequena questão para outra pequena questão?”,
questionou ela.
Ciechanoven respondeu que é preciso ter foco, resiliência e coragem. “Se
você quiser mesmo atingir um objetivo, você precisa estar muito focado. Mas
isso também é muito relativo. Sua área de pesquisa pode ser exaurida e você
terá que mudar para algo novo. É preciso se adaptar às circunstâncias”,
respondeu. “Acho que essa pergunta é diferente de pessoa para pessoa. Eu sou um
aventureiro, é minha natureza. Assumo riscos altos”.
Em um bate-papo exclusivo com a Agência Brasil, Aaron
Ciechanoven falou sobre investimento em pesquisa (segundo dados mais recentes
divulgados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, em 2014, o Brasil investiu
1,27% do PIB nacional em pesquisa e desenvolvimento. Desde então, em
decorrência dos cortes orçamentários para cumprimento do superávit, esse índice
tem caído), retenção de pessoas altamente qualificadas e deu perspectiva sobre
o futuro da medicina.
Agência Brasil: O senhor consegue avaliar se é possível alcançar avanços
científicos e fazer descobertas relevantes com muita dedicação, mas com poucos
recursos?
Aaron Ciechanoven: Eu acho
difícil hoje em dia. Antigamente era possível, hoje é, na verdade, impossível,
porque a ciência se tornou tão cara e sofisticada que sem dinheiro. Israel
investe 4% do PIB em pesquisa. Ao lado da Coreia, somos líderes em
[investimentos] em pesquisa e desenvolvimento. Países muito “primitivos”
colocam 0,2%. Um país “ok” coloca entre 1% e 2%. Nós estamos no topo. Não se
pode fazer ciência sem investimento, mas o investimento se paga.
É muito fácil cortar verbas da ciência, porque os cientistas não compõem
uma união de trabalhadores. Eles não podem desligar a eletricidade, fechar os
aeroportos, não pode fazer uma greve de trens. Eles são simplesmente
cientistas, então é fácil cortar a verba deles, mas o estrago desses cortes a
logo prazo são enormes. Em primeiro lugar, porque os jovens perdem o interesse
em se tornar cientistas. “Ser cientista não vale a pena, cientistas não ganham
dinheiro, é melhor ser um advogado ou outra coisa”. Em segundo lugar, leva-se
bastante tempo para construir a infraestrutura científica. Para formar um cientista
é preciso graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado, enfim, leva-se entre
20 e 30 anos e é preciso investir muito dinheiro.
Agência Brasil: Qual o prejuízo em se diminuir o investimento em
pesquisa e desenvolvimento?
Ciechanoven: Não há como dizer hoje que não
vai investir em cientistas e amanhã dizer que sim, não é como comprar leite no
supermercado. Se hoje você não tem dinheiro, não compra leite. Você pode viver
um dia sem, no dia seguinte você compra. [Formar cientistas] é um investimento
de longo prazo, é uma visão do governo, do estado, com o que ele quer no fim.
Porque no fim vale a pena.
Israel está fazendo muito dinheiro com ciência, estamos fazendo muito,
muito dinheiro. Estamos vendendo ciência. Não temos nada pra vender, não temos
bananas, nós não temos nada. Não temos recursos naturais, nós importamos tudo
em Israel. O que estamos vendendo hoje é ciência, conhecimento. E estamos
fazendo dinheiro disso. É como um banco. É o melhor investimento que se pode
fazer.
O Brasil é, em grande medida, um país de commodities [mercadorias
em estado bruto ou produtos primários comercializados internacionalmente, como
café, algodão, soja, boi gordo, minério de ferro e cobre]. Israel é um país de
conhecimento. Pode-se viver das duas coisas.
Agência Brasil: Após passar 3 anos em um dos principais centros de
pesquisa dos Estados Unidos, o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts),
você retornou a Israel. Alguns dos melhores cientistas brasileiros saem do país
para completar os estudos e não retornam. Como evitar que isso ocorra?
Ciechanoven: Em Israel também muitos
[cientistas] saem e não voltam. Mas nós temos que respeitar essa decisão porque
é pessoal. Eu decidi voltar porque eu amo meu país e eu tinha uma posição
oferecida na universidade, que era uma boa oportunidade, mas pior do que outras
que recebi nos Estados Unidos. Mas a vida não é apenas ciência. Você tem
família, comida, amigos, a língua, a música. A vida é muito mais complexa que a
ciência.
Em Israel eu sentia que poderia causar um impacto maior. Havia muitos de
mim nos Estados Unidos, eles não precisavam de mim. Além disso, eu me sentia
estrangeiro e precisava do sentimento de me sentir em casa. E deu certo.
Talvez eu tivesse me dado melhor se tivesse ido para a Universidade de
Standford, por exemplo, ou para Harvard, mas eu também não me dei mal em
Israel, na verdade fui muito bem-sucedido. É muito pessoal.
Eu não critico quem não volta para a terra natal. Deveríamos viver em um
mundo em que as pessoas fossem completamente livres para fazer o que é bom para
elas mesmo e suas famílias, mas o país precisa oferecer oportunidades para as
pessoas qualificadas, porque se elas forem boas e não tiverem nada no Brasil,
será uma perda garantida para o país e você terá um engenheiro que em vez desenvolver
produtos para o Brasil estará fazendo isso para alguma empresa dos Estados
Unidos. Isso é uma perda para o Brasil. Todo país precisa fazer o esforço para
manter pessoas com alta qualificação.
Além de manter, eu acho que os países deveriam convidar pessoas
altamente qualificadas. Não apenas porque essas pessoas são capazes de
desenvolver bons produtos e gerar renda, mas porque pessoas inteligentes criam
filhos inteligentes, são mais atentos à saúde, são menos dependentes do estado
de bem-estar social. Se você é educado, você pode tomar mais cuidado consigo
mesmo e ainda gerar mais dinheiro. Tipicamente, educação e salários crescem de
mãos dados.
Quanto mais educado a pessoa é, mais dinheiro vai ganhar. A conta sempre
fecha quando você tem pessoas altamente qualificadas. Então a perda é grande
por deixar eles irem embora. Pega todo o dinheiro investido e manda embora para
outro país. Tem alguma coisa errada nesse cálculo!
Agência Brasil: Em qual área de estudo está a maior aposta para a cura
definitiva do câncer?
Ciechanoven: A resposta está em todos os
lugares. Houve um tempo em que se acreditou que a resposta era o genoma. ‘Se
conhecermos o genoma, saberemos tudo’. Com certeza sabemos muito pouco sobre o
genoma humano. Então nós precisamos sequenciar o genoma e depois disso vamos
para a sequenciamento das proteínas, aí precisamos entender todos os processos
postranslacionais [interações químicas que afetam as moléculas de proteína],
como a oxidação, a fosforilação. E então precisamos entender as pequenas
moléculas, os açúcares, os lipídios, os aminoácidos. No fim, teremos todo o
perfil.
É tudo sobre “omas”. Proteoma, genoma, metaboloma, trascriptoma. Só
então teremos o perfil completo do paciente, o que vai dar a informação
necessária para diagnosticar a origem de cada doença e tratá-la com um remédio
específico para aquela pessoa.
Por Maiana Diniz, da Agência
Brasil
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