Na busca pela melhor compreensão do comportamento humano, a ciência
comportamental oferece uma nova perspectiva sobre como funciona a tomada de
decisão dos indivíduos. O campo científico surgiu na década de 1970, mas agora
um dos setores que têm absorvido seus princípios e técnicas é o de políticas
públicas. Já são vários os exemplos, principalmente no exterior e, mais
recentemente, no Brasil.
“As ciências comportamentais derivam da própria psicologia. É entender
como a cabeça das pessoas funciona para pensar, por exemplo, em políticas
públicas, essa é uma das aplicações e a principal, é a que interessa mesmo”,
explica a psicóloga Vera Rita de Mello Ferreira, professora e doutora em
Psicologia Econômica.
“A grande novidade é quando as ciências comportamentais se posicionam a
favor do cidadão, trazendo contribuições em diferentes ramos para ajudar as
pessoas a tomarem melhores decisões para elas mesmas”, acrescenta
No Brasil, ciência comportamental foi usada no desenho e na
implementação do programa de educação financeira dentro do Bolsa Família, que
atende famílias de baixa renda. A ideia principal é como estimular as mulheres,
que recebem o benefício, a poupar, pagar dívidas e planejar o orçamento
familiar.
“A partir dessa abordagem, de entender o comportamento e a tomada de
decisão financeira das famílias, nós passamos a desenhar soluções que pudessem
alterar aqueles comportamentos”, diz a diretora do Departamento de Benefícios
do Bolsa Família do Ministério do Desenvolvimento Social, Caroline Paranayba.
As soluações, chamadas de tecnologias sociais, foram elaboradas em
conjunto com as beneficiárias. “Chegamos a um conjunto de soluções que não
foram desenvolvidas para elas, mas com elas, que é a premissa dessa abordagem:
construir a solução com quem está envolvido no problema”.
Para o desenvolvimento, foram feitas oficinas e imersão dos
profissionais envolvidos, que chegaram a conviver diariamente na casa das
beneficiárias para entender a rotina. “Precisamos nos envolver para entender o
conceito de escassez na prática”, disse a diretora.
O resultado foi a elaboração de três passos: o primeiro, uma agenda de
controle financeiro. “Vimos que muitas tinham dificuldade de letramento e
utilizamos figuras em adesivos para identificar o gasto do mês, assim elas
tomaram consciência de valores”, explicou.
A segunda foi uma carteira para controlarem o dinheiro que entra e onde
era gasto. A terceira solução foram três cofrinhos: cada um deverá ser usado em
uma situação. “Eles têm uma abordagem diferente, onde podem separar o dinheiro
para as emergências, outro para o dia a dia, e o terceiro que é o cofre dos
sonhos, para um objetivo maior”, detalhou Caroline.
Segundo a superintendente da Associação de Educação Financeira do
Brasil, Cláudia Forte, as avaliações já apontam para uma mudança de
comportamento entre as beneficiárias. De acordo com a superintendente, 34% da
amostragem analisada já começou a resolver as pendências com recursos próprios
e 39% no número de famílias conseguiram poupar.
Baixo custo
A consultora da Associação Travessia - organização sem fins lucrativos
que ajudou na elaboração do programa - Marina Cançado, destaca que a aplicação
das técnicas envolvendo a ciência comportamental não depende de altos
investimentos em tecnologia ou estrutura.
“As intervenções da ciência comportamental tem custo baixíssimo, muitas
vezes é mudar um formulário, ou como no Bolsa Família, foi distribuir para as
beneficiárias formas de organizarem o dinheiro. Muito das ciências
comportamentais está nos detalhes que são negligenciados”.
Nos Estados Unidos e no Reino Unido, a ciência também tem sido usada por
instituições e governos na construção de políticas e programas sociais mais
eficientes. Marina Cançado cita um exemplo do governo inglês na área de
educação e arrecadação de impostos. “Fizeram mais de 400 projetos nas políticas
públicas com a utilização dos ensaios comportamentais, desde aumentar a
presença de pais nas reuniões de escolas públicas até aumentar a arrecadação de
impostos de pessoas que não estavam pagando”.
Ética
Sobre se a ciência comportamental em políticas poderia influenciar as
decisões de um indíviduo, a consultora não acredita que as técnicas restrinjam
a liberdade de escolha. “Poderia ser encarada como manipulação, ou com o
governo querendo que as pessoas se comportem de determinada forma, mas eu não
concordo, porque um dos princípios da ciência comportamental é sempre preservar
a liberdade de escolha do indivíduo, então em nenhum momento você está
obrigando ninguém a fazer nada, você só está criando um contexto para
facilitar”, defende.
Especialistas e interessados na área se reuniram na última semana em São
Paulo para debater o tema, com o objetivo de trazer a discussão para o contexto
brasileiro principalmente em relação às políticas públicas e programas sociais.
Um dos principais especialistas em estudos da economia comportamental no
mundo e professor de psicologia da Universidade de Duke, nos Estados Unidos,
Dan Ariely, participou do evento e disse que a discussão ética envolvendo
o uso das ciências comportamentais precisa levar em conta o alto custo das más
escolhas dos cidadãos e os reflexos na sociedade. “Quanto mais tempo eu estudo
mais acho que temos que ser paternalistas, pois o mundo que está aí é complexo.
Quanto mais avançamos em todas as áreas da vida, mais as decisões se tornam difíceis
e as pessoas não sabem qual o ponto certo a escolher. Precisamos analisar o
custo-benefício das más escolhas”.
O especialista ainda aconselha a quem quer mudar comportamentos pessoais
e no trabalho ficar atento aos detalhes. “É se debruçar sobre os detalhes,
sobre o comportamento que se espera.Ver quais são os obstáculos e como
eliminá-los”.
Em 2015, a a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público
Federal do Poder Executivo (Funpresp) decidiu mudar o formato do formulário da
previdência complementar que é entregue ao funcionário público no primeiro dia
de trabalho para identificar se ele quer ou não participar do plano.
No documento, a opção “Sim, eu quero aderir ao plano” passou a ser
marcada automaticamente, com o objetivo de aumentar a adesão. Desde então, caso
não queira aderir ao plano, o funcionário tem 90 dias para desistir. A
iniciativa, baseada em uma prática aplicada nos Estados Unidos, fez subir de
40% para 82% a fatia de participantes ao plano.
“Em nenhum momento a liberdade [de escolha] é suprimida, porque a pessoa
pode deixar de fazer, não tem nada compulsório”, disse a psicológa Vera Rita. A
especialista diz ainda que não existe nenhum perigo na adoção da ciência
comportamental na coletividade, pois está a favor da população. “É sempre uma
indução leve e caso você queira revelar tudo que está sendo feito para o
tomador de decisão, isso não diminui a eficácia. O que eu defendo também é
colocar o público-alvo para pensar junto, antes de formular [iniciativas]”.
Incentivo do Banco Mundial
De acordo com o Relatório do Desenvolvimento Mundial 2015: Mente,
Sociedade e Comportamento, do Banco Mundial, diversos fatores comportamentais e
sociais podem afetar o êxito de uma política. “A prática de desenvolvimento
exige um processo interativo de descoberta e aprendizagem, que implica a
distribuição do tempo, dinheiro e conhecimento técnico ao longo de vários
ciclos de projeto, implementação e avaliação”.
Segundo o relatório, uma visão mais profunda do comportamento humano
pode contribuir para o alcance dos objetivos de desenvolvimento em muitas
áreas, como desenvolvimento na primeira infância, finanças domésticas,
produtividade, saúde e mudança climática.
Por Ludmilla Souza – Repórter da Agência Brasil
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