Semanas favoráveis, semanas
negativas, semanas no muro, tempo vai se passando, as ruínas do velho sistema
político partidário se acumulam
Sempre que ligo a tevê no noticiário político, o
PSDB está deixando o governo ou decidindo ficar com ele. O partido não conhece
aquela teoria da dissonância cognitiva. Ela afirma que, uma vez feita uma
escolha, a tendência é reforçá-la com racionalizações. Se escolhemos rosas
brancas no lugar das amarelas, tendemos a ressaltar a beleza das brancas e a
enfatizar os defeitos das amarelas. O PSDB ou está saindo ou ficando. Se decide
ficar, faz precisamente o contrário do que acontece na dissonância cognitiva:
começa a refletir sobre as vantagens de sair. No momento em que toma a decisão
do desembarque, certamente vai falar muito das vantagens de ficar no governo.
Enfim, parece ter uma permanente incapacidade de tomar decisões e seguir com
elas.
O drama do PSDB se acentuou com as denúncias contra
Aécio Neves. Sua tendência quase genética a subir no muro torna-se mais
compulsiva no momento em que tem de escolher entre a Lava Jato e o sistema
político em colapso.
O interessante é observar como a existência das
investigações mexe com a sorte dos partidos. O PT, por exemplo, torce para que
Aécio Neves não seja preso, pois isso destruiria o argumento de que o partido
é, seletivamente, perseguido. A prisão de Aécio pode tornar mais fácil a de
Lula. Ambos olham com esperança para Temer, não porque o admirem e sim porque é
o único com instrumentos potencialmente capazes de salvar todo mundo.
Escolha de Procurador Geral, mudanças na direção da
PF — o sonho de consumo das estruturas partidárias cai nas mãos de Temer, por
sua vez, preocupado com sua própria situação, sobretudo com o avanço das
delações premiadas.
Janot deixa o cargo em setembro. Fala-se em corrida
de delações. Ao mesmo tempo, fala-se num acordo para fixar a diferença entre
receber dinheiro pelo caixa 2 sem oferecer nada em troca, ou receber em troca
de favores oficiais. Quando setembro chegar, talvez termine o primeiro ato. O
PSDB vai hesitar muitas vezes, os adversários políticos continuarão fingindo
que não estão umbilicalmente ligados no barco que naufraga.
As raposas políticas trabalham para que Temer
escolha um substituto amigo para Janot. É preciso ver como isto vai se passar
na instituição, se ela se rende com sem luta, ou resiste ao lado da sociedade.
Diz a imprensa que a candidata Raquel Dodge tem apoio de Sarney, Renan e
Moreira Franco. Se a eleição dependesse do voto popular, esse apoio seria um
abraço mortal.
Tudo é possível num país como o nosso. Surreal mas
não o bastante para apagar de nossa consciência o gigantesco processo de
corrupção que arruinou o país.
Terça-feira acordei em Curitiba e olhei pela janela
do hotel: manhã fria, cinzenta e chuvosa. Pensei nos presos que estão por aqui.
O inverno será duro para eles. E, certamente, alguns outros virão para cá.
Mas ainda assim, creio que uma fase esteja
acabando. Ela não resolve nada sozinha. Mas abre a possibilidade do país
enterrar o sistema politico partidário, buscar algo novo, ainda que
questionável, como fizeram os franceses, por exemplo.
O esforço de Sarney, Renan, Moreira e outras
raposas do PMDB para deter o curso das mudanças é patético.
Pessoalmente não acredito que uma procuradora de
alto nível iria se prestar ao papel histórico de se tornar cúmplice da
quadrilha que mantém o país oficial na lata do lixo.
Quando setembro chegar, com o ritmo intenso dos
acontecimentos, o perigo de um retrocesso talvez já não esteja no ar. Qualquer
substituto, minimamente decente, terá de concluir o trabalho já feito. Muitos
fatos ainda devem ser desvendados. Algumas delações devem ajudar. Não creio que
a de Eduardo Cunha possa ser uma delas. Cada vez que se fala em sua provável
delação, é possível que ele enriqueça mais, vendendo o silêncio, inclusive para
inocentes.
Mas a carta de Cunha revela uma reunião entre ele,
Lula e Joesley que o dono da Friboi não mencionou sua delação premiada. Isso
reforça a suspeita de que Joesley esteja escondendo jogo.
Semanas favoráveis, semanas negativas, semanas no
muro, tempo vai se passando, as ruínas do velho sistema político partidário se
acumulam. No entanto, o debate sobre a renovação ainda não ocupa o espaço
merecido.
Com os dados que temos, é possível que as
instituições que sobrevivem realizando seu trabalho e a sociedade que as apoia
saiam vitoriosas dessa luta.
De nada adiantará essa vitória se não houver uma
alternativa de mudança. Nem todos os bandidos serão presos e a força da inércia
pode trazê-los de novo ao topo da cadeia alimentar. Eles comem, anualmente,
cerca de dois por cento do PIB.
Por que mantê-los, sobretudo agora que estão se
desintegrando? O preço do silêncio e da indiferença pode nos levar a perder uma
nova chance de tirar o Brasil do buraco.
Fernando Gabeira, em O Globo
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O livro com a peça teatral Irena Sendler, minha Irena:
A história registra as ações de um grande herói, o espião e membro do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, Oskar Schindler, que salvou cerca de 1.200 judeus durante o genocídio perpetrado pelos nazistas. O industrial alemão empregava os judeus em suas fábricas de esmaltes e munições, localizadas na Polónia e na, então, Tchecoslováquia.
Irena Sendler, utilizando-se, tão somente, de sua posição profissional – assistente social do Departamento de Bem-estar Social de Varsóvia – e se valendo de muita coragem, criatividade e altruísmo, conseguiu salvar mais de 2.500 crianças judias.
"O Anjo do Gueto de Varsóvia", como ficou conhecida Irena Sendlerowa, conseguiu salvar milhares de vidas ao convencer famílias cristãs polonesas a esconder, abrigando em seus lares, os pequeninos cujo pecado capital – sob a ótica do führer – consistia em serem filhos de pais judeus.
Período: 2ª Guerra Mundial, Polônia ocupada pela Alemanha nazista. A ideologia de extrema-direita que sistematizou o racismo científico e levou o antissemitismo ao extremo com a Solução Final, implementava a eliminação dos judeus do continente europeu.
A guerra desencadeada pelos nazistas – a maior deflagração do planeta – mobilizou 100 milhões de militares, provocando a maior carnificina já experimentada pela humanidade, entre 50 e 70 milhões de mortes, incluindo a barbárie absoluta, o Holocausto, o genocídio, o assassinato em massa de 6 milhões de judeus.
Este é o contexto que inspirou o autor a escrever a peça teatral “Irena Sendler, minha Irena”.
Para dar sustentação à trama dramática, Antônio Carlos mergulhou fundo na pesquisa histórica, promovendo a vasta investigação que conferiu à peça um realismo que inquieta, suscitando reflexões sobre as razões que levam o homem a entranhar tão exageradamente no infesto, no sinistro, no maléfico. Por outro lado, como se desanuviando o anverso da mesma moeda, destaca personagens da vida real como Irena Sendler, seres que, mesmo diante das adversidades, da brutalidade mais atroz, invariavelmente optam pelo altruísmo, pela caridade, pela luz.
É quando o autor interage a realidade à ficção que desponta o rico e insólito universo com personagens intensos – de complexa construção psicológica - maquinações ardilosas, intrigas e conspirações maquiavélicas, complôs e subterfúgios delineados para brindar o leitor – não com a catarse, o êxtase, o enlevo – e sim com a reflexão crítica e a oxigenação do pensamento.
Dividida em oito atos, a peça traz à tona o processo de desumanização construído pelas diferentes correntes políticas. Sob o regime nazista, Irena Sandler foi presa e torturada – só não executada porque conseguiu fugir. O término da guerra, em 1945, que deveria levar à liberdade, lancinou o “Anjo do Gueto” com novas violências, novas intolerâncias, novas repressões. Um novo autoritarismo dominava a Polônia e o leste Europeu. Tão obscuro e cruel quanto o de Hitler, Heydrich, Goebbels, Hess e Menguele, surgia o sistema que prometia a sociedade igualitária, sem classes sociais, assentada na propriedade comum dos meios de produção. Como a fascista, a ditadura comunista, também, planejava erigir o novo homem, o novo mundo. Além de continuar perseguindo Irena, apagou-a dos livros e da historiografia oficial, situação que só cessaria com o debacle do império vermelho e a ascensão da democracia, na Polônia, em 1989.
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