Ao sentenciar ignorando provas,
incitaram a uma redução da confiança pública no Judiciário
Na sala de julgamento, diante das
câmeras, avisou: “Vou fazer um gesto do que é a ira do profeta”. E,
teatralmente, espalmou a mão branca, dedos rígidos e alinhados, deslizando- a
como se cortasse artérias do pescoço de quem desejava justiçar. “É preciso dar
um freio nisso ou não vai ter bom fim”, disse o juiz Napoleão Nunes Maia Filho
sobre delações premiadas de empreiteiras nas quais supostamente foi citado. E
prosseguiu na leitura de sua sentença inaugural do golpe do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) para ignorar e desqualificar provas de fraude, corrupção e
lavagem de dinheiro na eleição de 2014 coletadas na Operação Lava-Jato.
Àquela altura, perto do TSE, a
presidente do Supremo conversava com chefes de tribunais estaduais,
intimando-os à ação rápida para transparência do Judiciário, o mais obscuro dos
poderes republicanos.
Cármen Lúcia, que também preside o
Conselho Nacional de Justiça, argumentava com o aumento da pressão de uma
sociedade cada dia mais crítica ao funcionamento das instituições. Lembrou:
“Nenhum de nós tem dúvida de que o Brasil mudou. O cidadão mudou e está com
raiva.”
O quadro sugere que, depois de devastar
o Executivo e o Legislativo, agora a crise na praça dos Três Poderes, em
Brasília, avança na direção do Judiciário.
A desconfiança pública no sistema de
justiça não é recente. Foi crescente nas últimas três décadas, mostram
pesquisas da Fundação Getulio Vargas, por efeito da excessiva burocratização
dos serviços e do longo tempo na resolução de conflitos.
Na sexta-feira, porém, quatro juízes
do TSE podem ter adicionado uma novidade ao se atropelarem na própria
incapacidade de demonstrar a legitimidade de sua decisão.
Ao sentenciar ignorando provas,
incitaram a uma redução da confiança pública no Judiciário, porque estimularam
a incredulidade no funcionamento de um tribunal cuja razão de existir é a
garantia da efetividade, da transparência e da segurança do direito ao voto.
Como registrou Silvana Batini,
professora da FGV, “decidir sobre o direito ignorando os fatos permite que, no
futuro, os fatos ignorem mais uma vez o direito”.
Juízes de tribunais superiores são
políticos vestidos de toga, mas ao usar a toga para fazer política — no caso,
estabelecer uma pinguela de governabilidade —, os vencedores do TSE
provavelmente contribuíram para ampliar a hemorragia, em vez de estancar a
sangria no governo, no Congresso e nos 26 partidos envolvidos em inquéritos sobre
corrupção.
Michel Temer comanda um governo que,
no chão, ganhou fôlego por uma “degola” à moda da República Velha — um
mecanismo de logro eleitoral usado pelas oligarquias—, mas já não consegue se
sustentar em sólida maioria no Legislativo. Assistiu a 43 deserções nas últimas
três semanas. Batalha para que, amanhã, o PSDB de 46 deputados e 11 senadores
decida apenas fingir que o abandona, e libere alguns que desejam continuar
gravitando em torno do Palácio do Planalto.
No melhor cenário, continuará em
extrema fragilidade, submisso a custos políticos crescentes sobre cada
iniciativa governamental, e algemado ao destino da Lava-Jato.
Por
José Casado, em O Globo
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