O passado já era, mas existem lições
permanentes: a intenção de proteger populações de atentados fracassa se não
houver objetivo de destruir o inimigo
Os
últimos atentados na Inglaterra expuseram para quem quiser ver praticamente
todas as páginas do manual de como um Estado poderoso e altamente equipado pode
perder para terroristas armados com facões.
A
palavra-chave é simples: medo. Medo de provocar reações negativas. Medo de dar
a impressão de comportamento abusivo. Medo de se indispor com a “comunidade”.
E, acima
de tudo, medo de enfrentar manifestantes, advogados e políticos dispostos a
defender terroristas em potencial como se fosse vítimas de discriminação e do
sistema mau que quer impor limites às liberdades públicas.
Imaginem
os coitadinhos que não possam viajar para a Síria, o Iraque e o Paquistão fazer
seus cursos de graduação em extermínio de crianças, mulheres e homens. Onde
ficar o direito de ir e vir?
A parte
de vir envolve o retorno desses assassinos munidos de passaportes que lhes
conferem o direito inquestionável de voltar dos cursos avançados de terror e
esperar o momento adequado para por seus conhecimentos em prática.
GANGUE
DOS TRÊS
Aos que
ficam na Inglaterra mesmo, a liberdade de opinião garante que preguem a
extinção de todos os fundamentos do próprio estado de direito. Incluindo
democracia, igualdade de todos perante a lei, sexo consensual entre quem tem
idade para consentir, emancipação das mulheres. Imaginem só, falar em emancipação
das mulheres a essa altura dos acontecimentos.
As
revelações sobre o chefe da gangue dos três que tocaram o terror na London
Bridge mostram que foi denunciado por vizinhos, “entrevistado” pela polícia,
filmado num documentário sobre jihadistas com a bandeira do Estado Islâmico.
E o que
aconteceu? O sujeito trabalhou no metrô do Londres, bem na estação de
Westminster, a do Parlamento britânico. Ao lado do lugar onde um colega
atropelou e esfaqueou cinco.
E o que
aconteceu? Foi dispensado, depois de um período de experiência, porque faltava
muito. Logo, logo descobrem que levou uma boa indenização. Aliás, o uso de
benefícios sociais e bolsas de estudos para financiar terroristas já está bem
comprovado na Inglaterra.
Vejam os
números: pelo menos 800 ultra-radicais que entraram para o Estado Islâmico e
foram praticar atrocidades na Síria e no Iraque estão de volta à Grã-Bretanha.
O total de “jihadistas”, a designação suave, é de mais de 3 000.
Mas,
depois do homem-bomba de Manchester, vieram à tona números que mencionam
23 000 simpatizantes de alguma maneira ativos do extremismo islâmico.
TRINCHEIRA
NO QUINTAL
Como os
serviços de segurança altamente formados, sofisticados, equipados e experientes
deixam passar tantos casos de extremistas que só faltam carimbar “terrorista”
na testa?
A
explicação deve estar na doutrina, não nos quadros. Entra aí uma pequena
história da espantosa Guerra dos Seis Dias, relembrada agora porque completa
cinquenta anos.
É
difícil para quem vê, hoje, a superioridade bélica, material, pessoal,
profissional, estratégica e logística de Israel imaginar que, cinquenta anos
atrás, o país enfrentava uma real possibilidade de extermínio.
Contra
Israel, nos campos de batalha, juntavam-se os exércitos de Egito, Síria e
Jordânia, mais a participação relativamente simbólica de Iraque e Líbano.
Outros sete países, além da OLP, a Organização de Libertação da Palestina, a
principal interessada, também participavam.
No livro
A Porta dos Leões, de Steven Pressfield, escritor americano que tem a vantagem
de ter sido fuzileiro naval, muitos das pessoas que relatam suas memórias sobre
os dias antes da guerra-relâmpago lembram como ouviam um famoso locutor egípcio
anunciando dia e noite pelo rádio: “Judeus, vocês vão ser jogados no mar”.
“Cortem
as gargantas deles” era a música mais popular em Damasco, entoada em
manifestações de rua. Moradores da fronteira com a Jordânia viam, literalmente,
os tanques enfileirados da Legião Árabe. Alguns cavavam trincheiras em jardins
e quintais.
OLHO A
MENOS
O
general mais famoso de Israel estava aposentado. Moshe Dayan tinha gênio
irascível, ego incontrolável, um olho a menos e pensamento estratégico. Ou
seja, o tipo de cara que um país precisa quando está em risco de aniquilação.
Esperava
ser chamado de volta pelo primeiro-ministro, Levi Eshkol, por quem nutria
desgosto profundo. Enquanto isso não vinha, visitava o fronte por conta
própria, fardado e, claro, com um oficial de serviço.
Sua
filha, Yael Dayan, descreveu assim no livro mencionado um comentário essencial
dele: “Meu pai discorreu sobre a diferença entre ‘intenção’ e ‘objetivo’. Em
qualquer ordem do dia, a intenção está acima e é mais importante que o
objetivo”.
“O
problema de Eshkol era sua intenção de preservar Israel a qualquer custo”,
continuou o general. Segundo sua interpretação, Eshkol estava cedendo às
pressões dos Estados Unidos para não ir à guerra, pensando que assim alcançaria
o objetivo de salvar Israel.
“A
intenção do primeiro-ministro tem que ser ‘preservar a nação destruindo as
forças que se alinham contra ela’”, concluiu Dayan.
Esta
visão salvou Israel e levou o país a uma expansão territorial que criou seus
próprios problemas. De forma geral, para Israel é melhor ter hoje estes
problemas do que ter sido aniquilado como pretendiam seus inimigos.
FRAQUEZA
DOUTRINÁRIA
A
vitória na Guerra dos Seis Dias , posteriormente seguida de concessões
negociadas, levou um grande líder egípcio, Anuar Sadat, e seu grande éxercito,
sob mediação americana, a assinar um acordo de paz em vigor até hoje.
O único
equivalente é o da Jordânia, um país importante, mas muito menor que o Egito.
Só isso tem garantido que não haja uma guerra generalizada no Oriente Médio.
É claro
que os cabeças dos serviços de segurança da Grã-Bretanha conhecem todas as
táticas e estratégias das guerras passadas, simétricas ou assimétricas. É claro
que entendem que a batalha travada pelo terrorismo islâmico contra os países
ocidentais – fora a guerra dentro das próprias fileiras muçulmanas – ainda está
no começo.
E é
claro que, como instituições democráticas, precisam lidar também com partidos,
organizações e uma fatia da opinião pública que resiste automaticamente a
suas ações.
Muitos
são treinados, doutrinados, orientados e, em muitos casos, até pagos para
repetir infinitamente que o perigo real é a islamofobia e que qualquer reação
ao terrorismo implica em injustiçar inocentes.
Mas é
claro também que tem uma fraqueza intrínseca no campo doutrinário, além de
operacional. É nisso que a teoria Dayan revela sua importância.
Querem
proteger a população britânica a qualquer custo ou levar a destruição ao
coração do inimigo? É preferível chorar de alegria em Jerusalém (mesmo que
depois enfrentar o medo das facadas) ou passar a vida esperando a aniquilação?
Um dos
grandes avanços da civilização é quando se alcança o estágio de não ser
necessário fazer esta escolha. Não precisar escolher entre “os nossos filhos ou
os filhos deles”. Mas, se escolha for entre crianças e jovens trucidados ou,
por exemplo, expulsão compulsória de jihadistas conhecidos, fichados e
gravados, a resposta não é exatamente difícil.
Por Vilma
Gryzinski, na Veja.com
_______________
O livro com a peça teatral Irena Sendler, minha Irena:
A história registra as ações de um grande herói, o espião e membro do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, Oskar Schindler, que salvou cerca de 1.200 judeus durante o genocídio perpetrado pelos nazistas. O industrial alemão empregava os judeus em suas fábricas de esmaltes e munições, localizadas na Polónia e na, então, Tchecoslováquia.
Irena Sendler, utilizando-se, tão somente, de sua posição profissional – assistente social do Departamento de Bem-estar Social de Varsóvia – e se valendo de muita coragem, criatividade e altruísmo, conseguiu salvar mais de 2.500 crianças judias.
"O Anjo do Gueto de Varsóvia", como ficou conhecida Irena Sendlerowa, conseguiu salvar milhares de vidas ao convencer famílias cristãs polonesas a esconder, abrigando em seus lares, os pequeninos cujo pecado capital – sob a ótica do führer – consistia em serem filhos de pais judeus.
Período: 2ª Guerra Mundial, Polônia ocupada pela Alemanha nazista. A ideologia de extrema-direita que sistematizou o racismo científico e levou o antissemitismo ao extremo com a Solução Final, implementava a eliminação dos judeus do continente europeu.
A guerra desencadeada pelos nazistas – a maior deflagração do planeta – mobilizou 100 milhões de militares, provocando a maior carnificina já experimentada pela humanidade, entre 50 e 70 milhões de mortes, incluindo a barbárie absoluta, o Holocausto, o genocídio, o assassinato em massa de 6 milhões de judeus.
Este é o contexto que inspirou o autor a escrever a peça teatral “Irena Sendler, minha Irena”.
Para dar sustentação à trama dramática, Antônio Carlos mergulhou fundo na pesquisa histórica, promovendo a vasta investigação que conferiu à peça um realismo que inquieta, suscitando reflexões sobre as razões que levam o homem a entranhar tão exageradamente no infesto, no sinistro, no maléfico. Por outro lado, como se desanuviando o anverso da mesma moeda, destaca personagens da vida real como Irena Sendler, seres que, mesmo diante das adversidades, da brutalidade mais atroz, invariavelmente optam pelo altruísmo, pela caridade, pela luz.
É quando o autor interage a realidade à ficção que desponta o rico e insólito universo com personagens intensos – de complexa construção psicológica - maquinações ardilosas, intrigas e conspirações maquiavélicas, complôs e subterfúgios delineados para brindar o leitor – não com a catarse, o êxtase, o enlevo – e sim com a reflexão crítica e a oxigenação do pensamento.
Dividida em oito atos, a peça traz à tona o processo de desumanização construído pelas diferentes correntes políticas. Sob o regime nazista, Irena Sandler foi presa e torturada – só não executada porque conseguiu fugir. O término da guerra, em 1945, que deveria levar à liberdade, lancinou o “Anjo do Gueto” com novas violências, novas intolerâncias, novas repressões. Um novo autoritarismo dominava a Polônia e o leste Europeu. Tão obscuro e cruel quanto o de Hitler, Heydrich, Goebbels, Hess e Menguele, surgia o sistema que prometia a sociedade igualitária, sem classes sociais, assentada na propriedade comum dos meios de produção. Como a fascista, a ditadura comunista, também, planejava erigir o novo homem, o novo mundo. Além de continuar perseguindo Irena, apagou-a dos livros e da historiografia oficial, situação que só cessaria com o debacle do império vermelho e a ascensão da democracia, na Polônia, em 1989.
Para saber mais, clique aqui.