Com o contingenciamento de verbas, o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) passa por dificuldades para
cumprir os compromissos até o final do ano. A autarquia, que financia estudos e
pesquisas de milhares bolsistas brasileiros, tem recursos suficientes para
pagar as bolsas apenas até este mês - pagamento feito no início de setembro.
"O nosso orçamento para 2017 aprovado pelo Congresso e mais o Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico previstos para este ano
estavam suficientes para que tocássemos 2017 com tranquilidade", diz o
presidente do CNPq, Mario Neto Borges. No total, o Orçamento previa R$ 1,3
bilhão e o fundo, R$ 400 milhões à autarquia - 44% desses valores foram
contingenciados. Do fundo, o CNPq recebeu menos do que 56%: até o momento o
valor pago foi R$ 62 milhões.
"Estamos otimistas que o ministro [da Ciência, Tecnologia,
Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab] vai convencer a área econômica da
necessidade desses recursos", acrescenta o presidente. O CNPq precisa de
R$ 505 milhões para fechar as contas.
A questão foi assunto hoje (3) na reunião do Conselho Nacional de
Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação
(Consecti). Os secretários estaduais presentes manifestaram preocupação com o
CNPq. Kassab, que esteve presente no início do encontro, diz que está otimista.
"Vamos conseguir sensibilizar a equipe econômica e o presidente [Michel Temer]
mostrando o quanto precisa ser diferenciada a nossa área, para que possa
continuar na perspectiva de desenvolver os trabalhos".
Também presente na reunião, o secretário executivo do ministério, Elton
Zacarias, disse que a notícia de que os bolsistas não vão receber não é
verdadeira. “Todos vão receber normalmente [este mês]. Enquanto isso, estamos
negociando com o governo para ver se temos alguma válvula de escape", diz.
"Vamos tentar recompor o orçamento como um todo". Além da autarquia,
as demais linhas orçamentárias do ministério tiveram cortes de 42% a 44%.
Ontem, Kassab e Zacarias reuniram-se com Borges e com o diretor de
gestão da entidade, Carlos Roberto Fortner, para discutir os recursos para o
pagamento de bolsas de pesquisa no país.
Repercussões
A situação do ministério fez com que a Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) enviassem
um ofício à pasta, nessa segunda-feira (31), pedindo “máximo empenho” junto à
Presidência da República e ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e
Gestão para a liberação de recursos. “A falta de verba põe em risco o pagamento
de bolsas, projetos e programas importantes, como o dos Institutos Nacionais de
Ciência e Tecnologia".
Os recursos destinados a bolsas pagas pelo CNPq no país mantiveram-se
basicamente constantes até o ano passado. Em 2014, R$ 1,3 bilhão chegou a ser
gasto com bolsas no país, valor repetido em 2015 e 2016. Em 2017, até o
momento, foram gastos R$ 471,9 milhões. Caso o valor repita-se no segundo
semestre, o investimento somará cerca de R$ 940 milhões, inferior aos outros
anos.
Já o auxílio à pesquisa caiu de R$ 631,6 milhões em 2014 para R$ 2
milhões em 2016. Os recursos para bolsas no exterior passaram de R$ 808,1
milhões em 2014 para R$ 13,6 milhões em 2016, de acordo com dados disponíveis
no portal do CNPq.
A pós-graduação concentra o maior número de bolsas, também segundo os
dados disponíveis no portal. Atualmente são 110,8 mil bolsas de doutorado, 68,8
mil de mestrado, 51,6 mil de iniciação científica, 120,3 mil de produtividade
em pesquisa e 120,3 mil em outras atividades. As bolsas de doutorado são de R$
2,2 mil por mês, as de mestrado, de R$ 1,5 mil, e as de iniciação científica,
R$ 400. Do total de bolsas, 100 mil fazem parte das cotas que o CNPq transfere
às instituições para esse fim. O restante está incluído em recursos de projetos
específicos.
"Nós vemos a situação com muita preocupação. Não há nenhuma
garantia que vamos ter recursos para essas bolsas. São milhares de pessoas que
estão trabalhando, desenvolvendo a ciência, contribuindo para o país e sem
perspectiva. O que queremos é o mínimo de condições de realizar o nosso
trabalho", disse a presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos,
Tamara Naiz, à Agência Brasil.
Segundo Tamara, as bolsas não são apenas um direito, mas são necessárias
para o desenvolvimento do país. "Cerca de 90% dos projetos de ciência e
tecnologia são desenvolvidos no âmbito da pós-graduação. Quando se corta esses
recursos, corta-se quem produz 90% da pesquisa do país".
Iniciação científica
Na reunião com os secretários estaduais, o ministério garantiu que as
bolsas que estão vigentes seguirão sendo pagas. Neste mês, com o programa do
primeiro semestre fechado, abrem-se inscrições para novos bolsistas de
iniciação científica nas universidades. O programa, segundo os secretários, não
foi aberto para novas inscrições.
A situação gerou insegurança nas universidades. O Comitê do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, divulgou uma nota na qual expressa "indignação com as notícias
veiculadas em relação aos cortes no orçamento do CNPq e à suspensão do
pagamento de bolsas de estudo". Segundo o comitê, o programa de bolsas de
iniciação científica e tecnológica é uma iniciativa única no mundo na formação
de alunos de graduação, preparando gerações de pesquisadores e contribuindo
para a soberania nacional.
"Este programa nunca sofreu descontinuidade mesmo em momentos mais
graves de crise econômica e durante governos de diferentes matizes
ideológicas", diz a nota.
Também em nota, o CNPq diz que se tratou apenas de um problema técnico
de informática, que foi resolvido hoje. "O CNPq esclarece que no final do
mês de julho seus sistemas de TI [tecnologia de informação] passaram por
processo de atualização e algumas funcionalidades ficaram momentaneamente
indisponíveis", diz e acrescenta, que tanto esta indisponibilidade técnica
quanto o recente recadastramento de bolsistas, "não têm qualquer vínculo
com as notícias veiculadas na grande mídia, dando conta de que as bolsas do
CNPq seriam suspensas por contingenciamento orçamentário".
Por
Mariana Tokarnia, da Agência Brasil
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