Apertem os cintos: a isso o que chamam estabilidade
nós chamamos turbulência
FANTASMA À ESPREITA - Rocha Loures (atrás de Temer): o “homem da mala” pode virar delator (Dida Sampaio/Estadão Conteúdo) |
O Brasil não é para principiantes. Tantas vezes ouvimos essa frase que
se tornou lugar-comum. A fase de combate à corrupção iniciada há três anos pela
Lava Jato pode levar-nos a conclusões maniqueístas, do tipo bem contra o mal,
republicanos contra patrimonialistas.
Olhando de perto, a frente que se coloca contra o trabalho da Lava Jato
é muito mais ampla do que o grupo dos grandes partidos que articulam para
destruí-la, no governo e no Congresso.
Líder entre os juízes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que
absolveram a chapa Dilma-Temer, apesar das provas, Gilmar Mendes fixou-se num
argumento importante: o da estabilidade. Quem a rejeita, num país com 14
milhões de desempregados? O argumento de estabilidade deveria sempre estar
sobre a mesa.
No entanto, conforme mostrou Bolívar Lamounier, em intervenção recente,
um julgamento visto por todo o País no qual se enterram as provas é um fator de
instabilidade. Cava um novo fosso entre a sociedade e as instituições,
revelando uma Justiça Eleitoral, pouco conhecida até então, como um artefato de
outra galáxia.
Em outra posição dentro da grande frente adversária estão os
responsáveis, jornalistas próximos ao Planalto e o próprio PSDB, que saltou
para a enganadora maciez dos cargos no governo.
Interessante classificar os que pedem a queda de Temer como
irresponsáveis. Já que estamos usando a palavra, é bom lembrar que não somos
presidentes nem recebemos um empresário investigado à noite, sem anotação na
agenda, usando senhas no portão de entrada.
Não nos parece responsável um presidente que mantém aquele tipo de
diálogo, tarde da noite, com o dono da Friboi. Tampouco parece responsável
designar como interlocutor do empresário Joesley Batista um assessor especial
que, horas depois, é filmado carregando a mala com R$ 500 mil.
Para ficar no universo mínimo de uma só palavra, a irresponsabilidade
decisiva foi de Temer. Supor que três anos depois da Lava Jato não só tudo
terminaria em pizza, como o dinheiro da propina seria pago diretamente na
Pizzaria Camelo.
Foi Temer sozinho que arruinou suas chances de conduzir as reformas e
jogou para fora da pinguela uma grande parte da sociedade, já constrangida com
ela, mas vendo-a como a única saída momentânea. A maioria tem o direito de
rejeitar um presidente que se envolve em práticas tão sospechosas.
De achar que ele deva ser investigado, mas que os dados já expostos o
desqualificam para o cargo.
Neste instante, a pergunta dos que defendem a instabilidade: se Temer
cair, não pode ser pior, o caos não tomaria conta? A hipótese das diretas é bom
tema para uma pajelança, mas não é uma proposta viável, na medida em que sua
aprovação depende do Congresso.
Não tenho ilusões sobre um presidente eleito pelo atual Parlamento.
Também ele seria escolhido com base numa promessa de neutralizar a Lava Jato.
Independentemente de seu perfil, ele terá, de alguma forma, de comandar a
frente contra as investigações.
Lula cumpriu o seu papel, a cúpula do PMDB e o presidente do PSDB também
o cumpriram. Nesse particular, até o momento foram derrotados.
Temer está em guerra aberta contra a Lava Jato. Usa a mesma tática de
Lula contra Moro. Agora o general a abater nas hostes adversárias é o ministro
Edson Fachin. Esta semana surgiu a notícia de que Temer teria usado a Abin para
investigar a vida de Fachin, descobrindo seus pontos fracos. Atribui-se a
notícia a um assessor de Temer. Se isso foi mesmo assim, fico em dúvida se ele
queria atingir seu chefe ou deixar no ar uma suspeita sobre Fachin.
Na Câmara, um dos veteranos da batalha Eduardo Cunha, o deputado José
Carlos Marin, tornou-se vice-líder do governo. E disse que é perfeitamente
legal a Abin investigar um ministro do STF.
Marin e outros veteranos da batalha de Cunha articulam uma CPI da JBS e
o objetivo principal é levar Fachin para depor. Fachin é o Moro de Temer, até
que Temer caia do governo nos braços do próprio Moro.
Estranha estabilidade a que nos oferecem os defensores da presença de
Temer. Nos tribunais as provas não valem. Durante as investigações também pouco
importam: em vez de se defenderem, os acusados passam a atacar os
investigadores.
A máquina do Estado volta-se agora contra as instituições que realmente
estão trabalhando com seriedade, desvelando o esquema continental de corrupção.
Temer assumiu a mesma tática de Lula. E sem nenhuma combinação prévia se
prepara para gastar dinheiro com um pacote de bondades que o tire do isolamento
de hoje. Nem os próprios defensores da estabilidade econômica pensavam num
desdobramento como esse.
Quando se desenha uma estabilidade com um presidente na corda bamba, as
pretensões, mesmo legítimas, vão esbarrar a cada instante na sua própria
negação. Ao invés do termo estabilidade, para conservar o que já existe,
prefiro uma expressão para mudar o que está aí: equilíbrio dinâmico.
Se Temer incorreu em crime, ele precisa sair. Um novo presidente, eleito
pelo Congresso, fará parte do mesmo bloco contrário ao da sociedade que apoia a
Lava Jato. Mas como seria o último a tentar a batalha final, talvez tivesse
algum cuidado – nessa guerra já caíram alguns dos principais expoentes da
política brasileira. Num ano eleitoral existe uma chance de a sociedade
controlar um pouco mais o Parlamento e o presidente escolhido por ele.
Não é um futuro dos sonhos. É um caminho difícil no rumo das mudanças,
mas é o que a Constituição nos oferece. Teremos muito ainda que suportar. Mas
será um fardo menor que enterro de provas nos tribunais e guerra contra
investigações que podem destruir o gigantesco esquema de corrupção.
Por enquanto, vamos assistir à guerra de Temer contra a Lava Jato.
Apertem, pois, os cintos: o que chamam de estabilidade nós chamamos de
turbulência.
Fernando Gabeira,
no Estadão
______________
O livro com a peça teatral Irena Sendler, minha Irena:
A história registra as ações de um grande herói, o espião e membro do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, Oskar Schindler, que salvou cerca de 1.200 judeus durante o genocídio perpetrado pelos nazistas. O industrial alemão empregava os judeus em suas fábricas de esmaltes e munições, localizadas na Polónia e na, então, Tchecoslováquia.
Irena Sendler, utilizando-se, tão somente, de sua posição profissional – assistente social do Departamento de Bem-estar Social de Varsóvia – e se valendo de muita coragem, criatividade e altruísmo, conseguiu salvar mais de 2.500 crianças judias.
"O Anjo do Gueto de Varsóvia", como ficou conhecida Irena Sendlerowa, conseguiu salvar milhares de vidas ao convencer famílias cristãs polonesas a esconder, abrigando em seus lares, os pequeninos cujo pecado capital – sob a ótica do führer – consistia em serem filhos de pais judeus.
Período: 2ª Guerra Mundial, Polônia ocupada pela Alemanha nazista. A ideologia de extrema-direita que sistematizou o racismo científico e levou o antissemitismo ao extremo com a Solução Final, implementava a eliminação dos judeus do continente europeu.
A guerra desencadeada pelos nazistas – a maior deflagração do planeta – mobilizou 100 milhões de militares, provocando a maior carnificina já experimentada pela humanidade, entre 50 e 70 milhões de mortes, incluindo a barbárie absoluta, o Holocausto, o genocídio, o assassinato em massa de 6 milhões de judeus.
Este é o contexto que inspirou o autor a escrever a peça teatral “Irena Sendler, minha Irena”.
Para dar sustentação à trama dramática, Antônio Carlos mergulhou fundo na pesquisa histórica, promovendo a vasta investigação que conferiu à peça um realismo que inquieta, suscitando reflexões sobre as razões que levam o homem a entranhar tão exageradamente no infesto, no sinistro, no maléfico. Por outro lado, como se desanuviando o anverso da mesma moeda, destaca personagens da vida real como Irena Sendler, seres que, mesmo diante das adversidades, da brutalidade mais atroz, invariavelmente optam pelo altruísmo, pela caridade, pela luz.
É quando o autor interage a realidade à ficção que desponta o rico e insólito universo com personagens intensos – de complexa construção psicológica - maquinações ardilosas, intrigas e conspirações maquiavélicas, complôs e subterfúgios delineados para brindar o leitor – não com a catarse, o êxtase, o enlevo – e sim com a reflexão crítica e a oxigenação do pensamento.
Dividida em oito atos, a peça traz à tona o processo de desumanização construído pelas diferentes correntes políticas. Sob o regime nazista, Irena Sandler foi presa e torturada – só não executada porque conseguiu fugir. O término da guerra, em 1945, que deveria levar à liberdade, lancinou o “Anjo do Gueto” com novas violências, novas intolerâncias, novas repressões. Um novo autoritarismo dominava a Polônia e o leste Europeu. Tão obscuro e cruel quanto o de Hitler, Heydrich, Goebbels, Hess e Menguele, surgia o sistema que prometia a sociedade igualitária, sem classes sociais, assentada na propriedade comum dos meios de produção. Como a fascista, a ditadura comunista, também, planejava erigir o novo homem, o novo mundo. Além de continuar perseguindo Irena, apagou-a dos livros e da historiografia oficial, situação que só cessaria com o debacle do império vermelho e a ascensão da democracia, na Polônia, em 1989.
Para saber mais, clique aqui.