sábado, 1 de abril de 2017

A bandidagem no TCE do Rio


Sem substitutos, corte pode ficar travada
Tribunal do RJ tem três auditores e somente um deles pode assumir vaga de conselheiro se prisões temporárias decretadas forem mantidas
Com a prisão temporária de cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCERJ), a Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros-Substitutos dos Tribunais de Contas (Audicon) avalia adotar medidas judiciais para garantir a atuação dos conselheiros substitutos na corte de contas fluminense. Cada tribunal de contas estadual tem uma regra sobre o número de conselheiros substitutos. No caso do Rio, são três substitutos. Atualmente, a corte de contas tem uma regra que permite apenas um conselheiro substituto assumir o cargo de conselheiro.
A entidade aguarda definição da presidência do TCE-RJ na sessão da próxima terça-feira para decidir se serão ocupados os cargos vagos. Com isso, na prática, enquanto os cinco conselheiros permanecerem presos, a corte de contas ficará travada. As prisões temporárias têm prazo de cinco dias, podendo ser prorrogadas por mais cinco dias ou até mesmo convertidas em prisão preventiva. A sessão prevista no TCE-RJ, por exemplo, foi suspensa por falta de quórum – lei complementar prevê número mínimo de quatro conselheiros para a realização da sessão.
Concurso. Diferentemente dos conselheiros, que são nomeados por indicação política, os substitutos são concursados. Eles têm suas atribuições previstas na Constituição, que inclui não apenas substituir os conselheiros como também julgar os processos nas cortes estaduais, tal qual seus pares indicados politicamente. Na prática, porém, a situação dos “conselheiros concursados” nos tribunais estaduais é considerada mais precária do que a dos conselheiros, e a categoria reivindica há anos uma distribuição igualitária de processos e uma melhor infraestrutura para atuar.
Em nota divulgada ontem, o presidente da Audicon, Marcos Bemquerer, afirmou que a entidade defende as apurações envolvendo os integrantes do TCE-RJ e reitera a importância dos substitutos. Apesar de a carreira ser prevista desde 1988, o próprio TCERJ só fez concurso público para os cargos de conselheiros substitutos no ano passado. Antes disso, em 2012, a Audicon entrou com duas ações no Tribunal de Justiça do Rio para que fosse nomeado um conselheiro substituto em vez de Domingos Brazão, atual vice-presidente do TCE-RJ e que foi detido temporariamente ontem. Na ocasião, o pedido foi negado e Domingos Brazão, que não tem curso superior, assumiu o cargo. Para fazer o concurso para conselheiro substituto é preciso ter formação em um dos seguintes cursos: Direito, Economia, Ciências Contábeis ou Ciências Sociais.
Conselho Nacional. Enquanto os “conselheiros concursados” reivindicam suas demandas, o presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Valdecir Pascoal, defendeu ontem a cria- ção de um Conselho Nacional para os Tribunais de Contas. A entidade defende a criação do órgão por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). “Esse conselho teria a responsabilidade de zelar pela Constituição. Hoje, é difícil para a Corregedoria dos Tribunais de Contas fazer esse trabalho, em função da proximidade dos membros com o Poder Executivo”, afirmou. Pascoal classificou de “gravíssima” a situação do Tribunal de Contas do Rio e afirmou que é preciso aprimorar a seleção de conselheiros desses tribunais nos Estados.
Indicação política versus concurso Cintia Barudi Lopes
A função dos Tribunais de Contas é fazer o controle financeiro e fiscal das autoridades públicas municipais, estaduais e federais. O Tribunal de Contas da União (TCU), com previsão na Constituição, fiscaliza as contas de autoridades de natureza federal – o Congresso Nacional julga o presidente. Os Tribunais de Contas Estaduais (TCEs) e o Distrital analisam as contas de autoridades de Estados e Distrito Federal e todos os municípios. Apenas duas cidades têm órgãos próprios: São Paulo e Rio.
A norma constitucional estabelece que podem ser nomeados ministros do TCU cidadãos brasileiros com reputação ilibada, com pelo menos dez anos de experiência na área fiscal e financeira e com mais de 35 anos de idade e menos de 65. Dos nove membros, três são indicados pelo presidente e o Senado deve aprová- los. O Congresso indica os demais. Nos Estados e municípios, a indicação dos conselheiros deve seguir a sistemática federal em razão do princípio da simetria – isto é, parte é nomeada por governador ou prefeito e parte por Assembleia ou Câmara.
No entanto, podem existir regras específicas, conforme as Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos municípios. Em regra, esses tribunais devem ter até sete membros. Há um forte componente político nas indicações em virtude do modo de como são feitas historicamente no Brasil. A nomeação política cria vínculo muito grande entre nomeador e nomeado, e isso pode facilitar casos de improbidade administrativa e corrupção. O ministro ou o conselheiro acaba por julgar autoridades que lhe colocaram no cargo.
Embora não haja nenhum movimento para mudar o sistema de nomeações, um modelo mais justo seria o de concurso público, uma vez que as atribuições exigem conhecimentos especializados e técnicos. A seleção, mais objetiva, ofereceria autonomia aos membros dos tribunais.
PERFIS
ALOYSIO NEVES PRESIDENTE DO TCE-RJ
Presidente do TCE-RJ, Aloysio Neves foi chefe de gabinete por oito anos do presidente da Assembleia, Jorge Picciani (PMDB). Ele também ocupou o cargo no período em que o ex-governador Sérgio Cabral presidiu a Alerj (1995-2003). Neves apareceu em fotografias, ao lado de Cabral, na viagem que o então governador fez a Paris com o empresário Fernando Cavendish, da Delta.
DOMINGOS BRAZÃO VICE-PRESIDENTE DO TCE-RJ
Vice-presidente do TCE-RJ, Domingos Brazão é ex-deputado estadual e teve a indicação para conselheiro do TCE apoiada por Jorge Picciani. Brazão foi citado na CPI das Milícias e foi investigado por suposto envolvimento na Máfia dos Combustíveis. Sua indicação ao TCE foi questionada por associações de classe, que alegaram à época que Brazão não preenchia os requisitos necessários para o cargo.
JOSÉ GOMES GRACIOSA CONSELHEIRO DO TCE-RJ
O conselheiro José Gomes Graciosa foi presidente do TCERJ entre 2001 e 2006. Em 2009, foi indiciado pela Polícia Federal na Operação Pasárgada, sob suspeita de formação de quadrilha, corrupção passiva e prevaricação. O inquérito apurava o suposto pagamento de propinas a funcionários públicos para favorecer empresas investigadas pelo tribunal. Foi absolvido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
MARCO ANTONIO ALENCAR CONSELHEIRO DO TCE-RJ
Filho do governador Marcello Alencar, foi nomeado pelo pai para o TCE-RJ em 1997s. Advogado, foi deputado estadual em 1990 e reeleito em 1994. Delações da Andrade Gutierrez apontam que um dos operadores do esquema envolvendo o tribunal de contas tinha como operador Jorge Luiz Mendes Pereira da Silva. Nas investigações, Marco Antônio foi apontado como responsável por sua contratação.
JOSÉ MAURÍCIO NOLASCO CONSELHEIRO DO TCE-RJ
Nomeado para o TCE em 1998, presidiu o órgão entre 2007 e 2010. Foi citado na Operação Descontrole, desdobramento da Lava Jato. Segundo os procuradores, Wilson Carlos, o ex-secretário de governo de Sérgio Cabral, pediu propina à Andrade Gutierrez da obra do Maracanã que seria para Nolasco. Ele foi presidente da Companhia Estadual de Água e Esgoto na gestão Marcello Alencar (1995- 1998).
MARIANNA MONTEBELLO CORREGEDORA DO TCE-RJ
Única conselheira do TCE-RJ que não foi alvo da operação de ontem, Marianna Montebello Willeman, de 40 anos, é a mais nova integrante da Casa – tomou posse em 2015. Sua escolha teve apoio de Jorge Picciani (PMDB), presidente da Assembleia Legislativa, mas ela nega que tenha havido indicação política. Marianna era procuradora do Ministério Público e do próprio tribunal.

Por Mateus Coutinho / Alexandra Martins, em O Estado de São Paulo 

______________________


O livro contém o texto original de Nicolai Gogol, a peça teatral “O inspetor Geral”. E mais um ensaio e 20 artigos discorrendo sobre a realidade brasileira à luz da magnífica obra literária do grande escritor russo. Dessa forma, a Constituição brasileira, os princípios da administração, as referências conceituais da accountability pública, da fiscalização e do controle - conteúdos que embasam a política e o exercício da cidadania – atuam como substrato para o defrontar entre o Brasil atual e a Rússia dos idos de 1.800. 
Para saber mais, clique aqui