A Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e
Idosos do Rio de Janeiro pretende organizar uma exposição itinerante com
imagens sagradas de religiões de matriz africana que foram apreendidas pela
Polícia Cívil em terreiros e encruzilhadas no início do século passado.
O projeto depende de autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan), que será consultado para saber se as peças estão em
condições para serem expostas. O Museu Nacional, vinculado à Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), já demonstrou interesse em receber a
exposição. Atualmente o acervo está no Museu da Polícia Civil, localizado na
região central da capital fluminense.
O secretário estadual de Direitos
Humanos, Átila Nunes, disse que combinou com o chefe da Polícia Civil, Carlos
Augusto Leba, que a exposição itinerante será feita em conjunto pelas duas
entidades. O Museu da Polícia Civil atualmente está passando por reforma e está
fechado ao público.
Recolhidas como crime
As
imagens sagradas de religiões de matriz africana que fazem parte do acervo do
Museu da Polícia Civil, que tem algumas peças centenárias, foram recolhidas
pela polícia por serem consideradas provas de crimes segundo o Código Penal de
1890. O acervo foi tombado em 1938 pelo antigo Serviço do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (Sphan), hoje Iphan, como Coleção de Magia Negra.
O
secretário de Direitos Humanos disse que a dinâmica, naquela época, associava
os cultos africanos à magia negra. “Demonstrava todo preconceito religioso que
havia na época. A religião católica era predominante e, infelizmente, foi um
período em que acabaram associando as práticas religiosas de matriz africana
com prática de magia negra”.
Resgate
Após
serem apreendidas, as imagens ficaram com a Polícia Civil. Nunes quer resgatar
essa história, que marca a trajetória de dificuldades que as religiões da
umbanda e candomblé passaram até serem reconhecidas oficialmente na atualidade.
“A ideia é que a gente possa levar essas imagens sagradas para diversas
localidades do estado, para que as pessoas interessadas possam visitar e conhecer
toda a história que tem por trás delas”, disse.
Nunes
explicou que existia uma política de Estado “equivocada” no início do século
passado que entendia como práticas proibidas as religiões de matriz africana,
como umbanda e candomblé. “[Essas religiões] foram as que mais sofreram dentro
dessa perseguição religiosa na época e a Polícia Civil é que acabava fazendo as
operações na prática, não só prendendo os dirigentes, mas também apreendendo as
imagens sagradas desses terreiros”.
O
secretário diz que além do valor religioso que essas imagens têm, elas são uma
demonstração da cultura brasileira, que passou por uma transição. O Iphan será
consultado para saber as condições das peças e se elas poderão ser expostas em
diferentes museus e equipamentos culturais. O secretário disse que soliciou uma
reunião com o instituto para fazer a proposta de exposição itinerante e tem um
encontro marcado com o delegado responsável pelo Museu da Polícia Civil para
verificar o estado de conservação das peças.
Nunes
disse que o que vai determinar a data da primeira exposição das imagens
sagradas africanas apreendidas é a autorização do Iphan. Se autorizada, ele
pretende promover a primeira mostra ainda este ano.
Museu da Polícia Civil
A
Polícia Civil informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o museu da
instituição está passando por reformas e todas as peças estão “acondicionadas”,
por isso não há como fotografar as obras que integram o acervo. A assessoria
esclareceu que “em breve, estando pronta a restauração”, será possível atender
a imprensa sobre o assunto.
O
diretor do museu, delegado Cyro Advincula, comunicou que, em razão da reforma,
também não pode ser quantificado o total de peças. Isso será possível somente
após a reinauguração do museu, que ele prevê que deve ocorrer ainda este ano.
Campanha
Um
grupo de mães de santo, militantes do movimento negro, intelectuais e políticos
lançaram, em junho deste ano, a campanha Libertem Nosso Sagrado para que as
peças saiam do Museu da Polícia Civil, que teve a adesão da Comissão de
Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Para
Maria do Nascimento, conhecida como Mãe Meninazinha de Oxum, do terreiro Ilê
Omaru Oxum, de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, as imagens religiosas
“têm uma importância muito grande”.
“O
coletivo do povo do candomblé e da umbanda, das religiões afro, luta para que
as peças saiam do Museu da Polícia Civil e sejam transferidas para outro lugar,
justamente para que as pessoas possam conhecer a história dessas peças e a
maneira como elas foram levadas para o museu da polícia”, disse.
De
acordo com informações que Mãe Meninazinha de Oxum recebeu, o acervo seria
composto por cerca de 200 peças, entre imagens religiosas, instrumentos
musicais e outros objetos. “Todas usadas nos rituais”. Ela considera uma boa
opção que as imagens sagradas sejam expostas no Museu Nacional.
Polêmica
O
interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, babalaô Ivanir
dos Santos, se mostrou contrário à realização de uma exposição itinerante com
as imagens. Ele disse que elas devem ser retiradas do Museu da Polícia Civil e
colocadas em um lugar próprio onde possam ser preservadas.
“Elas
devem estar em um lugar apropriado. Elas não são obras de arte; são objetos
sagrados. Sair com esses objetos em romaria itinerante, eu não acho correto.
Não é para ser exposto de forma vulgar. Tem que dar a atenção devida a esses
objetos”.
Ivanir
dos Santos sugeriu que seja criado um museu religioso afro-brasileiro, onde as
pessoas possam conhecer um pouco da história da repressão a esses movimentos.
Para ele, criar uma exposição itinerante é criar um “espetáculo desnecessário”.
A Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos
do Rio de Janeiro não comentou as colocações do babalaô Ivanir dos Santos.
Por Alana Gandra, da Agência Brasil
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