Pesquisa mostra que o número de trabalhadores precoces corresponde a 5% da população que tem entre 5 e 17 anos no Brasil Agência Brasil |
Em todo o Brasil, a mão de obra de crianças e adolescentes
ainda é explorada de forma indiscriminada. Seja nos semáforos, nos lixões, em
feiras, restaurantes, no campo, em indústrias ou dentro de casa, os direitos à
infância e à educação são negados para quase três milhões de crianças e
adolescentes no país, de acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
O mapeamento da situação do trabalho infantil mostra que o
número de trabalhadores precoces corresponde a 5% da população que tem entre 5
e 17 anos no Brasil. A taxa de crianças economicamente ativas é 20% menor do
que o registrado em anos anteriores, mas especialistas alertam que é possível
que haja uma interrupção na tendência de queda.
Desde 2013, o país vem registrando aumento dos casos de
trabalho infantil entre crianças de 5 a 9 anos. Em 2015, ano da última pesquisa
do IBGE, quase 80 mil crianças nessa faixa etária estavam trabalhando e, nas
próximas pesquisas, quando elas estiverem mais velhas, podem promover o aumento
do número de adolescentes que trabalham. Cerca de 60% delas vivem na área rural
das regiões Norte e Nordeste.
Representantes da rede de proteção à infância afirmam que
o dado é preocupante e deve ser destacado nas campanhas realizadas para marcar
o Dia Internacional contra o Trabalho Infantil, celebrado hoje (12) em todo o
mundo. A data foi instituída há 15 anos pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT) para promover ações em todo o mundo e mobilizar diferentes
atores no combate ao trabalho infantil.
“É inaceitável que crianças de 5 a 9 anos estejam
trabalhando. A expressiva maioria delas trabalha com as próprias famílias no
cultivo de hortaliças, cultivo de milho, criação de aves e pecuária. São
recortes que conhecidos e analisados obrigatoriamente devem subsidiar decisões
políticas ou implementação de ações e programas que deem uma resposta a essa
grave situação.”, disse Isa Oliveira, socióloga e secretária-executiva do Fórum
Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fnpeti), um dos
organizadores da campanha no Brasil.
Para o Fórum Nacional, outro ponto que deve ser lembrado
durante a campanha é o não cumprimento pelo Brasil da meta firmada junto à
Organização Internacional do Trabalho de eliminar todas as piores formas de
trabalho infantil até 2016.
Entre as formas mais graves descritas na Convenção
Internacional 182, da qual o Brasil é signatário, estão a escravidão, o tráfico
de entorpecentes, o trabalho doméstico e o crime de exploração sexual, que, no
caso dos dois últimos, vitimam principalmente meninas negras.
“A nossa proposta nesse 12 de junho é questionar o governo
sobre o não cumprimento da meta e que essa avaliação do não cumprimento nos dê
subsídios para uma tomada de decisão no sentido de reafirmar o compromisso pela
prevenção e eliminação do trabalho infantil. O Brasil tem esse compromisso. A
proibição do trabalho infantil está na legislação brasileira, em particular na
Constituição Federal, disse declarou Isa Oliveira.
Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a meta
de erradicação das piores formas foi reagendada para 2020 e a de todas as
formas de trabalho infantil para 2025, em acordo firmado com a comunidade
internacional na OIT, no âmbito dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. O
ministério ressalta ainda que realizou, de 2006 a 2015, quase 47 mil ações de
fiscalização que resultaram na retirada de 63.846 crianças e adolescentes do
trabalho e na redução apontada pelo IBGE em 2015.
Legislação
A legislação internacional define o trabalho infantil como
aquele em que as crianças ou adolescentes são obrigadas a efetuar qualquer tipo
de atividade econômica, regular, remunerada ou não, que afete seu bem-estar e o
desenvolvimento físico, psíquico, moral e social.
Segundo a Constituição Federal, é proibido para menores de
16 anos a execução de qualquer trabalho, salvo na condição de aprendiz, a
partir dos 14 anos. No caso das atividades de aprendizagem, o trabalho não pode
ser noturno, perigoso ou insalubre, mesmo para os maiores de 16 e menores de 18
anos. As atividades de aprendizagem também não devem prejudicar a frequência
nem o rendimento escolar do adolescente.
A proibição é reforçada na Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), que restringe a possibilidade de trabalho a menores de 16 anos
apenas a casos autorizados pela Justiça e estabelece os critérios para a
contratação de aprendizes. O direito à profissionalização e proteção no
trabalho para os aprendizes também está disposto no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA )
Riscos
As crianças que trabalham de forma irregular têm o mundo
de aprendizado, sonhos, brincadeiras e proteção substituído por uma rotina de
responsabilidade, exposição a perigos e risco de traumas.
Segundo a OIT, em todo o mundo cerca de 168 milhões de
crianças são obrigadas a trabalhar, sendo que 85 milhões delas estão envolvidas
em trabalhos considerados perigosos.
No Brasil, de acordo com o Departamento de Vigilância em
Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, desde 2007 quase
40 mil crianças e adolescentes sofreram algum tipo de acidente enquanto
trabalhavam. Mais de 50% das ocorrências foram graves, o que inclui amputação
de mãos e braços e até mortes.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o trabalho
infantil também é uma das formas de violência contra a infância e adolescência.
Seguindo a classificação internacional de violações, o Ministério da Saúde
obriga, desde 2011, a fazer a notificação de casos suspeitos ou confirmados
desse tipo de violência no Sistema de Informação de Agravos de Notificação
(Sinan) pelos profissionais de saúde.
As notificações de 2009 a 2011 apontaram que mais de 800
crianças foram identificadas no Sistema Único de Saúde (SUS) como vítimas de
algum tipo de violência relacionada ao trabalho infantil. O número corresponde
a 2,8% do total de atendimentos de violência do período. Como nem todos os
casos chegam ao conhecimento do sistema de saúde, o índice de abuso contra as
crianças trabalhadoras pode ser muito maior.
Desafio da prevenção
O Código Penal brasileiro ainda não tipifica a exploração
de mão de obra infantil como crime. Algumas formas de trabalho infantil têm
sanção prevista à parte, como a prostituição, considerada crime hediondo e
inafiançável, com pena de 4 a 10 anos de prisão em regime fechado. Outras
formas de exploração, como o trabalho doméstico, ainda carecem de
regulamentação.
Um projeto de lei que criminaliza qualquer tipo de
trabalho infantil - exceto os de natureza artística que tiver consentimento
judicial - aguarda aprovação da Câmara dos Deputados. O projeto já foi aprovado
pelo Senado no fim do ano passado.
Mas, o Fórum Nacional alerta que a maioria das propostas
referentes ao assunto que tramitam no Congresso sugere mudanças consideradas
como retrocesso pelas entidades civis e pelo Ministério Público do Trabalho,
como a redução da idade mínima para permissão de trabalho regular para os 14
anos. A redução da idade, inclusive para o trabalho doméstico, é recomendada
por seis Propostas de Emenda à Constituição que tramitam na Câmara.
Mesmo com o rigor conceitual e jurídico que envolve o tema,
o país enfrenta dificuldades para colocar em prática medidas efetivas de
combate. Segundo avaliação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho
Infantil, o país executou até 2015 apenas metade do total de 133 ações
previstas no plano nacional.
Os especialistas explicam que ainda se impõe no país uma
tradição cultural que coloca a infância em condição de vulnerabilidade.
“Predominam ainda valores culturais que defendem para as crianças pobres o
trabalho precoce como uma solução. Quando os dados das estatísticas informam o
contrário, quer dizer, trabalho infantil não foi, não é e não será a solução
porque ele reproduz a pobreza, a exclusão social e a exclusão escolar”, alerta
Isa Oliveira.
A baixa eficácia da política de educação no Brasil e os
desafios para geração de renda das famílias mais pobres também são apontados
entre as causas para o abandono dos estudos e os altos índices de trabalho
infantil.
“A política de educação garante o acesso através da
matrícula, mas a permanência e a conclusão na idade certa, no tempo certo, não
vêm acontecendo há um tempo. Por outro lado, a política de assistência social -
que tem por missão atender famílias em situação de vulnerabilidade e pobreza -
também não tem sido eficaz para dar apoio às famílias, para que elas tenham uma
renda que seja suficiente para o sustento de seus filhos e não recorram ao
trabalho das crianças para complementar a renda”, afirmou a socióloga.
Educação
Uma das estratégias da mobilização internacional deste ano
é ressaltar o papel da educação como uma das ferramentas mais eficazes de
combate ao trabalho infantil. As ações também enfocarão o combate à pobreza e
chamarão a atenção para a situação das crianças refugiadas que são forçadas a
trabalhar.
A mobilização brasileira contará com a presença do Nobel
da Paz, o indiano Kailash Satyarthi, que lidera a iniciativa global "100
milhões por 100 milhões". O objetivo da campanha é mobilizar 100 milhões
de pessoas na luta pelos direitos de 100 milhões de crianças que vivem em
situação de trabalho infantil no mundo.
Ao longo da semana, a campanha promoverá debates no
Congresso Nacional, o lançamento de exposição sobre o tema no Ministério
Público do Trabalho e apelo nas redes sociais. Entre as ações do governo
federal, estão previstas operações de combate ao trabalho infantil pelos
fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, além de palestras e audiências
públicas nos estados.
Por Debora Brito, na Agência Brasil