Em todo o país, 15%
dos conselheiros de tribunais de contas respondem a ações penais ou inquéritos
Pelo menos 14
conselheiros de TCEs estão afastados por acusações de irregularidades no Rio de
Janeiro, São Paulo, Amapá, Ceará e Roraima
Eles são
responsáveis por zelar pelo dinheiro público e cobrar austeridade nos gastos da
União, estados e municípios, mas o rigor que deveria ser aplicado aos
governantes nem sempre existe entre os próprios conselheiros dos tribunais de
contas e muitos deles, em diferentes regiões do país, são réus em processos que
correm na Justiça. Levantamento feito pelo GLOBO no Superior Tribunal de
Justiça (STJ) mostra que quatro ministros do Tribunal de Contas da União (TCU)
e 37 conselheiros de tribunais de contas estaduais estão sob o escrutínio de
algum tipo de investigação. O número equivale a 15% dos 240 ocupantes destes
cargos nas 34 cortes existentes no Brasil.
Ao todo, eles
respondem a 22 ações penais e 37 inquéritos em pelo menos 15 estados e no
Distrito Federal. Os cargos de conselheiros dos tribunais de contas são
vitalícios, com salários que pode chegar a R$ 30 mil mensais, e a maior parte
deles é ocupada por meio de indicações políticas. Não faltam casos de processos
por corrupção abertos por flagrantes em pleno exercício do cargo, até com
condenações. IRREGULARIDADES NOS ESTADOS O exdeputado Michel Houat Harb, o
Michel JK, por exemplo, foi investigado por escândalos que vão desde a
contratação de funcionários fantasmas até enriquecimento ilícito pelo
recebimento de diárias de viagens superfaturadas, pagas pela Assembleia
Legislativa do Amapá. Condenado por improbidade administrativa e alvo de ações
por crimes de peculato, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e formação de
quadrilha, Harb tomou posse como conselheiro do TCE do Amapá em maio do ano
passado, amparado por uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo
Tribunal Federal (STF).
Com base no
princípio de presunção de inocência, Lewandowski derrubou decisão do Tribunal
de Justiça do Amapá, que impedia a posse de Harb devido às ações penais em
andamento. Ao assumir o cargo, ele ganhou foro privilegiado e teve as ações
suspensas no TJ do Amapá. Agora, só pode ser julgado pelo STJ. Procurado, o
TCE-AP disse que cumprirá as decisões das cortes superiores.
Outro já
sentenciado é o conselheiro Valci José Ferreira de Souza, que presidiu o TCE do
Espírito Santo entre 2001 e 2007. Em setembro passado, a Corte Especial do STJ
condenou Souza a 10 anos de prisão e pagamento de multa pelos crimes de
peculato 1 1 5 citados por delatores 1 1 1 1 investigado investigado
investigado e denunciado investigado denunciado e lavagem de dinheiro. Ele foi
acusado de receber propina de contratos firmados para construir ginásios
esportivos em municípios do estado, entre 1997 e 2001. A prisão só deve ocorrer
com decisão de segunda instância, no caso, o STF. O TCE-ES não comentou as
acusações contra Valci Ferreira de Souza.
A série de
investigações policiais envolvendo conselheiros é extensa. Há um caso de
fraudes para a construção de banheiros para famílias carentes do Ceará: pivô do
chamado “escândalo dos banheiros fantasmas”, o conselheiro Teodorico José de
Menezes Neto foi afastado, depois de denunciado pelo suposto desvio de R$ 2
milhões em cinco contratos de entidades filantrópicas, entre junho e agosto de
2010. O Ministério Público descobriu que uma assessora do gabinete de Teodorico
presidia uma das entidades conveniadas com o estado para a instalação dos
banheiros. Parte do dinheiro do convênio teria sido doada para a campanha do
exdeputado estadual Teo Menezes, filho do conselheiro. Segundo a investigação,
parte dos banheiros sequer foi construída e outros tinham obras superfaturadas.
Fora do tribunal desde 2012, Teodorico aposentou-se em novembro de 2016,
segundo o TCE-CE, com salário de R$ 30, 4 mil. Ele e o filho negam as
acusações.
Há ainda acusações
de favorecimento de interesses setoriais. O conselheiro Manoel Paulo de Andrade
Neto, o “Manoelzinho dos Táxis", do TCE do Distrito Federal, é réu em ação
penal no STJ, depois de ser condenado em primeira instância por improbidade
administrativa por manipulação de auditoria de táxis em Brasília, em 2015. Dono
de permissão para dirigir táxis no DF, ele não poderia atuar em decisões sobre
o serviço. Contudo, entre 2014 e 2015, o tribunal fez auditoria no setor e o
conselheiro pediu vista dos processos, paralisando ação que apurava
irregularidades nos serviços de táxi no DF. Ele nega ter prejudicado o
andamento do processo ou outras irregularidades.
Em Roraima, Manoel
Dantas Dias trocava decisões e arquivamentos de processos na corte por
nomeações de familiares em cargos comissionados no governo estado. Ele foi denunciado
por peculato ao STJ. Além disso, na condição de presidente do TCE, às vésperas
do Natal de 2009, teria autorizado pagamento de diárias de viagens inexistentes
em benefício próprio, para cobrir saldo negativo em sua conta corrente.
EX-MINISTRO INVESTIGADO Há uma semana, o STJ autorizou abertura de inquérito
contra o exministro das Cidades Mário Negromonte, hoje conselheiro do TCE da
Bahia, com base nas delações da Odebrecht. Ele fazia parte da cúpula do PP,
partido que dividia as propinas da Petrobras. Foi indicado para o TCE num
acordo político com o ex-governador Jacques Wagner, que cedeu uma vaga no TCE
ao PP local.
Dias, de Roraima, e
Negromonte não foram encontrados para comentar o assunto.
Atualmente, pelo
menos 14 conselheiros de TCEs estão afastados por acusações de irregularidades
nos estados do Amapá, Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará e Roraima. No Rio, seis
conselheiros foram indiciados e são investigados na operacão Quinto do Ouro,
acusados de cobrarem propina para fazer vistas grossas na fiscalização de
contratos e obras durante a gestão do exgovernador Sergio Cabral. Em março, o
ex-presidente do TCE-RJ Jonas Lopes de Carvalho fechou acordo de delação
premiada e se afastou do cargo. O filho dele, Jonas Lopes Neto, disse ter
levado pessoalmente dinheiro em espécie a conselheiros. O TCE-RJ não comentou
as investigações.
Em São Paulo, o
conselheiro Robson Marinho teve US$ 2,7 milhões bloqueados pela Justiça suíça
em 2009 e está afastado do cargo desde 2015. Ele é acusado de receber propinas
da francesa Alstom para supostamente beneficiar a companhia em contratos com o
governo de São Paulo. TCU TAMBÉM É ALVO No TCU, quatro dos noves conselheiros
se viram envolvidos nas investigações das operações Lava-Jato e Zelotes —
Raimundo Carreiro, Vital do Rêgo, Augusto Nardes e Aroldo Cedraz.
Por pouco, não
seriam cinco. Em 2014, uma vaga no órgão foi oferecida ao então senador Gim
Argello, que não assumiu por resistência dentro do próprio TCU.
Flagrado na
Lava-Jato, Argello foi condenado a 19 anos de prisão pelo juiz Sergio Moro, por
favorecer empreiteiras durante os trabalhos da CPI da Petrobras, em troca de
propina. Na época, o presidente da CPI era o atual ministro do TCU Vital do
Rêgo Filho, então senador pelo PMDB. Ele é alvo hoje de dois inquéritos que
apuram envolvimento em casos de corrupção, um deles justamente a participação
no esquema que já condenou Argello. O nome do ministro apareceu nas delações
das empreiteiras UTC, Andrade Gutierrez e Odebrecht.
O Ministro Augusto
Nardes é alvo de inquérito que investiga sua participação na venda de decisões
do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf ), vinculado ao Ministério
da Fazenda.
O Ministro Raimundo
Carreiro é investigado com base na delação premiada de Luiz Carlos Martins,
executivo da Camargo Corrêa, que relatou pagamentos ao TCU vinculados às obras
da usina de Angra 3. Ele foi citado também pelo empresário Ricardo Pessoa, da
UTC, mas, neste caso, o inquérito foi arquivado.
Pessoa afirmou em
depoimento à Lava-Jato que obteve informações privilegiadas no TCU sobre seus
contratos com a Petrobras, tendo como intermediário o advogado Tiago Cedraz,
filho de outro ministro do TCU, Aroldo Cedraz. O empresário entregou à
Procuradoria-Geral da República tabela com anotações de pagamentos de R$ 2,2
milhões ao filho do então presidente da Corte.
OUTRO LADO
Os ministros do TCU
se manifestaram por meio de notas. Raimundo Carreiro disse que prestou
esclarecimentos à Polícia Federal e, desde 2015, de forma antecipada, ofereceu
a quebra de seus sigilos. Ressaltou ainda que o delator disse apenas ter
entendido que o dinheiro “era destinado para o Ministro Raimundo Carreiro”,
sem, no entanto, afirmar que ele de fato recebeu propina.
Vital do Rêgo disse
que colabora com as investigações e confia que a Justiça mostrará que ele não
tem relação com os fatos em apuração.
Augusto Nardes
informou que não tem nem nunca teve qualquer envolvimento com o Carf, seja
indicando membros, participando de discussões ou encaminhando solicitações.
Aroldo Cedraz negou
ser investigado no âmbito de processo relacionado à Operação Lava Jato e disse
que está à disposição, como qualquer cidadão, para colaborar com a Justiça,
prestando esclarecimentos, caso necessário.
Denúncias colocam
em xeque modelo de indicações políticas
Congresso analisa
duas propostas para modificar as regras de nomeação de conselheiros; Ministério
Público de Contas quer mais independência
Emenda
Constitucional (PEC 329/2013) que põe fim às indicações políticas estava parada
no Congresso e voltou a ser discutida. Há ainda uma outra PEC (22/2017), da
Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), cujos
representantes são conselheiros, em sua maioria, políticos. A proposta põe fim
à indicação de conselheiros pelo Executivo e reduz de quatro para três as vagas
indicadas pelo Legislativo.
Ainda que haja
diferenças entre as duas propostas, ambas têm o objetivo de reduzir nomeações
de indicados políticos.
— A nossa proposta
altera a composição dos tribunais e cria um Conselho Nacional dos Tribunais de
Contas para fiscalizar os conselheiros. Mas não acaba com as indicações das
assembleias porque entendemos que experiência em gestão e controle parlamentar
são importantes para o cargo — afirma Valdecir Pascoal, presidente da Atricon.
O Ministério
Público de Contas, vinculado aos tribunais, também quer independência.
— Há uma tal
frouxidão que se revelou nefasta para os órgãos de controle. A missão deles é
um julgamento técnico. Não tem sentido ser um espaço para disputas políticas. A
nossa visão é que o órgão tem que ser técnico, de modo que os conselheiros
sejam nomeados por seus pares, que são concursados no Ministério Público de
Contas — afirma Júlio Marcelo de Oliveira, presidente da Associação Nacional do
Ministério Público de Contas (Ampcon).
Pelo menos três
tribunais procurados pelo GLOBO não se manifestaram sobre a tramitação das
PECs, mas teceram comentários sobre questionamentos a respeito dos indicados
políticos.
O TCE do Rio disse
que é “favorável à abertura de canais de debate a respeito do modelo de
composição e de atuação que possa contribuir para o aperfeiçoamento e
aprimoramento do sistema de controle das finanças públicas”.
O TCE do Espírito
Santo se manifestou a favor das indicações políticas, embora tenha ponderado
que a não exigência de requisitos como “notório saber” e “reputação ilibada”
tem se mostrado um desacerto.
O tribunal de Santa
Catarina é favorável à PEC 22/2017, que aumenta o número de conselheiros
técnicos, mas garante a continuidade da participação do parlamento.
Os outros tribunais
preferiram não comentar o assunto. Gastos com combustível, alimentação, viagens
e limpeza chegaram a R$ 235,5 milhões.
Por Cleide Carvalho e Gustavo Schmitt, em O Globo
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