Poucas vezes a degradação que criaram
no país ficou tão clara quanto no desvairado "julgamento" do
presidente Michel Temer
Ministros chegam a sessão plenária do TSE, para julgamento da chapa Dilma-Temer, em Brasília - 09/06/2017 (Roberto Jayme/Ascom/TSE/Divulgação) |
A vida pública no Brasil degenerou a tal ponto que
ficou criada a seguinte situação: os sócios-proprietários do governo, divididos
em bandos rivais que tentam se exterminar uns aos outros, perderam a capacidade
de tomar qualquer decisão certa, seja ela qual for. Só conseguem errar. Um lado
aposta “par”, o outro lado aposta “ímpar” e os dois perdem — é aonde chegamos,
pela ação das facções que mandam hoje no país e passaram a acreditar, nos
últimos anos, que podem salvar os seus interesses políticos e materiais
dedicando-se a uma campanha permanente de suicídio. Há 14 milhões de
brasileiros desempregados, levando uma vida de tormento silencioso e diário,
enquanto os donos do aparelho de governo fazem tudo o que podem para manter o
mundo da produção paralisado e sem oportunidades. O Brasil chegou aos 60 000
homicídios por ano — e responde por 10% de todos os assassinatos cometidos no
mundo. Não há esgotos. Mas os barões, duques e arquiduques que controlam as
decisões públicas se matam para ganhar seus joguinhos nos tribunais e em outros
terreiros de disputa. Estão cegos.
Poucas vezes a degradação que criaram no país ficou
tão clara quanto no desvairado “julgamento” do presidente Michel Temer, dias
atrás, pela aberração conhecida como “Tribunal Superior Eleitoral”. De um lado,
é mais do que sabido, pela exposição dos fatos, que em 2014 a ex-presidente
Dilma Rousseff fez a campanha mais corrompida, fraudada e criminosa na história
das eleições brasileiras, levando-se em conta a estonteante quantidade de
delitos cometidos para mantê-la no cargo. É impossível, também, fazer de conta
que o atual presidente, na condição de seu vice, não foi um beneficiário direto
da trapaça — simplesmente ganhou a Presidência da República quando Dilma foi
despejada do posto por fraude contábil, depois de um governo corrupto,
trapaceiro e inepto. As provas dos crimes são indiscutíveis, e até os ministros
do TSE concordam que a campanha foi paga com dinheiro roubado. Mas decidiram
que Michel Temer deve continuar no cargo, porque em seu entender as provas
contra a chapa vencedora, embora reais e concretas, não são válidas. Quer
dizer: valem, mas na hora em que foram apresentadas não estavam mais valendo,
pois apenas nossos cientistas jurídicos sabem que uma banana, hoje, pode ser
uma laranja amanhã.
De outro lado, é um completo disparate achar que
sete nulidades, que jamais foram eleitas nem para inspetor de quarteirão,
possam decidir se o presidente da República fica ou não no cargo. Quem o coloca
lá é o eleitorado. Quem tem o direito de tirá-lo é o Congresso Nacional, e não
o senhor Benjamin ou o senhor Gilmar, o senhor Napoleão ou dona Rosa, e outros
gigantes do mesmo porte. Quem é essa gente? Por que fazer um processo judicial
que se arrasta por anos, se os juízes decidem que as provas não servem para
nada e se não têm a mínima condição lógica para depor o presidente da
República? Seja lá o que façam, não podem acertar. Apesar dessa insanidade
geral, a desordem continua. O procurador-geral da República, agora, quer tirar
Temer por “obstrução da Justiça” e outros crimes, sabendo muito bem que a
Câmara dos Deputados não vai aceitar sua denúncia. A Câmara, por seu lado,
ameaça chamar o procurador para explicar por que, em sociedade com um ministro
do Supremo Tribunal Federal, perdoou sem nenhum processo judicial aos autores
confessos de uma das mais delirantes operações de corrupção de toda a história
brasileira.
A reação popular à “absolvição” do presidente foi a
mais humilhante indiferença — a melhor resposta, possivelmente, para os que são
donos do governo, da máquina pública e do Tesouro Nacional. Trata-se dessa
aglomeração de políticos, magistrados, procuradores, lobistas, chefes de
gangues partidárias, acionistas do Erário e todos os demais parasitas que desfilam
pelo noticiário. Fingem que estão ocupadíssimos na solução das mais graves
questões da vida nacional. Sabem perfeitamente que no Brasil há problemas de
dois tipos — os problemas deles e os problemas da população, e que esses dois
mundos jamais se tocam. Quanto tempo vai durar o mandato de Temer? Como acordou
hoje o senador Calheiros — contra as reformas, a favor das reformas? O PSDB vai
ficar no governo, sair ou ficar e sair ao mesmo tempo? Qual o último chilique
do ministro fulano do STF, ou do STJ, do TSE ou de onde for? Lula é um líder
nacional ou um futuro presidiário? Enquanto isso, como diria o deputado Justo
Veríssimo, os desempregados que se explodam.
Por J.R.
Guzzo, na revista VEJA
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O livro com a peça teatral Irena Sendler, minha Irena:
A história registra as ações de um grande herói, o espião e membro do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, Oskar Schindler, que salvou cerca de 1.200 judeus durante o genocídio perpetrado pelos nazistas. O industrial alemão empregava os judeus em suas fábricas de esmaltes e munições, localizadas na Polónia e na, então, Tchecoslováquia.
Irena Sendler, utilizando-se, tão somente, de sua posição profissional – assistente social do Departamento de Bem-estar Social de Varsóvia – e se valendo de muita coragem, criatividade e altruísmo, conseguiu salvar mais de 2.500 crianças judias.
"O Anjo do Gueto de Varsóvia", como ficou conhecida Irena Sendlerowa, conseguiu salvar milhares de vidas ao convencer famílias cristãs polonesas a esconder, abrigando em seus lares, os pequeninos cujo pecado capital – sob a ótica do führer – consistia em serem filhos de pais judeus.
Período: 2ª Guerra Mundial, Polônia ocupada pela Alemanha nazista. A ideologia de extrema-direita que sistematizou o racismo científico e levou o antissemitismo ao extremo com a Solução Final, implementava a eliminação dos judeus do continente europeu.
A guerra desencadeada pelos nazistas – a maior deflagração do planeta – mobilizou 100 milhões de militares, provocando a maior carnificina já experimentada pela humanidade, entre 50 e 70 milhões de mortes, incluindo a barbárie absoluta, o Holocausto, o genocídio, o assassinato em massa de 6 milhões de judeus.
Este é o contexto que inspirou o autor a escrever a peça teatral “Irena Sendler, minha Irena”.
Para dar sustentação à trama dramática, Antônio Carlos mergulhou fundo na pesquisa histórica, promovendo a vasta investigação que conferiu à peça um realismo que inquieta, suscitando reflexões sobre as razões que levam o homem a entranhar tão exageradamente no infesto, no sinistro, no maléfico. Por outro lado, como se desanuviando o anverso da mesma moeda, destaca personagens da vida real como Irena Sendler, seres que, mesmo diante das adversidades, da brutalidade mais atroz, invariavelmente optam pelo altruísmo, pela caridade, pela luz.
É quando o autor interage a realidade à ficção que desponta o rico e insólito universo com personagens intensos – de complexa construção psicológica - maquinações ardilosas, intrigas e conspirações maquiavélicas, complôs e subterfúgios delineados para brindar o leitor – não com a catarse, o êxtase, o enlevo – e sim com a reflexão crítica e a oxigenação do pensamento.
Dividida em oito atos, a peça traz à tona o processo de desumanização construído pelas diferentes correntes políticas. Sob o regime nazista, Irena Sandler foi presa e torturada – só não executada porque conseguiu fugir. O término da guerra, em 1945, que deveria levar à liberdade, lancinou o “Anjo do Gueto” com novas violências, novas intolerâncias, novas repressões. Um novo autoritarismo dominava a Polônia e o leste Europeu. Tão obscuro e cruel quanto o de Hitler, Heydrich, Goebbels, Hess e Menguele, surgia o sistema que prometia a sociedade igualitária, sem classes sociais, assentada na propriedade comum dos meios de produção. Como a fascista, a ditadura comunista, também, planejava erigir o novo homem, o novo mundo. Além de continuar perseguindo Irena, apagou-a dos livros e da historiografia oficial, situação que só cessaria com o debacle do império vermelho e a ascensão da democracia, na Polônia, em 1989.
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