O Prêmio de Expressões Afro-Brasileiras, concedido desde 2009 sob o
patrocínio da Petrobras, contemplou este ano, na categoria especial de
preservação de bens culturais, o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos,
que abriga o Cemitério dos Pretos Novos. O Pretos Novos integra o Circuito
Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, na zona portuária
do Rio de Janeiro, e do qual faz parte também o Cais do Valongo, espaço que
conquistou este mês o título de Patrimônio Mundial Cultural, concedido pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Com o prêmio, entregue na última segunda-feira (31) em cerimônia no
Teatro Rival Petrobras, o instituto receberá uma verba de R$ 100 mil para a
conservação de seu patrimônio, considerado de valor inestimável e ameaçado pela
falta de recursos. Entre 1772 e 1830, no denominado Cemitério dos Pretos Novos
eram enterrados os escravos que, debilitados pelas horrendas condições das
longas viagens nos navios negreiros, morriam nos primeiros dias de chegada ao
Brasil.
Estima-se que entre 20 mil e 30 mil escravos tenham sido enterrados no
local. Em 1996, o casal Merced e Petruccio Guimarães, novos proprietários do
casarão, resolveram fazer uma reforma no imóvel. Ao escavarem o chão da casa,
descobriram ossadas pertencentes aos negros ali enterrados, quando o local
fazia parte do grande mercado de escravos que constituía essa parte da região
portuária carioca.
Foram encontrados mais de 5 mil fragmentos arqueológicos no local, e os ossos
não cremados encontrados permitiram identificar 28 corpos, a maioria deles de
homens com idade entre 18 e 25 anos. Pontas de lança, argolas, colares, contas
de vidro, artefatos de barro, porcelanas e conchas também fazem parte do
acervo.
Além de local de estudos e pesquisas arqueológicos, o IPN, criado e
dirigido por Merced Guimarães, funciona como centro de informação cultural e
artística, com uma galeria de arte e uma biblioteca, ambas com o nome de Pretos
Novos. Para se manter, a instituição recebia, até o ano passado, um aporte da
prefeitura do Rio, por meio da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região
Portuária (Cdurp), de R$ 85 mil por ano.
“O prêmio foi fantástico para nós, porque ficamos numa situação muito
crítica. No ano passado, inscrevemos nosso projeto no Programa de Fomento às
Artes, da prefeitura. Fomos contemplados, mas ficamos sem receber”, disse
Merced Guimarães. Em 28 de junho último, a prefeitura do Rio informou, durante
reunião com representantes do setor cultural da cidade, que não iria pagar, por
falta de recursos, os R$ 25 milhões devidos às dezenas de projetos contemplados
no programa, lançado em 2016, ainda na administração anterior.
Em nota, a Secretaria Municipal de Cultura informou que o seu projeto de
um museu sobre o negro vai abraçar as iniciativas já existentes na região.
“Reconhecemos o valor do Instituto dos Pretos Novos, que é de extrema
importância para toda essa narrativa da região do Valongo”, diz a nota.
Sobre o Programa de Fomento à Cultura, que em 2013 teve seu auge com
investimento de R$ 33 milhões, a secretaria ressaltou que a cidade e o estado
do Rio de Janeiro vivem um momento de retração econômica. “Objetivamente, não
há, na atual conjuntura, disponibilidade imediata de recursos da ordem de R$ 25
milhões para o pagamento do Programa de Fomento 2016\2017, mas a Secretaria
Municipal de Cultura está debruçada nesse caso a fim de encontrar medidas para
a resolução da questão”, finaliza a nota.
Segundo Merced, o prêmio concedido pela Petrobras permitirá ao IPN executar
aquilo que pretendia fazer com os recursos do programa da prefeitura, que é a
climatização e a remontagem do espaço, agora enriquecido com novas descobertas
e informações reveladas na quarta fase das escavações arqueológicas.
“Continuamos, no entanto, pleiteando recursos para a manutenção do espaço, para
garantir o funcionamento diário. Recebemos, só de janeiro a junho deste ano,
cerca de 6 mil visitantes”, disse a diretora do IPN.
Mesmo enfrentando dificuldades financeiras, os arqueólogos do Museu Nacional
que atuam no instituto realizaram, recentemente, a descoberta sem precedentes
da ossada completa de uma jovem africana de cerca de 20 anos. Batizada de
Bakhita pela equipe chefiada pelo arqueólogo Reinaldo Tavares, a ossada
encontra-se em bom estado de conservação e é considerada única também por ser
de uma mulher, já que a maior parte dos africanos sepultados no local era
formada de homens.
Coordenador do grupo de trabalho encarregado da candidatura do Cais do
Valongo a Patrimônio da Humanidade, o antropólogo Milton Guran considera o
sítio arqueológico que o IPN abriga o testemunho vivo da perversidade da
sociedade escravocrata. “Nós chamamos de cemitério, mas, na verdade, esse local
era um aterro sanitário, em que corpos de seres humanos eram jogados junto com
corpos de animais, cacos de lixo urbano, pedaços de bois e tudo o mais”,
enfatizou Guran, durante a manifestação realizada em abril deste ano na sede do
IPN, em solidariedade à instituição e à sua luta por recursos financeiros que
assegurem a manutenção.
Por Paulo Virgílio, da Agência
Brasil
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